Uma trégua com o passado. A estação 110 avança no tempo e recupera um pouco do que foi perdido. Aproveitem a oportunidade e embarquem, o trem vai partir.
Durante uma pausa nas pesquisas,
Zigfrida fica a par dos acontecimentos destes poucos primeiros meses do ano.
Ronald se lamenta muito pelas colunas arqueadas e as expressões generalizadas
de tristeza, em uma idade em que ele e seus parceiros estavam enfrentando
perigos reais e tocando a festa pelo mundo (...) eram jovens cheios de vida e não tinham pudores
de expressar isso…
- Vi garotos chamando os pais de
ridículos em público, porque riram de uma bobagem qualquer. Eles eram sombrios,
taciturnos, encolhidos, enquanto os pais eram espontâneos, sorridentes e
dançavam juntos com qualquer som!
- Vou parodiar a Patty, a tendência é
a merda feder mais, Ron. Eu acredito que os seus não correm esse risco, mas Dennis
reclamou de algo parecido em várias partes do mundo. O problema é global, não é
só nos Estados Unidos.
Ouve com paciência seus pacientes
preferidos, com o que consegue traçar um paralelo entre Sunshadow e o resto do
país. Enquanto medita no coreto da Máquina de Costura, chega Melinda com o
convite para seu casamento e uma carinha que deveria estar mais feliz (...) a depressão já está escancarada.
Em contrapartida, a tecnologia começa a ter um avanço generalizado sem
precedentes, especialmente os computadores, cuja evolução acelerada permite
sites cada vez mais complexos e extensos. Ricky (...) já tem a versão 2.0 do
cibertrain pronta, estreará na sexta-feira. Contrariando o mundo, está mais
rico, com galerias de imagens, vídeos curtos, páginas de notícias e outros
requintes repletos da alegria típica da banda. Inspirou-se no mapa da fazenda
que Naomi lhe deixou, para tornar o site mais prático e organizado (...) com links e referências para ninguém reclamar que não foi avisado. Só
interrompe o trabalho para um chamado urgente da irmã…
- Era assim que eles se vestiam na
época. Eu nasci bem depois disso, mas mamãe sempre falou comigo sobre o início
da carreira, com detalhes.
- Por que o jeito de vestir foi mudando
assim, Ricky?
- Tem a ver com evolução, com modismo,
com a necessidade de as fábricas venderem para sobreviver e com as próprias
pessoas. As pessoas mudam com o tempo, isso acaba aparecendo no modo de agir e
de se vestir…
O rapaz compartilha com a pequena a
sua experiência, na medida que a criança pode digerir (...) Ela tem em mãos uma photo em preto e branco da mãe e as tias ainda pequenas, à
piscina da casa da avó. Patrícia em um vestinho minimalista de cor clara com
uma listra escura no centro, que bifurca e forma a gola em “V”. Elizabeth
estranha, porque todas as photos que tem de si são coloridas (...) os pais observam, sorridentes e se desmanchando por dentro. Se aproximam
quando eles parecem ter esgotado o assunto, que então ressurge, com a menina
disparando perguntas feito uma metralhadora. Eles lhe mostram um álbum com
photos que poucas pessoas conhecem, todas de 1962…
- GENTE!!! Onde era isso?
- Aqui, em Sunshadow, meu amor.
- Mas tá tão diferente!
- Claro que está, já são quase trinta
anos desde que a gente começou. Veja, uma photo minha com a sua idade.
Um mundo totalmente novo, digo,
totalmente velho… Ah, vocês entenderam! Um mundo inédito se descortina diante
daqueles olhinhos verdes faiscantes. Saber que a mãe já foi criança é um
choque (...) Evitam falar dos revezes mais
graves (...) Ainda assim a pequena sai da conversa cheia de histórias para
contar, com um modo novo de ver o mundo e seu mundo. Assim que os dois a levam
para um passeio na praça, ela retorna à canção que tem entalada na garganta há
trinta anos. Espera conseguir terminar antes da virada do século...
- I
fix my face in the window, I have a hope, they will back happy to us. I fix my
eyes in the snow, my mind is a magic postman, have a news from you. You ill
back to us and ill dry my cry, to take the pain in the past, make-me full of
hope. In what place are you? Why you don’t back? I wanna believe you are fine...
Rebeca ouve à porta da biblioteca, sem se
anunciar. Aquela mulher secou suas lágrimas tantas vezes, mas não é capaz
sequer de acalmar as dela. Zigfrida chega em seguida, ouvindo a cantoria ao
violão (...) Demora um pouco, ela está
realmente decidida a terminar a canção. Mais de uma hora depois, ela nota a
presença das duas. Não consegue soltar fala, apenas mostra a partitura
manuscrita e a letra concluídas, no momento ela precisa de colo. O sexteto é reunido
e Renata vê que aquela música com tom meio triste, é realmente muito triste,
não por acaso intitulada “Hope and Dispair”. Josephine tem a mesma reação de
perplexidade, a (...) reação do público também é de
melancolia, com ovação, mas a tristeza da canção é ferina. A reação da imprensa
é “What’s happening to Patricia?”, questionando a sobriedade quase eclesiástica
dos últimos meses.
Eddie trabalha arduamente para eliminar a
cara de mártir. Se lembra de Zigfrida ter-lhe dito que Patricia estava com sua
vida afetiva nos anos cinqüenta, até atar com Arthur. Olha para ela...
- Você terminou a canção, meus parabéns, mas
com isso voltou à estaca zero – diz a psiquiatra. Eu estou a par do seu
histórico, notei uma repetição de bemóis em todos os andamentos onde havia
responsabilidades graves ou contacto com o passado, sempre em ambos os casos
com as mesmas notas. Você parece viver em uma senoide perpétua! Eu creio, é só
um palpite, que uma coexistência amigável e voluntária com seu passado
ajudaria. Posso sugerir uma coisa?
A leva ao seu closet e mostra todas aquelas
roupas fortemente inspiradas nas décadas de 1930 até 1970, sugere que passe a
usá-las no cotidiano. Os olhos da moça se acendem, ela olha para a maluquinha,
tira o vestido e pega um conjunto de blusa sem mangas branca, com saia média e colete
beges, calça sapatos pretos abertos de saltos baixos e escova os cabelos de
acordo. Eddie fica até triste ao ver a alegria estampada no rosto dela (...) Patricia põe algumas coisas básicas, umas cem delas em uma
bolsa de mão cor caramelo e vai passear com sua libertadora. Pasma e encanta
concidadãos e visitantes. Zigfrida agradece e recruta Eddie para sua equipe, ela
vai por livre e espontânea pressão.
&
Patrícia usa um vestidinho azul intenso com
largas bordas brancas e uma faixa branca na cabeça. O público, famílias inteiras
de Oklahoma City, tenta entender aquela indumentária retrô, mesmo sabendo que
ela é chegada ao estilo (...) no intervalo, é que os músicos se dão
conta da discussão lá fora. É a única na banda com roupa de meados dos anos
sessenta. O público gostou muito, principalmente porque viu sua musa feliz e
radiante, mas ficou sem entender e os jornalistas já começaram a tecer suas
matérias a respeito...
- Pois eu vou dar muito mais material, porque
amo me vestir assim.
Já nos jornais da noite a frase “Ela está na
década errada” inicia as reportagens, alguns dizendo que ela deveria ter ficado
por lá, sem apresentar motivos plausíveis, mas uma jornalista mais atenta
aproveita o gancho para colocar no ar uma matéria sobre pessoas que gostam de
moda retrô, utilizando justamente a apresentação da Dead Train como âncora (...) É um sucesso, Patricia
grava até o intervalo comercial. No momento está de jeans e camisa xadrez, com
Elizabeth no colo, mas já planeja a seqüência retrô para as próximas semanas.
Julia aparece no horário habitual, para
preparar o Good Night World desta sexta. Nada incomum, não estivesse em um
tailleur amarelo claro com babados da gola até o último botão da camisa,
sapatos de lacinho e cabelos presos para cima (...) Tobiah decide que sua sucessora será uma atração surpresa nesta noite.
No último quadro do programa, é chamada ao palco sem entender o motivo, então
entrevistada sem ter para onde correr. Como agente (...) está sempre tão atenta e bem preparada, que Tobby
achou que seria uma boa primeira vez. Encerrado o programa, ela vai tirar satisfações
e ele lhe entrega o celular, com Patrícia na linha...
- Eu amei! Amei de verdade! Que tal a gente
combinar um chá retrô em Los Angeles, quando eu for levar os convites do
casório da Mel? Se conhecer mais gente que se veste assim, chame também...
O sem-vergonha sabia que isso acalmaria a
fera. No dia marcado estão elas com Josephine, sua irmã Michelle e mais três
casais (...) O café
fica cercado de paparazzi e jornalistas (...) todos de fora, a uma distância civilizada,
porque o teor da conversa é privativo. Patricia entrega os convites também do
casamento do filho, para quando Melinda voltar da lua de mel. Combinam todos de
usar passeio completo com estilo de época.
Yuri, russo e neto de russos, tem um talento
raro para construir miniaturas incrivelmente perfeitas e pequenas sem
ferramentas, com elas chega perto do limite molecular. Também tem um talento
inato para comer e beber em excesso por qualquer motivo, ou tinha, até Melinda
colocá-lo nos trilhos (...) Hoje Yuri Negoda está para entrar para o clube dos homens
sérios de Sunshadow. Nestes três anos, é a primeira vez que vê Jose De Lane e
General Nelson, padrinhos da noiva. Patricia tenta em vão não chamar mais
atenção do que a irmã (...) Ah, lá está
ela, de braços com um brutamonte de dar medo até aos alterofilistas russos (...) Renata inicia
a cerimônia de forma simples, como a noiva pediu. É tudo rápido, a festa é na
casa de solteira da moça e à noite viajam para Peeble Beach, de onde ela volta
grávida. A rotina do casal não muda muito, porque ambos já se acostumaram às
viagens de negócios.
Quinze dias depois é a vez de Patricia
chorar. Renata celebra o matrimônio de sua filha com o coração pulando de
felicidade (...) Claro, Josephine e Nelson
são os padrinhos do noivo. Karen se agarra mais a Elon, pensando na sua vez.
Mesmo ficando para a titia, Ana Clara vê aquilo com uma ternura indescritível (...) Pensa em como aquela casa
enorme ficará vazia sem seu corpanzil, sua voz de trovão, sua agilidade em
preencher todos os cômodos e sua inestimável importância (...) Renata termina, tira a pose de sacerdotisa e
abraça os dois. Vão à festa, de lá para um recanto sossegado em Dallas, de onde
voltam para a cidade nova (...) Marcia está grávida.
Naomi observa neta e bisneto cuidando da nova
geração dos Gardner, com David ao seu lado (...) está tudo correndo como deve. Só Elizabeth está
contrariada, sente a falta do irmão. Ele (...) treina antes de ela acordar, ela o tinha consigo todos os dias, se acostumou a
ser levada por ele para dormir. Volta da escola com Evelyn e se despede dela no
limite da cidade velha. E lá estão eles, os paparazzi, (...) A menina honra a tradição da família, é
absurdamente linda (...) tem um pager customizado em um colar, para pedir ajuda se necessário. Espera
encontrar a mãe em casa, nos últimos dias ela tem sido chamada para apagar
incêndios corporativos. Felizmente está e com uma carinha bem tranqüila...
- Mommy...
- Meu amor, vem cá.
Era tudo o que queria ouvir. Vai arreganhando
um sorriso e se aboletando nos braços da mãe. Patricia precisa de alguém que
caiba no colo (...) Hoje ela tem uma tarde cheia, é
sua vez de ser entrevistada por Zigfrida (...) A pequena é bem conhecida pela sueca, mas respostas
directas são necessárias à avaliação, como descrever à sua maneira o ambiente
escolar. Ela voa...
- Era uma vez, em um reino muito distante, um
castelo inflável, repleto de aldeões e figuras míticas! Neste castelo havia
muitas princesas e muitos bobos da corte, alguns deles pensavam que eram
príncipes...
Ela fica pasma, boquiaberta com o conto de
fadas satírico que a menina desenvolve (...) Exibe a gravação para os pais e os
avós da pequena contadora de histórias, arranca gargalhadas sonoras. Elizabeth
confirma a tendência das crianças da cidade, de quebra rende boas horas de
dores abdominais. A menina deixa os adultos e aproveita um momento de folga,
brincando com o trenzinho da mãe e com ele imaginando mais aventuras (...) Sobe à suíte dos pais, abre uma gaveta que lhe foi
permitido abrir e pega um álbum. Vê a mãe tricotando com Pier Angeli, poucos
meses antes de ela morrer. Agora ela compreende um pouco o fascínio que a série
The Wonder Years exerce sobre sua mãe e parceiros de banda. Como lhe foi
ensinado e ela vê os pais fazerem, guarda o álbum onde o encontrou, fecha a
gaveta e vai falar com eles. Os encontra com os avós e a psicóloga, terminando
de rir, após terem ouvido a gravação. Zigfrida vai até sua Oldsmobile Silhouete
novinha, de onde traz uma espécie de árvore estatística...
- Gostaram? Adivinhem quem teve esta idéia?
- Betty! Foi você?
Ela estica o sorriso matreiro e balança a
barra do camisão listrado de amarelo. É uma planilha tridimensional de quase um
metro de altura, com centenas de folhas ovais, dotadas de encaixes que permitem
acrescentar mais folhas (...) Patricia e Arthur puxam seu rebento e a enchem de afagos,
enquanto a pequena explica como teve a idéia, vendo Zigfrida organizando em
círculos as fichas das crianças já entrevistadas. O irmão da menina não tarda a
saber e ir ter com ela. Agora ela encontrou um bom pretexto, actos de
criatividade agradam e atraem a atenção do irmão. Se esforçará mais.
Por toda Sunshadow há episódios similares,
mas as crianças da cidade pagam um preço semelhante ao que os seis garotos
pagaram, quando eram garotos. Evelyn termina de fazer uma maquete para a aula
de amanhã e vai ter com os pais. Encontra Marie conversando com Sakura, sobre o
show de estréia (...) vêem a menina chegar e a chamam para uma sessão de afagos, sucedida de uma
sessão de queixumes. Evelyn reclama do modo como é tratada, quando precisa sair
com a turma em lições fora da cidade...
- Já foi pior, irmã. Na época de criança de
nossos pais, foi muito pior. Vou deixar pra eles te contarem detalhes sórdidos,
mas posso te adiantar que um sunshadower nunca teve vida tranqüila fora de
Sunshadow.
- Por quê?
- Preconceito. Quer saber, tá na hora de você
saber de algumas histórias. Senta aqui.
Põe a irmã no colo e conta de forma sucinta
alguns episódios que a cidade, especialmente seus pais, enfrentaram (...) A calma com que Marie fala
lembra a avó paterna, um contraste gritante com a personalidade da mãe. Ela não
esquenta com praticamente nada, por isso mesmo choca a irmã com a naturalidade
com que narra alguns revezes particularmente perigosos, inclusive o em que
Rebeca quase perde o controle (...) ela se lembra vagamente, mas só agora conhece o motivo. Também
só agora dá atenção ao facto de que é a única branca dos três irmãos, Pergunta
se é adoptada, tendo resposta da mãe ainda entrando na sala...
- Ainda se fosse, e você não é, não faria a
menor diferença pra gente. Sua tia Enya é, e foi adoptada já grande, quando já
tinha o Kurt.
A menina corre à genitora e conta tudo o que
disse à irmã. Ronald a pega e o casal avisa que vai sair de novo. Vão falar com
quem? Com Patricia, quem mais? Ela pega a menina nos braços, faz um cafuné e
sentencia...
- É hora de as pequenas viajarem conosco.
Betty, você vem na próxima viagem, comece a acertar o passo nos estudos. E
você, desfaça essa carinha emburrada, você deve satisfações aos seus pais e a
ninguém mais.
- Valeu, irmã! A gente já quase mora no
Texas, vamos fazer um passeio em família por Huston. Quem sabe elas não pegam
gosto?
- Seria bom. Já lançamos tanta gente, mas eu
não quero minha pequena sobrecarregada, ela já é responsável demais para o meu
gosto.
- Patty Petty 2.0?
- Deus queira que não, Ron!
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