domingo, 2 de dezembro de 2018

Dead Train in the rain CVII

    Os dissabores da década. A estação 107 mostra detalhes que podem fazer ruir tanto uma vida quanto uma nação inteira. Não se descuidem e embarquem, o trem vai partir.


Deborah elimina uma preocupação com uma surpresa, apresenta sua substituta para os doze primeiros shows, agendados até Maio...

- Ela aprendeu que foi uma maravilha!

- Maluquinha, que surpresa!

- Pra mim também... Não pensem que foi fácil para ela me convencer.

- Vai ser só até Maio, até a tia Debby terminar o curso, irmã. Finalmente vamos trabalhar juntas!

Os seis pedem uma demonstração e a moça é convincente. A sinestesia ajuda muito (...) então os cinco descobrem um elixir contra a cara de mártir de Patrícia. O primeiro show já não tem mais ingressos, por isso uma emissora de televisão negocia a transmissão ao vivo (...) a argumentação é persuasiva e a programação já está rascunhada.

Assim que a neve se derrete, Amilton se despede pela primeira vez da esposa, com Glenda nos braços fazendo beicinho até o ônibus sumir de vista. Ainda o velho Coach híbrido, devidamente actualizado com baterias mais eficientes, motores mais potentes e sistemas de segurança. Param em Lansing para esticar as pernas, causam um rebú com fãs e jornalistas (...) Para Eddie é uma novidade assustadora que a irmã tenta como pode atenuar. Chegam à embaçada Detroit, que luta para não ficar à sombra do próspero passado, com suas ruas repletas de japoneses e europeus pressionando os outrora desejados americanos ao acostamento (...) Alguns têm a sorte de serem enviados a Sunshadow, doze deles sedãs Corvairs cujos tanques ainda têm gasolina e cujos motores ainda funcionam bem. Um Packard Patrician Sedan 1953 amarelo, abandonado e praticamente intacto às portas da cidade, fica de presente para Eddie (...) Fora quase uma centena de outros clássicos salvos do relento, e do risco de desmanche.

Quase chegando ao hotel, Greta conclui os exercícios de respiração que têm atenuado muito sua fragilidade respiratória (...) O Dead Train Fan Club of Detroit está à entrada do hotel, com Susie e Justino comandando a festa. Deixaram Eliot cuidando da lan house. Os músicos de apoio já estão lá (...) O primeiro compromisso é o reconhecimento do local do show. Está muito diferente, impossível não perceber a quantidade de aparelhagens japonesas (...) a quantidade de plásticos torna os ecos mais difusos e abafados (...) Um solo de bateria mostra falhas de acabamento no palco, com a vibração os pontos críticos ressonam mais alto. Patrícia apenas olha daquele jeito para a produção, e os problemas de um controle de qualidade frouxo são resolvidos (...) A fama de chatos é um preço irrisório a se pagar.

Voltam ao hotel prontos para a estréia oficial da massagista substituta (...) poucas vezes um ensaio foi tão irritante. Quando voltarem a Sunshadow, verão uma idéia já antiga para se resguardarem disso (...) A novata faz um trabalho digno de louvor, desfranze cenhos e reduz drasticamente as tensões. Renata agradece a irmã com mimos, cantarolando em voz baixa acordes que lhe soam mornos e aveludados. Os paparazzi não deixam de notar a figura de Eddie e isso não escapa à coletiva. Apenas dizem que Deborah está concluindo um aperfeiçoamento (...) Se viram para Dom, após um suspiro por uma nota no jornal, o vilarejo onde nasceu está se tornando uma cidade fantasma e não há seis garotos talentosos por lá para reverter isso. A sinesteta percebe tons bemóis de um violino cinza (...) pelo que Patrícia já lhes disse, a tendência é piorar e o país ficar pontilhado de cidades-fantasma.

Vão descansar, têm este e mais dois shows na semana. Sobre os seis pesa a responsabilidade extra de terem que tratar dos negócios da corporação, a ajuda de Melinda é preciosa, mas muita coisa tem que passar por suas mãos (...) muita gente insistiu em manter a qualidade de seus serviços nos próprios parâmetros aceitáveis, que estão muito aquém do padrão de qualidade da banda. Aproveitarão o período entre shows para decidir de uma vez por todas a responsabilidade da produção, as empresas do ramo têm recorrido a expedientes inaceitáveis para reduzir custos (...) Patrícia faz alguns paralelos com a indústria automobilística, citando a AMG, Brabus, Yenko, Shelby, Mopar e Abart. Os seis se entreolham, abrem sorrisos e tentam imaginar quem seria a vítima ideal...

- Desculpem, com licença. Vocês disseram que poderíamos interromper se fosse necessário.

Os seis olham para Richard, Marcia, Eddie e Amilton, escancaram os sorrisos e concordam balançando as cabeças (...) Chamam-nos, ouvem o que têm a dizer e fazem a proposta, no melhor estilo “É mamãe quem está pedindo”. Chantagem emocional faz parte dos negócios. Mais do que isso, decidem que Richard os acompanhará, para ver como estão fazendo as coisas. O casal volta para casa e dá as boas novas, com com sorrisos amarelos de meia boca, arrancando risos de Deborah e Gerald. Eles explicam aos dois que eles já fazem serviço semelhante na propriedade (...) que as coisas não serão tão diferentes e nem tão mais difíceis do que estão acostumados. Eles voltam à Máquina de Costura com as faces mais tranqüilas...

- Meu pai fez a gente se lembrar do trabalho que já fazemos no museu. Temos algumas sugestões para a nova empresa, que pode ser o próprio museu.

A experiência do velho Fischer fez toda a diferença. Propõe transformar a administração da propriedade em uma empresa de fomento cultural (...) Proposta, métodos, prazos, custos, tudo é colocado no papel, de modo profissional...

- Mel... Dá um pulinho aqui... Claro, podem vir e babarem ambas pelo sobrinho empreendedor.

E o rapaz, educado com rigor por quatro mulheres acostumadas a rigores educacionais, é paparicado por todas elas. Nancy não quis perder a estréia do neto (...) Chega o avô do grandalhão e interrompe a festa...

- O garoto me ajuda muito nos assuntos da fábrica. Concordo em ceder se isso não prejudicar a participação dele nos negócios, o que significa que vocês três terão que ajudá-lo.

- Daddy! Daddy! Daddy... He’s a genius, do you remember? Ele vai achar um jeito de conciliar tudo, como a gente concilia os assuntos da banda com os da corporação.

- E então, garoto?

- Traga uma exposição de dragsters e hot rods, deixe o resto conosco.

- Ra, ra, ra, ra, ra, ra, ra... Gostei da resposta, era o que eu queria ouvir. Vão se preparando, eu trago as equipes. Eu vou sacanear com vocês, para irem se acostumando, he, he, he...

- Oh, true? Wait for see, grandpa. Muito bem, vocês três, chega de moleza! Vamos formalizar a empresa e começar a trabalhar. Vô, avise que o Culture Train está esperando por eles.

Richard faz a cara mais sem vergonha do mundo (...) começa a fazer ligações para planejar o evento que já chama de “Sunshadow Racers Mortor Show”. Na verdade ele é o único par à altura que o neto tem, então acredita que lhe cabe dar desafios dignos de um intelecto que poucos conhecem (...) Na Máquina de Costura e no Jose’s Hotel é só festa, exceto para os quatro. Richard conhece como ninguém a genialidade do avô, sabe que ele não hesitará em colocá-lo em apuros, por isso mesmo decide dar um destino ligeiramente diferente para algumas das carcaças que a mãe trouxe de Los Angeles (...) Ver aquele rapaz levantar sozinho um small block fundido, é de dar medo em quem não o conhece.

&

Não demoram a encontrar Eddie (...) Ela não se mostra muito e a população evita falar dela para estranhos, mas o que já sabem recheia revistas bobas com teorias místicas estúrdias e conspirações dignas de um desenho animado para a primeira infância, mas vendem. O modo como ela olha para as pessoas, o modo como as toca e suas reações diante do que a maioria não percebe, tudo é combustível altamente calórico (...)  Se aproxima um paparazzo com um penteado que o faz parecer um poodle, após ter tirado photos de longe. É novo na cidade, ou saberia que não deve se aproximar de Eddie com letreiros muito coloridos. Renata age rápido, dá as boas vindas e o presenteia com uma camiseta da banda, verde com logo preto e o faz vestir na hora. Eddie suspira, já começava a ter dor de cabeça, acha que pode tentar ignorar o “poodle hair fashion” por alguns minutos, as perguntas bobas não duram mais do que isso e ele vai embora satisfeito.

Também não demoram a encontrar alguém estúpida o suficiente para brincar com a morte. Rebeca vê, com o sangue fervendo, uma mulher em um programa de entrevistas afirmando que é a verdadeira mãe de Evelyn, que a menina fora seqüestrada do hospital e que ela fora abandonada pelo marido por causa disso (...) O entrevistador (...) é o mesmo que revelou coisas demais a respeito de Patrícia, e causou boa parte dos problemas que ela enfrenta hoje. E acaba de causar mais um, ela e Robert correm para a casa da fera, para tentar evitar um banho de sangue. Ela pula por sobre a mureta, ele passa arrombando o pequeno portão, entram quase desesperados pela porta da sala e encontram Ronald tentando controlar uma fúria que jamais testemunhara...

- MINHA IRMÃ, LARGUE ISSO!

Rebeca, com uma alabarda girando rapidamente na mão direita e a filha assustada protegida na esquerda, encara o irmão. Patrícia também está furiosa (...) Cuidará dele depois, agora tenta argumentar...

- NINGUÉM... TIRA... MINHA FILHA... DE MIIIIMM!!!

- Ninguém vai e você não precisa ferir ninguém para isso.

Renata chega com uma calma absurdamente estável (...) aparentemente ignorando a lâmina de aço nobre em movimento. A brasileira mantém a aproximação e a agente mais perigosa da organização pára de girar a arma (...) um último passo e abraça a mascote da banda, abraçando a menina por conseqüência, e a ira começa a se converter em choro...

- A desgraçada quer tirar a minha filha de mim!

- Mas não vai. Seus filhos são nossos filhos. Somos uma máfia, lembra-se?

A baixinha desaba no aguaceiro, desesperada só de pensar em ver um filho indo embora. Robert, do alto de seus quase um e noventa de altura e quase cento e vinte quilos, olha com raiva para o sujeito na televisão (...) Em uma hora chegam Josephine e Nelson (...) A diva entra desesperada na casa e encontra sua pupila fragilizada nos braços da médium, responsável por impedir que ela montasse na Harley com a arma em mãos e cometesse uma barbárie...

- Ela está bem, agora. Mas precisamos de um modo ágil para calar as bocas desses picaretas, antes que ela o faça.

- Existe um teste clínico capaz de comprovar a maternidade dela. Patrícia, quero que o faça também. Ma petit fleur...

Ela consente, como os outros de coração aos saltos (...) A história corre a cidade e logo se alastra pela região. A catástrofe ambulante, que todos pensavam ter adormecido para sempre, foi despertada. Os amigos do tempo de escola e colégio se lembram bem, não havia marmanjo nem valentão que saísse sem ao menos um dente a menos ao afrontá-la (...) a realmente perigosa só se acalma com os pais, irmãos e sobrinhos por perto e, principalmente, seus filhos sob seus braços.

Julia aguarda pelo desaforado. Assim que ele entra no camarim, contabilizando os patrocínios, a porta é fechada por dois sujeitos mal-encarados e ela se revela por detrás dos cabides...

- Você passou dos limites – diz friamente. Não vamos matar você porque nossa rainha pediu que não o fizéssemos sem consultá-la, mas você vai ouvir algumas coisas. Não adianta gritar, ninguém vai ouvir. Você acabou de entrar no seu carro e está indo para uma noitada em local ignorado, ninguém vai estranhar sua ausência prolongada. Você não imagina quantos castigos piores do que a morte existem, são muitos e todos causam muita dor...

Do fim da tarde até a madrugada é uma sessão de horror psicológico. Ele é colocado em um latão de lixo, empurrado até o estacionamento e então o colocam dentro do carro, com aquela cara de quem se acabou na farra. Os três desaparecem sem deixar rastros e os funcionários da emissora realmente não estranham nada (...) Bird informa Doom que o recado foi dado (...) Ele avisa Princess e ela repassa para a explosiva Barbarian, que fica menos furiosa. Rebeca fica rapidamente apta aos compromissos da banda, que inclui comerciais para novos patrocinadores, entre eles fabricantes de jogos electrônicos. Patrícia particularmente não gosta de joguinhos (...) os novos patrocinadores são seus clientes, consoles de videogame nada mais são do que computadores para se brincar, eles usam microchip. Ganham duas vezes das mesmas empresas. Um dos jogos novos é justamente simulação de música (...) O que eles fazem no filme é simplesmente ser eles mesmos e jogar (...) Ainda têm os testes genéticos prontos e divulgados, digilalizados e publicados no site da banda, podando pela raiz a polêmica que se formou, embora alguns ainda tentem encontrar fraudes nos laudos.

Vão assim até o meio de Abril, quando encerram a agenda da banda para o primeiro semestre (...) A primeira urgência é a concorrência chinesa. O americano médio reclama dos japoneses, embora compre deles sem pensar duas vezes, mas não enxerga o “made in China” pipocando em productos cada vez menos ruins. A China trata as empresas como assunto de Estado e quer compensar o atraso tecnológico a qualquer preço. Qualquer mesmo! Outro problema é a dificuldade para conseguir mão de obra para substituir a que está se aposentando (...) Já têm olheiros contractados em várias partes do mundo (...) para encontrar e recrutar gente que faça bem feito e goste de trabalhar...

- Se bem que estes dois primeiros problemas estão correlacionados – diz Silvia.

- Indirectametne sim – responde Rebeca. O problema é que a relação está cada vez mais directa, a ascenção do uso de mão de obra miserável, quando não escrava, está desestimulando a formação de bons operários. Infelizmente não posso enjaular ninguém por isso, não acontece em território americano, mas como eu gostaria!

- Infelizmente não podemos, Mascote. Teremos que manter algumas linhas de produção em massa, mas será preciso agregar diferenciais difíceis de imitar, além é claro da qualidade – diz Patrícia.

Enquanto eles tomam decisões difíceis, Eduarda e Renato aprontam tudo para a viagem à Goiânia (...) Já mandaram os presentes de casamento, os que têm para o rapazote serão entregues em mãos, como Renata recomendou; uma máquina de escrever portátil, uma câmera photográphica, alguns livros para ele aprender inglês e uma mensagem gravada dela e de Patrícia. Para ele soa muito estranho ser parente de um ídolo mundial da música, alguma coisa não dá zero nesta equação (...) Enfim, nada fez muito sentido para ele até hoje, talvez seja mais uma piada da vida. Partem no sábado para Guarulhos, de onde seguem para Goiânia.

Não muito longe dali, Judith tenta uma última chance de continuar viva. Deixa o orgulho de lado e procura por uma assistente social (...) conheceu a gripe e alergias que nunca teve. Não, nunca foi ao médico (...) O dinheiro minguou muito, os trabalhos estão desaparecendo e conheceu também a fome (...) seu corpo reclamaria cedo ou tarde, o vírus só fez abreviar a espera...

- Eu não quero desanimar você, mas pessoas soropositivas sempre têm mais dificuldades em conseguir trabalho. Você tem família?

- Nem sei mais... Faz muitos anos que perdi contacto, nem sei se estão vivos... Tô sozinha.

- Não – diz a negra de meia idade. Enquanto você estiver aqui, não estará sozinha, pelo menos até podermos te encaminhar...

Ela lhe apresenta as colegas de quarto e a deixa escolher um dos leitos vagos do albergue. Depois comunica a entrada de mais uma soropositiva à fundação (...) Nancy está lá e fica encarregada de avisar Patrícia (...) Na discrição da suíte...

- Milwaukee? Fechamos parceria com aquele albergue não faz um mês... Que ironia!

- Vai contar?

- No, mom. Não enquanto não for necessário... Mas me mantenha informada... É aqui perto!

Quando saem, encontram justamente Rebeca na sala de visitas, não seria bom ela saber disso, não agora e não com o sangue ainda quente.

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