Mais um trecho da viagem que vai durar mais do que vocês imaginam, por isso a cada estação a despensa do trem é reabastecida. Isto não é um conto de aventuras, embora as tenha, é uma história de vidas inteiras.
Depois que os militares saíram, elas ainda
ficaram um bom tempo se consolando sem saber direito quem a quem. Fester, irmão
caçula, preferiu ficar no quintal, para ver seu mundo desabando sem que os
outros o vissem chorando (...)
Nancy liga para Richard, seu namorado. Ele
também perdeu o pai, além do tio que lhe ensinou o ofício de mecânico, ouviu
seu grito a poucas casas de distância. O garoto está descrente do futuro, não
só por causa do duplo luto. Começou a estudar e trabalhar muito cedo, apenas
pelo prazer de ser útil, imitando seu herói paterno. Sua mãe lhe disse “Deus o
trará de volta”, no que pensou se seu pai era tão melhor do que os outros, para
ter esse privilégio. Ele consegue consolá-la, mas não com palavras de consolo
propriamente ditas, lhe diz que não há escolha, que seguir em frente é o único
caminho possível...
- Mas eu estou perdida!
- Eu também. Está escuro, não sei o que
existe lá na frente, mas sei o que existe lá atrás e não quero ficar lá. Ainda
se pudéssemos trazê-los de volta... mas não podemos! Não vamos voltar no tempo
se deixarmos de viver nossas vidas...
A convence a ser forte, depois que passar o
pior do luto. Ele está em uma situação delicada porque precisa consolar mãe, irmã,
tia e toda a família da namorada, precisa ser forte, mas por dentro quer colo.
Não só isso, ainda terá o ônus de assumir precocemente a responsabilidade
financeira por sua família e esquecer os próprios sonhos.
Naquele ano o natal não teve luzes. A cidade,
pequena, tinha perdido mil de seus habitantes para a guerra. Não havia uma alma
em Sunshadow que não amargasse luto, quer em família, quer por proximidade e
amizade. Algumas crianças ainda colavam os rostos nas janelas, na vã esperança
de que tivessem mentido ou se enganado, que veriam seus pais chegando no meio
da neve, com as mãos cheias de presentes, com o típico sorriso cínico dos
cidadãos locais. Ninguém apareceu.
A cidade mais esquecida de Michigan agora era
também a mais triste. Eles sempre contaram só consigo, já que o Estado e
Washington nunca priorizaram uma cidade que parece não ter futuro, de estar
sempre à beira da extinção. Mas na hora de ir às armas, foi uma das com perda
proporcional mais cara.
Por esse desprezo explícito ainda existe o
pacto de proteção mútua entre os nativos, que chegam a cuidar das casas
desocupadas (...) não querem que o ar de
cidade-fantasma se repita na sua. A desvalorização dos imóveis é o de menos
para eles, querem manter a dignidade de Sunshadow, como a de seus habitantes. Sabem
de cidades que desapareceram ou estão em vias de extinção, por falta de
habitantes. Não querem que seu lar tenha o mesmo destino, mas a taxa de
natalidade tem sido perversa.
Com o fim da guerra os Estados Unidos entram
em uma euforia inédita. Apesar da União Soviética, ninguém contesta sua
liderança, o que reforça o clima interno festivo. Entretanto, lugares como a
pequena Sunshadow só sentem o amargor aumentar. Nenhum de seus filhos voltou.
Nenhum. Piora o facto de nenhuma cidade vizinha dar valor ao sacrifício que
aquela gente esquecida ofereceu. Poderia ser, de então em diante, a cidade dos
mil heróis, mas aos olhos do Estado continuava a ser a desprezada Vai Quem
Quer; Pequena demais, sem qualquer atrativo, com uma arrecadação medíocre e sem
expressividade regional; além de tradicional bode expiatório da região.
A ferrovia é
desactivada poucos meses depois, por falta de demanda, tirando a única fonte
confiável de recursos para a cidade. Para muita gente, Sunshadow não duraria
muito mais tempo, se tornaria uma cidade fantasma como tantas outras pelo país.
Os cidadãos, porém, tinham outros planos, ainda que ficassem conhecidos como
mulas teimosas.
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