O primeiro inimigo nunca nos esquece. Ninguém precisa fazer mal a alguém para ter um, basta afrontar as convicções de alguém. Estação 12 e nossa trama está apenas no começo, peguem seus lugares e boa viagem.
Hora de apresentar o projecto de ciências.
Tiveram a preciosa ajuda de Richard, um devorador insaciável de publicações
científicas, que em poucos anos montou uma biblioteca maior do que a que
perderam (...) O trabalho é um diorama
cronológico da teoria da evolução das espécies. Começa com os dinossauros em
miniatura, esculpidos em gesso, passando pelos animais do terciário e os
animais contemporâneos. A bibliografia apresentada é bastante rica e
pormenorizada, até explicam a ausência humana entre os dinossauros. É um
trabalho lindo, que rende elogios rasgados dos professores, de colegas e de
funcionários da escola. Alguns até pegam livros na biblioteca, para fazerem
comparações e entenderem melhor. Fica a cargo de Patrícia a apresentação...
- Como costuma dizer nosso amigo Ronald, a
bíblia diz o que Deus fez, a ciência mostra como foi feito (...) vou falar do que Charles Darwin
concluiu, com seus longos anos de pesquisa prática e observações minuciosas...
A líder do Dead Train, ninguém se atreveu a
contrariar sua autoridade. Ela explana com competência, com grande domínio de
causa, com pleno respeito aos religiosos e tudo mais. A maioria absoluta
aplaude, mas eis que, lá dos quintos, aparece um grupo exaltado, acusando os
adolescentes de terem ofendido o próprio Deus...
- Isso é blasfêmia! Vocês estão propagando
mentiras criminosas, seus irresponsáveis! Me mostre onde, na bíblia, existe uma
só citação a “homens das cavernas”! Vamos!
- Em nenhum lugar - responde calma e
friamente a temperamental Patrícia.
- Viram? Ela admite! E você sabe por que não
tem? Sabe?
- Porque a bíblia foi escrita muitos milhares
de anos depois do aparecimento do homem, e foi escrita ao longo de quatro
séculos.
- MAS QUE ABSURDO É ESSE??? QUEM VOCÊ PENSA
QUE É PARA NEGAR O AMOR DE DEUS, SUA PECADORA??? Essa juventude está toda
contaminada por costumes imundos! Se afastando da palavra do salvador e se
afundando na mundanice! Este país deveria ser uma pátria santa, com todos
nascendo pela graça do espírito santo, e subindo em carne para o reino dos
céus, ao fim da jornada! É o que está escrito!
- Também está escrito que não se deve fazer a
barba, cortar os cabelos, nem comer frutos do mar. Eu sei que você faz tudo
isso. Diz, também, “cristão”, que o samaritano, inimigo dos israelitas na
época, também subiria ao céu. Você conhece a Samaria? Sabe que tipo de gente
que Jesus absolveu, vivia lá?
Patrícia não admite ser afrontada. Olha-o nos
olhos, fria e cientificamente. O homem, tomado de fúria, alavanca a mão
esquerda para dar o tapa e a sente presa, sendo esmagada...
- NINGUÉM... TOCA... NA MINHA
FILHA!!!!!!!!!!!
Ele acorda no dia seguinte, no hospital. Bastou
um golpe da mesma mão que prendia a sua, para dar uma pirueta e aterrissar
estatelado no chão de cimento bruto.
Richard leva seu rebento com delicadeza e
afagos para casa, em nada lembrando o bárbaro ensandecido que aflorou. Foi à
escola para lhe apresentar o carro novo, em primeira mão, um Volkswagen
vermelho berrante que comprou para Nancy. Mais calmo, procurando deixar o
episódio para trás, ele lhe conta que uns veteranos de guerra lhe falaram sobre
o carro, que era a coisa mais resistente que já tinham conhecido, quando
capturaram alguns na Alemanha...
- Acredita que o motor é atrás?
- E como ele consegue andar pra frente?
Explica à filha, pelo caminho, todas as
estranhezas e simplicidades extremas daquele carro estranho...
- NÃO TEM RADIADOR??? O MOTOR VAI EXPLODIR!!!
Mas não explodiu. Foram a mais de cem por
hora para Sunshadow, onde, após a festa histérica da mãe, Patrícia vê os
detalhes mecânicos daquele chucrute de quatro rodas, com cara de “cadê o
resto?” assim que vê o motor. O carro, mais de um metro menor do que o padrão
americano, é tão estranho quanto redondo, e é todo redondo...
- Mas é lindo!!! Meu primeiro carro!
O bairro inteiro cerca o carro, tentando
entender o que é aquilo, com o capô vazio e um motor sobressalente no
porta-malas. Parece frágil, fraco, mas Richard repassa os relatos dos ex-combatentes (...) Nos primeiros dias,
ultrapassando atoleiros, vencendo rampas íngremes, fazendo o dobro de milhas
por galão de gasolina, o Volkswagen vence a resistência da desconfiança. Não
tem o espaço interno, o desempenho e a capacidade de carga de uma banheira
americana, mas para o uso cotidiano é suficiente. Como o próprio Richard disse
há muitos anos, não há motivo para discriminar um alemão, agora que não
representa mais perigo. Ainda mais um alemão que (...) não pesará para manter.
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