O reino perdido! A estação 121 vira novamente pelo avesso a vida de nossa protagonista, e dá um alívio ao azarão. Todos à bordo, o trem vai partir.
Enquanto a neve derrete e escoa para os
reservatórios subterrâneos, os engenheiros instalam o equipamento que permitirá
abrir e explorar a construção sob a sede da fazenda. Primeiro tiram uma pedra,
cobrem rapidamente com algo parecido com um desentupidor de pia (...) Enquanto o computador analisa o ar
lá dentro, eles olham para o monitor...
- Realmente – diz o engenheiro – há uma
escada lá no canto esquerdo, há pelo menos mais um andar, provavelmente dois,
pela altura deste... Tem muita coisa, mas está tudo coberto por tecido...
As primeiras análises mostram uma atmosphera
dentro do que esperavam, bastante contaminada (...) Teores interessantes de vapores etílicos sugerem a
presença de bebidas ou perfumes, ou ambos. Josephine consegue imaginar o que
haveria debaixo de muitos daqueles lençóis, identifica silhuetas de móveis
bastante antigos. Gerald providencia (...) um
poste improvisado com lâmpadas fortes (...) as coisas ficam muito mais identificáveis, conseguem distinguir
tapetes de aglomerados de sujeira entrelaçada, imaginam a quantidade de ácaros
que deve ter resistido e evoluído. Se entreolham, decidem mandar o robô colher
amostras (...) porque toda aquela sujeira nociva será
sugada e queimada pelo maquinário.
Levam o dia inteiro, após quebrar o restante
do selo e colocar o tampão de acesso, mas finalmente o ar começa a ser renovado,
enquanto o robô colhe amostras de vários lugares. Em dois dias podem entrar e
retirar com cuidado aqueles tecidos, enquanto o trabalho recomeça no andar de
baixo (...) Descobrem móveis finos, prataria, cristais, garrafas lacradas, vidros
de perfume, um candelabro, roupas caras perfeitamente conservadas, livros,
jóias, esculturas, relógios, quadros, muitas photographias e alguns cadernos de anotações,
tudo datado do meio do século passado até a grande depressão. Richard observa
interessantes padrões retangulares em alguns pontos, cutuca o neto e dão leves
batidas, confirmado, descem a porrada naquelas pedras e janelas são reveladas.
Escavam mais do lado de fora, para arejar e iluminar melhor o ambiente. Quase
uma semana de trabalho e eles ficam sem saber como avaliar tudo aquilo. Todas
as janelas abertas e uma grande porta revelada no térreo, que é uma garagem dos
sonhos, quarenta e três carros do século XIX, seis motocicletas de priscas eras e duas carruagens de alto luxo, seis
deles Detroit Electric.
Na sede, enquanto os técnicos vistoriam e
catalogam tudo, eles estudam a documentação...
- Ritchie, nossos antepassados eram muito
ricos! Olha esta anotação, ela fala da mamãe!
- Aqui também. Sua mãe era admirada desde bem
jovem, aparentemente ela sabia muito do que estamos descobrindo agora.
Sunshadow teve um período de prosperidade, antes da quarta-feira cinza, talvez
as sucessivas crises tenham feito os antigos guardarem como puderam o que
tinham, mas morreram antes de poderem transmitir aos descendentes.
- Pois eu lhes digo mais, daqueles inúmeros
reinos do século XIX saiu a família de sua mãe, Nancy. Leia isto.
Josephine lhe entrega uma certidão de
nascimento de sua bisavó e o documento forjado. Sua família fugiu após seu pai,
o rei, ser morto em uma campanha militar desastrosa, pensava ir combater um
vizinho, mas eram imensas tropas inglesas que o esperavam. A troca do nome Alander
para Petty seria para fugirem de perseguição. Sunshadow era o lugar perfeito (...) O pequeno reino não existe há muito
tempo, mas Nancy o viu em um livro de história do colégio...
- Acho que eles acreditavam em dias
melhores... Infelizmente vieram as guerras, a perseguição das outras cidades e
eles precisaram manter segredo até das crianças, para elas não soltarem algo
sem querer... Jose, é da minha família? Então eu gostaria de levar para casa e
ler com calma.
O tempo de os técnicos terminarem seu serviço
é o tempo de Nancy concluir os estudos e obter respostas por e-mail, de
instituições de preservação da memória monárquica. Richard também descobre
finalmente a origem de sua família, vem da Escócia e do sul da Irlanda, foi
para o Brasil (...) juntou bagagem para os ainda jovens Estados Unidos
da América, antes que algum barão se encantasse com sua fazenda e decidisse
requisitá-la também... sem absolutamente nenhuma chance de indenização aos
prejudicados.
Um representante da instituição chega uma
semana depois, confere a documentação e reconhece Nancy Petty Gardner e Fester
Petty Green como herdeiros da casa de Alander, da Slovocrácia, com direito a
usar o brasão e todos os símbolos da família (...) Patrícia, Audrey e Melinda gostam da idéia de serem princesas de
um reino perdido. Para a história e as entidades envolvidas, porém, é uma
festa, todos pensavam que os Alander estivessem extintos, mas não só vivem como
prosperam e desfrutam de prestígio mundial. Decidem não comentar, até porque os
curadores heráldicos já se encarregaram de divulgar (...) Nas escolas da cidade há um alvoroço, a história de Sunshadow terá
que ser reescrita (...) agora tem comprovação de histórico nobre e da perseguição sofrida. É o prefeito
de Summerfields que não gosta da história, já não lhe desce Daniel ser um prefeito
independente há quarenta anos no cargo, sem precisar pintar uma faixa sequer
para a reeleição.
&
Princess não escapa a brincadeiras, mesmo em
reuniões sérias da organização. Directores de agências oficiais se reportam a
ela como “Sua Alteza” (...) A CIA
aconselha e a organização pensa seriamente em não se mostrar para a próxima
gestão, como já fez três outras vezes...
- Vai ser uma pena, mas eu concordo. Você vai
continuar lá?
- Sim, alteza, eu e alguns agentes, alguém
precisa avisar vocês das besteiras que vamos fazer.
- Ra, ra, ra, ra, ra, ra, ra, ra...
- Achando graça, príncipe Genius? Meu amigo,
a organização e nós pessoalmente lhes desejamos sorte. Se as coisas acontecerem
como você disse, não pense duas vezes antes de nos pedir ajuda.
Star encerra a transmissão e desata a rir. A
situação é crítica, mas não há mais o que possam fazer, vão (...) tocar suas vidas. Parte delas, a mais preciosa
diga-se de passagem, está de pé diante da porta, esperando para descobrir
alguma coisa.
- Phee!
- Dad!
Parece que leva horas para se abaixar e
outras tantas para se levantar com a pequena. O acompanhamento de Stephanie
surtiu efeito, Phoebe mantém-se pueril, apesar de seu intelecto (...) o intelecto das crianças da cidade é
naturalmente hipertrofiado, especialmente de suas parentes serelepes...
- Não, meus amores, não salvamos o mundo
hoje. Só discutimos que erros não vamos cometer de novo, coisas que as pessoas
deveriam fazer sempre no cotidiano.
- A gente ouviu risos.
- Fique feliz quando ouvir risos, em vez de
reprimendas, Elizabeth. Deixe eu ver sua mão...
Retomam a rotina, enquanto a última polêmica
atravessa fronteiras, inclusive a do bom senso. Enquanto um Duryea 1893 é
desmontado para restauro, a imprensa mostra a descoberta que é grande demais
para manterem em sigilo (...) Encontraram ligações de muitos antepassados dos sunshadowers com
eventos importantes, inclusive os imigrantes, como Renata...
- Resumindo, a família do seu pai desistiu do
Brasil colônia e veio pra cá.
- É isso aí. Eles Saíram do Rio de Janeiro
acompanhando mascates, foram para Minas Gerais, lá encontraram parentes seus,
com quem trocaram figurinhas e de lá para Salvador, de onde embarcaram para cá.
Na época era fácil se esconder, não havia essa profusão de meios de comunicação
em massa!
Renata medita (...) e aventa a possibilidade de alguém ter
ficado, o que justificaria os louros dos Queixada e faria deles parentes dos
Gardner. Falam dos shows depois de jogarem a brasileira na piscina e pularem
atrás, por agora querem comemorar a possibilidade de parentesco.
&
- Elias, me ajuda aqui?
Ele vai (...) esfola as mãos nas paredes ásperas e deixa a pequena carga na cozinha,
depois a colega se apressa em tratar os ferimentos, e o velho Bonezio põe as
mãos na cabeça de novo (...) prometendo
que vai trocar aquele revestimento idiota, feito pelo antigo dono do prédio. A
moça de Chanel curto termina o curativo e o rapaz é dispensado pelo resto do
dia (...) A própria funcionária lhe entrega o
telephone para ele chamar o ceramista e finalmente colocar azulejo naquela
parede. Aproveita as horas de folga para resolver pendências na faculdade (...) Uma colega de curso o puxa antes que saia...
- Tem uns caras muito putos contigo, meu!
Eles acham que tu é racista por causa da Sandra.
- Aqueles papagaios retoristas? Sei quem são.
- Não, cara, tu não tá me entendendo, meu!
Tem uns barra pesada, radicais do movimento, que me arrependo de já ter
integrado... Pra eles, tu tá querendo branquear tua família, puseram isso na
cabeça e tão noiados nisso!
- Putz! De onde brota tanto idiota? Não posso
me esconder, tenho uma filha e compromissos!
- Passa a andar com a gente, te vendo de
turma eles ficam menos valentes.
Aceita o conselho da colega, que é negra e já
foi socorrida por ele, durante uma abordagem de guardas da faculdade. A turma
gosta dele, só o acha meio distante, mas respeita, principalmente a paulista (...) Só hoje eles vêem a
Lambretta e não tem jeito, todo mundo quer uma volta nela. Não é só Sandra que
cai na risada com o ruído do velho 150cc de dois tempos. Aliás, já que
finalmente conseguiram uma brecha, o acompanham até sua casinha, finalmente com
dois quartos, para ver como ele vive. A família toma conhecimento, então
Eduarda e Renato também, por conseqüência um monte de gente...
- Quem está ameaçando ele? Nomes! Quero
nomes!
Isso poderia ter saído de Patrícia, mas ela
está tentando conter sua mãe, a autora, o gatilho mais rápida da América, a
Senhora Tiro Certo, entre outras alcunhas a que faz jus e por isso mesmo
justificam todas as precauções possíveis…
- Um monte de gente – diz Renata, titubeante.
Acho que só esses amigos e a minha família estão do lado dele... Dona Nancy,
respira! Respira três, nove, vinte e sete vezes!
- Pode deixar comigo, Bisa Broto. Eu assumo a
proteção do seu neto postiço.
Olham para a porta e não sabem se isso foi
uma boa ou má idéia, é Rebeca com uma katana nas costas. O bom é que Patrícia
pode evocar a autoridade de Princess e controlá-la, o ruim é que Elias não faz
parte da agenda da organização (...) Nancy adorou, delega a responsabilidade. Mais tarde,
com os ânimos frescos, ela explica...
- Eu investiguei, irmã, sei quem quer pegar
seu afilhado. É muito mais gente do que vocês pensam. Ele conseguiu a Sandra,
que uma dúzia de famílias babacas que pensam que são ricas, queriam adoptar,
pra exibir em colunas de pasquins provincianos. A neutralidade dele por si já
arranjou muitos desafetos de causas sociais, políticas, ideológicas de extremo
pra todos os lados, a Sandra só piorou tudo. É gente perigosa, que acha que tem
o direito de fazer o que quer fazer, discursos pra justificar isso não lhes
faltam. Já avisei nossa gente em Brasília pra passear em Goiânia e dar uma
olhada, porque o Elias está no caminho da roda maldita e não faz a menor idéia
disso... Mas também tem notícia boa, ele tá afim de uma colega na sorveteria, e
ela parece corresponder...
Patrícia vai da ira insana para a meiguice do
coração morno (...) Rebeca fala o
tempo todo como Barbarian, com a frieza necessária para manter o equilíbrio e
evitar que sua comparsa ferva. No começo, Rebeca o achou meio mole, sem
atitude, mas viu que é só timidez (...) Avisa Josephine, que fica feliz e preocupada ao
mesmo tempo. Já ele, com a pequena casinha de fundos cheia de gente pela
primeira vez, fica feliz vendo a filha ser carregada e balançada pelos colegas,
se desmanchando de rir. A pequena, ele já percebeu, é roqueira.
&
Não dá para ser de graça. Tudo tem custo (...) com a
internet não seria diferente, ela tem estrutura e funcionários, que não vivem
de amor ao próximo. Por mais que pregadores de utopias sapateiem, a rede se
profissionaliza. Por custos módicos, as pessoas podem ter cabos exclusivos para
a função, com mais estabilidade e velocidade, assim vai ao ar a versão 3.0 do
cibertrain, a quinta geração. É um espetáculo, são dezenas de páginas sobre
tudo o que diz respeito à banda, inclusive photos inéditas (...) e os sites com os blogs dos integrantes, incluindo os
músicos de apoio. Eles descobrem que são mais populares do que imaginavam, mais
do que muitos cantores com carreiras próprias.
Um efeito colateral dessa tecnologia, é
permitir a correção fácil e eficaz de distorções vocais, fazendo qualquer
canastrão parecer um bom cantor. The Cool Boys e The Special Boys se
beneficiaram (...) nunca cantando ao vivo, é claro. Um rapaz pergunta a Robert, pelo canal do fã,
que software eles usam, ele responde no blog “Nancy Petty Gadner. É o software
perfeito, quem usa uma vez, torna-se bom cantor pelo resto da vida”. Nancy se
desmancha pelo ex-aluno, aquilo deixa seus olhos brilhando como duas
esmeraldas. Ela vai à casa dele com acepipes (...) e os convida a comer. Tudo isso por causa de
uma resposta lisonjeira.
O carteiro chega com uma encomenda, Suzuki
fez uma surpresa para Mikomi, transformou seu documentário em livro e lhe
mandou uma caixa com exemplares (...) O trabalho da japonesa era praticamente inédito fora do extremo
oriente (...) O livro
é bilíngue e tem todas as photographias que ela mandou, não apenas as
selecionadas para o documentário. Kenji faz mais um agrado à futura sogra,
distribuindo livros para chefes e colegas mais próximos, na fábrica...
- É a minha futura sogra, Mikomi Spring, a
jornalista mais talentosa do Japão e da América, agora também uma escritora de
prestígio internacional.
Sakura se desmancha por isso, começa a
relevar alguns TOCs dele, como a mania irritante de circular o carro antes de
entrar, e balançar as chaves na frente dos instrumentos, antes de dar a
partida. Bater o hashi três vezes na palma da mão já deixou de ser incômodo faz
muito tempo. Ele chega a Sunshadow e é recebido como filho por Robert, pelo bem
que fez à sua amada Mikomi. A festa só é interrompida por mais um luto
caríssimo (...) o mafioso mais amado
dos Estados Unidos deixa o mundo, ninguém acredita que Frank Sinatra esteja
morto (...) nenhum fã imagina quantas mortes
violentas ele evitou, por seus contactos. The voice is silente forever.
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