sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Dead Train in the rain CXII

    A última visita. A estação 112 traz começos, um recomeço tardio e um pré luto. Não adianta reclamar, isto é a vida. Embarquem, o trem vai partir.


Phoebe dá um susto enquanto é filmada, se levanta desajeitadamente de um golpe só e começa a andar (...) para a estupefata Marcia, quase caindo cada vez que balança os braços. Richard se apressa em mostrar aos pais, sabe o quanto isso vai alegrar os dois neste início tumultuado de ano (...) Toda a descendência dos Gardner está lá (...) Mesmo o homem mais perigoso do mundo deixa cair uma lágrima, com um sorriso largo e terno.

A notícia corre a cidade, todos os amigos querem ver aquela menininha precoce (...) Enzo tem aquelas cenas com carinho especial, não demora a ser avô e pai novamente. Seu humor voltou à velha forma, depois do choque...

- Ria enquanto pode! Quero você correndo atrás dela pela casa, Marcia, quando ela pegar o jeito! Vai se enfiar no meio da multidão e você vai ter que derrubar todo mundo, imagina no festival da saudade...

- Pior que o tio Enzo tem razão, amada. Esta miudinha pode se enfiar até num saco de compras!

- Obrigada por terem alimentado minhas neuras maternas. Hey, you! Não se atreva a se enfiar por entre as pernas das pessoas! Você mesma, mocinha!

Phoebe acha graça, os outros caem na gargalhada, vendo a jovem adulta dando ordens a um bebê. A menina observa a tudo com gula (...) inclusive a presença de Aubrey, que tem virtualmente a mesma idade. As duas reconhecem uma a outra como bebê e ficam agitadas. Nos dias seguintes, Karen volta de um show em Charleston e vai ver a pequena, para ganhar experiência, mas Elizabeth tem prioridade, está trocando a fralda da sobrinha.

Zigfrida volta de Los Angeles, vê o vídeo e encara a criança, a pega emprestada e vai com ela pelo jardim. Observa o modo como ela reage à paisagem, balizando pelo que já observou nos outros bebês de Sunshadow. Até certo ponto, aquele estágio se parece com o das meninas que foram salvas (...) Por causa delas algumas mortes violentas acontecem, aparentemente sem correlação, para queima de arquivo.

Na Máquina de Costura um trabalho de meses é terminado. Elizabeth conclui a digitação e imprime as oitenta páginas (...) Patricia e os Richards estão com Elon, testando a perna mecânica que fizeram com a ainda cara fibra de carbono, mas é extremamente leve e resistente, projectada com engenharia aeronáutica, conta com algumas alças para ele poder levar algo sob a calça (...) Voltam para suas casas com a sensação do dever cumprido. É quando ela vê o protótipo da obra da filha...

- “Little rose, smiling to the sun, someday you ill with the wind, will perfuming other gardens, but while you’re with us, little rose...”

O sinal amarelo se acende em sua cabeça experiente. É como se a filha pedisse à sobrinha que não a abandonasse, naquele pequeno poema, mas ela mesma se adianta...

- Neste, eu imaginei como seria se você escrevesse pra ela.

Alívio! Patricia escancara um sorriso de alívio. Afaga a cabeça da caçula e retoma a leitura. Talvez o alto índice de arborização da cidade tenha influência, a aspirante a escritora fala de jardins ou pomares em todos os poemas (...) Com as frutas vêm os pássaros e os pequenos inconvenientes que eles causam, mas os visitantes reiteram que preferem isso à perda auditiva gradual causada pelos grandes centros.

Nancy também termina o seu primeiro livro, uma aventura infanto-juvenil com o organismo humano como cenário. Usou sua experiência como professora na obra, e seu convívio com a nata de Hollywood para dar uma linguagem cinematográphica. Sente uma presença maciça logo atrás de si...

- Ritchie?

- Sou eu. “Samantha, a ameba”? Você colocou uma ameba como protagonista?

- Achei que seria um modo divertido de ensinar biologia.

Ele pede para ler aquele manuscrito. Impressionante como alguém ainda insiste em praticar a boa caligraphia, quando todo mundo está desaprendendo a escrever (...) Impressiona ainda (...) a fidelidade científica em todas as cenas descritas e narradas. E claro, a protagonista é uma ameba linda que gosta de manter a forma de uma humana maravilhosa, sua filha...

- Já leu??

- Sou o leitor mais rápido do oeste, Darling. Você vai fazer a Patty chorar, com isto.

- Por quê? Encontrou alguma coisa aí que...

- Porque  Samantha é nossa filha descrita da cabeça aos pés, até na personalidade.

- Eu realmente pensei nela, mas...

- Tanto pensou que a projetou no livro. Ela vai chorar, mas vai ficar muito feliz. Venha, vamos mostrar a ela.

Entre lágrimas e um sorriso largo, ela vê o tributo quase inconsciente que a mãe lhe prestou. Mal termina de ler e se encolhe toda, para caber nos braços dela (...) Richard pega as duas obras e leva, para providenciar a publicação. Pelo ligeiro teor espiritual, no último capítulo, pede que Renata dê uma olhada...

- É a Patty. Não sei como ela obteve estes insigths, mas ela descreveu aqui o que a Patty é em outras espheras. E praticamente o que ela faz em Sunshadow.

- Então ela seria um espírito mais evoluído, é isso?

- Mais do que pode imaginar, Seu Richard. Ela estava toda feliz e confortável, onde estava, mas aceitou vir pra este mundo rude e demente sem que realmente precisasse, naquele momento. Psicologicamente falando, o comunicado que a Samantha fez, quando foi incorporada à pineal, é algo como os comunicados que ela faz à cidade, pela rádio. Vai publicar?

- Vou. Só preciso de um bom ilustrador, pensei em você.

Renata fica honrada, conhece Betty e Great Grandmother Bud o suficiente para saber o que elas gostariam de colocar ali. No livro da menina faz traços simples e econômicos, no de Nancy rebusca um pouco, cartuniza os personagens à moda dos anos cinqüenta. Richard cuida do resto. No primeiro dia das férias de verão leva a esposa para a Máquina de Costura (...) As três irmãs recebem a mãe com um sacolejante triplo e a carregam até a área dos instrumentos, então sim, Elizabeth pode abrir a caixa com o seu nome. Nancy abre a sua quase imitando a neta (...) só quando abrem descobrem que seus livros foram publicados...

- Ritchie! Meu livro! Ritchie, é meu livro!

- Mommy! É meu livro! Meu livro de verdade!

Neste momento, a idade que separa as duas é um mero ornamento, agem da mesma forma. Correm pela sala com dois exemplares nas mãos, berrando a todo pulmão, depois se atiram no grandalhão que fez a surpresa (...) Richard gostaria de ter descoberto isso antes, teria sido muito mais fácil acalmar e alegrar a mulher que deixou a adolescência de lado, para fazer-lhe companhia no momento mais agudo da pior crise que enfrentou. Matthew chega avisando que os livros já estão em todas as capitais do país (...) Não vai deixar barato, acompanhou a semana de trabalho da esposa e aproveitou para ler. Ninguém deixa de notar o sobrenome Petty Gardner nas capas. Matthew e Fester se apressam em publicar suas resenhas, nos dois jornais, com a entrevista de página inteira. Os outros ainda hoje reclamam de tamanha prerrogativa, nunca se lembrando que também gozariam dela, se a tivessem.

No dia seguinte Elizabeth deixa de ser a filha de Patricia Petty, torna-se uma celebridade não só pelo parentesco, mas porque são poucas as crianças de sete anos que já têm um título nas livrarias. Estão ela, Evelyn e Glenda trocando e saboreando petiscos que elas mesmas fizeram na noite anterior, quando novamente Prudence aparece. A evolução das crianças resgatadas é impressionante (...) A branquela é uma menina estranha, pudera, mas concordam que tem um sorriso lindo...

- Oi. Posso sentar?

- Chega aí, Proo!

Elizabeth abre a roda. Já conseguem conversar sem intervenções de adultos e ela está quase totalmente alphabetizada, mas as três continuam sendo adolescentes perto dela. Fim do intervalo, vão para a sala de trabalhos manuais, que no resto do país começa a cair em desuso. É uma das poucas aulas em que as novatas participam com as outras crianças. Uma aposta de Zigfrida, que está colhendo louros (...) Enquanto isso, Nancy dá uma palavrinha à imprensa e Patricia nega catecoricamente expor a filha (...) Se quiserem algo, será por agendamento e acompanhada pelos pais...

- Ela é uma criança, queremos que continue usufruindo de sua infância.

- Mas é normal haver crianças famosas dando entrevistas sozinhas.

- Você praticamente mora em Sunshadow há quase vinte anos, não aprendeu nada?

- Bem, aprendi, mas... Você sabe...

- Veio na cara de pau mesmo.

- É... Pra não ser perda total, posso fazer uma pergunta que me veio há algum tempo?

- Claro.

- Há alguma canção de outro artista que vocês gostariam de ter composto?

- Inúmeras, de muitas delas já falamos para os próprios autores. Quer por ordem alphabética ou cronológica?

Ele acaba conseguindo boas declarações. Os colegas de profissão citados ficam lisonjeados, acabam retribuindo em outras entrevistas.

&

O Anjo das Crianças. Acostumada a ver os pequenos em situação de miséria extrema, chora ao ver aquelas meninas e conhecer sua história, a parte que a organização deixou fora do conhecimento público. Audrey pega um dos últimos bebês que nasceram no cárcere, espantada com a delicadeza e fragilidade da pele. As crianças africanas e asiáticas que assiste, pelo menos são tratadas como gente (...) eram criadas também para venda de órgãos para transplante. Fica entre a organização, CIA e FBI a cena de açougue humano encontrada em um galpão, cujo umbral de entrada tinha a inscrição “In god we trust”.

Concentram-se em relatar como Nancy está ajudando a humanizar as mais velhas (...) Ver aquelas meninas se dando bem com as que nasceram livres, já acalenta o coração da fidalga. Ela olha para aquelas crianças que parecem entender suas intenções, coisa de quem já se acostumou a se aproximar para ajudar, não sabe mais passar outra impressão. As meninas ficam felizes com a presença dela, mas as cantoras têm sorrisos tristes (...) Depois de Nelson, é a não agente que mais conhece as operações da organização, tão bem quanto conhece aquelas duas e percebe que estão se segurando para o luto prévio não transparecer.

Os seis sabem que seu caso já não é grave, é irreversível. Ela só está esperando do modo mais sereno possível pelo desfecho (...) trata de acalentar os garotos que viu desabrochar e enfrentar o que o mundo tem de pior. Só Renata está conformada, mas não menos triste pela separação iminente. Aquela mulher, que arriscou seu fino pescoço levando mensagens para a resistência, durante a guerra, quando ser pego e morto de imediato era um alívio, consola seis adultos robustos.

Quando perguntaram a Ronald sobre ela, em uma entrevista, não hesitou e disse “Com ela o mundo é muito melhor”. Não a enxergam como uma simples actriz de primeira grandeza, eles têm uma devoção por ela, é como se fosse uma mãe avulsa (...) o que ela faz na Ásia e na África vai muito além da caridade, ela transforma aquelas famílias através de suas crianças, alimenta sua humanidade e previne o surgimento de radicais violentos. Patricia e Rebeca que o digam, a organização deve muito àquela belga magricela (...) Patricia em especial lhe deve seu matrimônio. Eles a amam muito.

Só o que pede aos seis, quase que como uma ordem, é que se cuidem, que não deixem qualquer mal evoluir só por causa das obrigações...

- O mundo precisa de vocês, mas também precisa que estejam vivos e bem de saúde. Tenham meu erro como uma lição e não o repitam.

&

A alienada Judith toma conhecimento das crianças que foram resgatadas e levadas para Sunshadow. Viu uma carga de jornais empilhados para reciclagem, no primeiro deles o nome da cidade (...) Vai à responsável pelo albergue, pedir esclarecimentos...

- Mas como você é lenta! Isso foi há muitos meses! Você nunca pensou mesmo em olhar para além do seu nariz?

- Pensei, mas é tão incômodo! O mundo é tão podre que eu logo desisto.

- Juddie, você não é mais uma garotinha! Quando se der conta, estará usando óculos e bengala e não terá feito nada de sua vida! Quer mesmo depender dos outros pelo resto da vida?

- Não... Mas eu acho que já é muito tarde pra evitar isso...

- Olha pra mim... Você está com depressão?

- Arrependimento não mata, ou eu estaria só no esqueleto! Como eu perdi tempo!

- Se eu não fosse atéia, daria glórias! Foi a melhor coisa que você disse nestes anos todos! Quer um trabalho? Aqui mesmo no albergue.

A encaminha para onde começou a conversa, a separação de material para reciclagem. Ela (...) terá que engolir de novo o orgulho, porque de alguma forma, aquele garoto que magoou e fez sofrer por tanto tempo é que vai pagar seu salário.

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