segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Dead Train in the rain CXXI

    O reino perdido! A estação 121 vira novamente pelo avesso a vida de nossa protagonista, e dá um alívio ao azarão. Todos à bordo, o trem vai partir.


Enquanto a neve derrete e escoa para os reservatórios subterrâneos, os engenheiros instalam o equipamento que permitirá abrir e explorar a construção sob a sede da fazenda. Primeiro tiram uma pedra, cobrem rapidamente com algo parecido com um desentupidor de pia (...) Enquanto o computador analisa o ar lá dentro, eles olham para o monitor...

- Realmente – diz o engenheiro – há uma escada lá no canto esquerdo, há pelo menos mais um andar, provavelmente dois, pela altura deste... Tem muita coisa, mas está tudo coberto por tecido...

As primeiras análises mostram uma atmosphera dentro do que esperavam, bastante contaminada (...) Teores interessantes de vapores etílicos sugerem a presença de bebidas ou perfumes, ou ambos. Josephine consegue imaginar o que haveria debaixo de muitos daqueles lençóis, identifica silhuetas de móveis bastante antigos. Gerald providencia (...) um poste improvisado com lâmpadas fortes (...) as coisas ficam muito mais identificáveis, conseguem distinguir tapetes de aglomerados de sujeira entrelaçada, imaginam a quantidade de ácaros que deve ter resistido e evoluído. Se entreolham, decidem mandar o robô colher amostras (...) porque toda aquela sujeira nociva será sugada e queimada pelo maquinário.

Levam o dia inteiro, após quebrar o restante do selo e colocar o tampão de acesso, mas finalmente o ar começa a ser renovado, enquanto o robô colhe amostras de vários lugares. Em dois dias podem entrar e retirar com cuidado aqueles tecidos, enquanto o trabalho recomeça no andar de baixo (...) Descobrem móveis finos, prataria, cristais, garrafas lacradas, vidros de perfume, um candelabro, roupas caras perfeitamente conservadas, livros, jóias, esculturas, relógios, quadros, muitas photographias e alguns cadernos de anotações, tudo datado do meio do século passado até a grande depressão. Richard observa interessantes padrões retangulares em alguns pontos, cutuca o neto e dão leves batidas, confirmado, descem a porrada naquelas pedras e janelas são reveladas. Escavam mais do lado de fora, para arejar e iluminar melhor o ambiente. Quase uma semana de trabalho e eles ficam sem saber como avaliar tudo aquilo. Todas as janelas abertas e uma grande porta revelada no térreo, que é uma garagem dos sonhos, quarenta e três carros do século XIX, seis motocicletas de priscas eras e duas carruagens de alto luxo, seis deles Detroit Electric.

Na sede, enquanto os técnicos vistoriam e catalogam tudo, eles estudam a documentação...

- Ritchie, nossos antepassados eram muito ricos! Olha esta anotação, ela fala da mamãe!

- Aqui também. Sua mãe era admirada desde bem jovem, aparentemente ela sabia muito do que estamos descobrindo agora. Sunshadow teve um período de prosperidade, antes da quarta-feira cinza, talvez as sucessivas crises tenham feito os antigos guardarem como puderam o que tinham, mas morreram antes de poderem transmitir aos descendentes.

- Pois eu lhes digo mais, daqueles inúmeros reinos do século XIX saiu a família de sua mãe, Nancy. Leia isto.

Josephine lhe entrega uma certidão de nascimento de sua bisavó e o documento forjado. Sua família fugiu após seu pai, o rei, ser morto em uma campanha militar desastrosa, pensava ir combater um vizinho, mas eram imensas tropas inglesas que o esperavam. A troca do nome Alander para Petty seria para fugirem de perseguição. Sunshadow era o lugar perfeito (...) O pequeno reino não existe há muito tempo, mas Nancy o viu em um livro de história do colégio...

- Acho que eles acreditavam em dias melhores... Infelizmente vieram as guerras, a perseguição das outras cidades e eles precisaram manter segredo até das crianças, para elas não soltarem algo sem querer... Jose, é da minha família? Então eu gostaria de levar para casa e ler com calma.

O tempo de os técnicos terminarem seu serviço é o tempo de Nancy concluir os estudos e obter respostas por e-mail, de instituições de preservação da memória monárquica. Richard também descobre finalmente a origem de sua família, vem da Escócia e do sul da Irlanda, foi para o Brasil (...) juntou bagagem para os ainda jovens Estados Unidos da América, antes que algum barão se encantasse com sua fazenda e decidisse requisitá-la também... sem absolutamente nenhuma chance de indenização aos prejudicados.

Um representante da instituição chega uma semana depois, confere a documentação e reconhece Nancy Petty Gardner e Fester Petty Green como herdeiros da casa de Alander, da Slovocrácia, com direito a usar o brasão e todos os símbolos da família (...) Patrícia, Audrey e Melinda gostam da idéia de serem princesas de um reino perdido. Para a história e as entidades envolvidas, porém, é uma festa, todos pensavam que os Alander estivessem extintos, mas não só vivem como prosperam e desfrutam de prestígio mundial. Decidem não comentar, até porque os curadores heráldicos já se encarregaram de divulgar (...) Nas escolas da cidade há um alvoroço, a história de Sunshadow terá que ser reescrita (...) agora tem comprovação de histórico nobre e da perseguição sofrida. É o prefeito de Summerfields que não gosta da história, já não lhe desce Daniel ser um prefeito independente há quarenta anos no cargo, sem precisar pintar uma faixa sequer para a reeleição.

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Princess não escapa a brincadeiras, mesmo em reuniões sérias da organização. Directores de agências oficiais se reportam a ela como “Sua Alteza” (...) A CIA aconselha e a organização pensa seriamente em não se mostrar para a próxima gestão, como já fez três outras vezes...

- Vai ser uma pena, mas eu concordo. Você vai continuar lá?

- Sim, alteza, eu e alguns agentes, alguém precisa avisar vocês das besteiras que vamos fazer.

- Ra, ra, ra, ra, ra, ra, ra, ra...

- Achando graça, príncipe Genius? Meu amigo, a organização e nós pessoalmente lhes desejamos sorte. Se as coisas acontecerem como você disse, não pense duas vezes antes de nos pedir ajuda.

Star encerra a transmissão e desata a rir. A situação é crítica, mas não há mais o que possam fazer, vão (...) tocar suas vidas. Parte delas, a mais preciosa diga-se de passagem, está de pé diante da porta, esperando para descobrir alguma coisa.

- Phee!

- Dad!

Parece que leva horas para se abaixar e outras tantas para se levantar com a pequena. O acompanhamento de Stephanie surtiu efeito, Phoebe mantém-se pueril, apesar de seu intelecto (...) o intelecto das crianças da cidade é naturalmente hipertrofiado, especialmente de suas parentes serelepes...

- Não, meus amores, não salvamos o mundo hoje. Só discutimos que erros não vamos cometer de novo, coisas que as pessoas deveriam fazer sempre no cotidiano.

- A gente ouviu risos.

- Fique feliz quando ouvir risos, em vez de reprimendas, Elizabeth. Deixe eu ver sua mão...

Retomam a rotina, enquanto a última polêmica atravessa fronteiras, inclusive a do bom senso. Enquanto um Duryea 1893 é desmontado para restauro, a imprensa mostra a descoberta que é grande demais para manterem em sigilo (...) Encontraram ligações de muitos antepassados dos sunshadowers com eventos importantes, inclusive os imigrantes, como Renata...

- Resumindo, a família do seu pai desistiu do Brasil colônia e veio pra cá.

- É isso aí. Eles Saíram do Rio de Janeiro acompanhando mascates, foram para Minas Gerais, lá encontraram parentes seus, com quem trocaram figurinhas e de lá para Salvador, de onde embarcaram para cá. Na época era fácil se esconder, não havia essa profusão de meios de comunicação em massa!

Renata medita (...) e aventa a possibilidade de alguém ter ficado, o que justificaria os louros dos Queixada e faria deles parentes dos Gardner. Falam dos shows depois de jogarem a brasileira na piscina e pularem atrás, por agora querem comemorar a possibilidade de parentesco.

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- Elias, me ajuda aqui?

Ele vai (...) esfola as mãos nas paredes ásperas e deixa a pequena carga na cozinha, depois a colega se apressa em tratar os ferimentos, e o velho Bonezio põe as mãos na cabeça de novo (...) prometendo que vai trocar aquele revestimento idiota, feito pelo antigo dono do prédio. A moça de Chanel curto termina o curativo e o rapaz é dispensado pelo resto do dia (...) A própria funcionária lhe entrega o telephone para ele chamar o ceramista e finalmente colocar azulejo naquela parede. Aproveita as horas de folga para resolver pendências na faculdade (...) Uma colega de curso o puxa antes que saia...

- Tem uns caras muito putos contigo, meu! Eles acham que tu é racista por causa da Sandra.

- Aqueles papagaios retoristas? Sei quem são.

- Não, cara, tu não tá me entendendo, meu! Tem uns barra pesada, radicais do movimento, que me arrependo de já ter integrado... Pra eles, tu tá querendo branquear tua família, puseram isso na cabeça e tão noiados nisso!

- Putz! De onde brota tanto idiota? Não posso me esconder, tenho uma filha e compromissos!

- Passa a andar com a gente, te vendo de turma eles ficam menos valentes.

Aceita o conselho da colega, que é negra e já foi socorrida por ele, durante uma abordagem de guardas da faculdade. A turma gosta dele, só o acha meio distante, mas respeita, principalmente a paulista (...) Só hoje eles vêem a Lambretta e não tem jeito, todo mundo quer uma volta nela. Não é só Sandra que cai na risada com o ruído do velho 150cc de dois tempos. Aliás, já que finalmente conseguiram uma brecha, o acompanham até sua casinha, finalmente com dois quartos, para ver como ele vive. A família toma conhecimento, então Eduarda e Renato também, por conseqüência um monte de gente...

- Quem está ameaçando ele? Nomes! Quero nomes!

Isso poderia ter saído de Patrícia, mas ela está tentando conter sua mãe, a autora, o gatilho mais rápida da América, a Senhora Tiro Certo, entre outras alcunhas a que faz jus e por isso mesmo justificam todas as precauções possíveis…

- Um monte de gente – diz Renata, titubeante. Acho que só esses amigos e a minha família estão do lado dele... Dona Nancy, respira! Respira três, nove, vinte e sete vezes!

- Pode deixar comigo, Bisa Broto. Eu assumo a proteção do seu neto postiço.

Olham para a porta e não sabem se isso foi uma boa ou má idéia, é Rebeca com uma katana nas costas. O bom é que Patrícia pode evocar a autoridade de Princess e controlá-la, o ruim é que Elias não faz parte da agenda da organização (...) Nancy adorou, delega a responsabilidade. Mais tarde, com os ânimos frescos, ela explica...

- Eu investiguei, irmã, sei quem quer pegar seu afilhado. É muito mais gente do que vocês pensam. Ele conseguiu a Sandra, que uma dúzia de famílias babacas que pensam que são ricas, queriam adoptar, pra exibir em colunas de pasquins provincianos. A neutralidade dele por si já arranjou muitos desafetos de causas sociais, políticas, ideológicas de extremo pra todos os lados, a Sandra só piorou tudo. É gente perigosa, que acha que tem o direito de fazer o que quer fazer, discursos pra justificar isso não lhes faltam. Já avisei nossa gente em Brasília pra passear em Goiânia e dar uma olhada, porque o Elias está no caminho da roda maldita e não faz a menor idéia disso... Mas também tem notícia boa, ele tá afim de uma colega na sorveteria, e ela parece corresponder...

Patrícia vai da ira insana para a meiguice do coração morno (...) Rebeca fala o tempo todo como Barbarian, com a frieza necessária para manter o equilíbrio e evitar que sua comparsa ferva. No começo, Rebeca o achou meio mole, sem atitude, mas viu que é só timidez (...) Avisa Josephine, que fica feliz e preocupada ao mesmo tempo. Já ele, com a pequena casinha de fundos cheia de gente pela primeira vez, fica feliz vendo a filha ser carregada e balançada pelos colegas, se desmanchando de rir. A pequena, ele já percebeu, é roqueira.

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Não dá para ser de graça. Tudo tem custo (...) com a internet não seria diferente, ela tem estrutura e funcionários, que não vivem de amor ao próximo. Por mais que pregadores de utopias sapateiem, a rede se profissionaliza. Por custos módicos, as pessoas podem ter cabos exclusivos para a função, com mais estabilidade e velocidade, assim vai ao ar a versão 3.0 do cibertrain, a quinta geração. É um espetáculo, são dezenas de páginas sobre tudo o que diz respeito à banda, inclusive photos inéditas (...) e os sites com os blogs dos integrantes, incluindo os músicos de apoio. Eles descobrem que são mais populares do que imaginavam, mais do que muitos cantores com carreiras próprias.

Um efeito colateral dessa tecnologia, é permitir a correção fácil e eficaz de distorções vocais, fazendo qualquer canastrão parecer um bom cantor. The Cool Boys e The Special Boys se beneficiaram (...) nunca cantando ao vivo, é claro. Um rapaz pergunta a Robert, pelo canal do fã, que software eles usam, ele responde no blog “Nancy Petty Gadner. É o software perfeito, quem usa uma vez, torna-se bom cantor pelo resto da vida”. Nancy se desmancha pelo ex-aluno, aquilo deixa seus olhos brilhando como duas esmeraldas. Ela vai à casa dele com acepipes (...) e os convida a comer. Tudo isso por causa de uma resposta lisonjeira.

O carteiro chega com uma encomenda, Suzuki fez uma surpresa para Mikomi, transformou seu documentário em livro e lhe mandou uma caixa com exemplares (...) O trabalho da japonesa era praticamente inédito fora do extremo oriente (...) O livro é bilíngue e tem todas as photographias que ela mandou, não apenas as selecionadas para o documentário. Kenji faz mais um agrado à futura sogra, distribuindo livros para chefes e colegas mais próximos, na fábrica...

- É a minha futura sogra, Mikomi Spring, a jornalista mais talentosa do Japão e da América, agora também uma escritora de prestígio internacional.

Sakura se desmancha por isso, começa a relevar alguns TOCs dele, como a mania irritante de circular o carro antes de entrar, e balançar as chaves na frente dos instrumentos, antes de dar a partida. Bater o hashi três vezes na palma da mão já deixou de ser incômodo faz muito tempo. Ele chega a Sunshadow e é recebido como filho por Robert, pelo bem que fez à sua amada Mikomi. A festa só é interrompida por mais um luto caríssimo (...) o mafioso mais amado dos Estados Unidos deixa o mundo, ninguém acredita que Frank Sinatra esteja morto (...) nenhum fã imagina quantas mortes violentas ele evitou, por seus contactos. The voice is silente forever.

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