quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Dead Train in the rain CX

    Uma trégua com o passado. A estação 110 avança no tempo e recupera um pouco do que foi perdido. Aproveitem a oportunidade e embarquem, o trem vai partir.


Durante uma pausa nas pesquisas, Zigfrida fica a par dos acontecimentos destes poucos primeiros meses do ano. Ronald se lamenta muito pelas colunas arqueadas e as expressões generalizadas de tristeza, em uma idade em que ele e seus parceiros estavam enfrentando perigos reais e tocando a festa pelo mundo (...) eram jovens cheios de vida e não tinham pudores de expressar isso…

- Vi garotos chamando os pais de ridículos em público, porque riram de uma bobagem qualquer. Eles eram sombrios, taciturnos, encolhidos, enquanto os pais eram espontâneos, sorridentes e dançavam juntos com qualquer som!

- Vou parodiar a Patty, a tendência é a merda feder mais, Ron. Eu acredito que os seus não correm esse risco, mas Dennis reclamou de algo parecido em várias partes do mundo. O problema é global, não é só nos Estados Unidos.

Ouve com paciência seus pacientes preferidos, com o que consegue traçar um paralelo entre Sunshadow e o resto do país. Enquanto medita no coreto da Máquina de Costura, chega Melinda com o convite para seu casamento e uma carinha que deveria estar mais feliz (...) a depressão já está escancarada. Em contrapartida, a tecnologia começa a ter um avanço generalizado sem precedentes, especialmente os computadores, cuja evolução acelerada permite sites cada vez mais complexos e extensos. Ricky (...) já tem a versão 2.0 do cibertrain pronta, estreará na sexta-feira. Contrariando o mundo, está mais rico, com galerias de imagens, vídeos curtos, páginas de notícias e outros requintes repletos da alegria típica da banda. Inspirou-se no mapa da fazenda que Naomi lhe deixou, para tornar o site mais prático e organizado (...) com links e referências para ninguém reclamar que não foi avisado. Só interrompe o trabalho para um chamado urgente da irmã…

- Era assim que eles se vestiam na época. Eu nasci bem depois disso, mas mamãe sempre falou comigo sobre o início da carreira, com detalhes.

- Por que o jeito de vestir foi mudando assim, Ricky?

- Tem a ver com evolução, com modismo, com a necessidade de as fábricas venderem para sobreviver e com as próprias pessoas. As pessoas mudam com o tempo, isso acaba aparecendo no modo de agir e de se vestir…

O rapaz compartilha com a pequena a sua experiência, na medida que a criança pode digerir (...) Ela tem em mãos uma photo em preto e branco da mãe e as tias ainda pequenas, à piscina da casa da avó. Patrícia em um vestinho minimalista de cor clara com uma listra escura no centro, que bifurca e forma a gola em “V”. Elizabeth estranha, porque todas as photos que tem de si são coloridas (...) os pais observam, sorridentes e se desmanchando por dentro. Se aproximam quando eles parecem ter esgotado o assunto, que então ressurge, com a menina disparando perguntas feito uma metralhadora. Eles lhe mostram um álbum com photos que poucas pessoas conhecem, todas de 1962…

- GENTE!!! Onde era isso?

- Aqui, em Sunshadow, meu amor.

- Mas tá tão diferente!

- Claro que está, já são quase trinta anos desde que a gente começou. Veja, uma photo minha com a sua idade.

Um mundo totalmente novo, digo, totalmente velho… Ah, vocês entenderam! Um mundo inédito se descortina diante daqueles olhinhos verdes faiscantes. Saber que a mãe já foi criança é um choque (...) Evitam falar dos revezes mais graves (...) Ainda assim a pequena sai da conversa cheia de histórias para contar, com um modo novo de ver o mundo e seu mundo. Assim que os dois a levam para um passeio na praça, ela retorna à canção que tem entalada na garganta há trinta anos. Espera conseguir terminar antes da virada do século...

- I fix my face in the window, I have a hope, they will back happy to us. I fix my eyes in the snow, my mind is a magic postman, have a news from you. You ill back to us and ill dry my cry, to take the pain in the past, make-me full of hope. In what place are you? Why you don’t back? I wanna believe you are fine...

Rebeca ouve à porta da biblioteca, sem se anunciar. Aquela mulher secou suas lágrimas tantas vezes, mas não é capaz sequer de acalmar as dela. Zigfrida chega em seguida, ouvindo a cantoria ao violão (...) Demora um pouco, ela está realmente decidida a terminar a canção. Mais de uma hora depois, ela nota a presença das duas. Não consegue soltar fala, apenas mostra a partitura manuscrita e a letra concluídas, no momento ela precisa de colo. O sexteto é reunido e Renata vê que aquela música com tom meio triste, é realmente muito triste, não por acaso intitulada “Hope and Dispair”. Josephine tem a mesma reação de perplexidade, a (...) reação do público também é de melancolia, com ovação, mas a tristeza da canção é ferina. A reação da imprensa é “What’s happening to Patricia?”, questionando a sobriedade quase eclesiástica dos últimos meses.

Eddie trabalha arduamente para eliminar a cara de mártir. Se lembra de Zigfrida ter-lhe dito que Patricia estava com sua vida afetiva nos anos cinqüenta, até atar com Arthur. Olha para ela...

- Você terminou a canção, meus parabéns, mas com isso voltou à estaca zero – diz a psiquiatra. Eu estou a par do seu histórico, notei uma repetição de bemóis em todos os andamentos onde havia responsabilidades graves ou contacto com o passado, sempre em ambos os casos com as mesmas notas. Você parece viver em uma senoide perpétua! Eu creio, é só um palpite, que uma coexistência amigável e voluntária com seu passado ajudaria. Posso sugerir uma coisa?

A leva ao seu closet e mostra todas aquelas roupas fortemente inspiradas nas décadas de 1930 até 1970, sugere que passe a usá-las no cotidiano. Os olhos da moça se acendem, ela olha para a maluquinha, tira o vestido e pega um conjunto de blusa sem mangas branca, com saia média e colete beges, calça sapatos pretos abertos de saltos baixos e escova os cabelos de acordo. Eddie fica até triste ao ver a alegria estampada no rosto dela (...) Patricia põe algumas coisas básicas, umas cem delas em uma bolsa de mão cor caramelo e vai passear com sua libertadora. Pasma e encanta concidadãos e visitantes. Zigfrida agradece e recruta Eddie para sua equipe, ela vai por livre e espontânea pressão.

&

Patrícia usa um vestidinho azul intenso com largas bordas brancas e uma faixa branca na cabeça. O público, famílias inteiras de Oklahoma City, tenta entender aquela indumentária retrô, mesmo sabendo que ela é chegada ao estilo (...) no intervalo, é que os músicos se dão conta da discussão lá fora. É a única na banda com roupa de meados dos anos sessenta. O público gostou muito, principalmente porque viu sua musa feliz e radiante, mas ficou sem entender e os jornalistas já começaram a tecer suas matérias a respeito...

- Pois eu vou dar muito mais material, porque amo me vestir assim.

Já nos jornais da noite a frase “Ela está na década errada” inicia as reportagens, alguns dizendo que ela deveria ter ficado por lá, sem apresentar motivos plausíveis, mas uma jornalista mais atenta aproveita o gancho para colocar no ar uma matéria sobre pessoas que gostam de moda retrô, utilizando justamente a apresentação da Dead Train como âncora (...) É um sucesso, Patricia grava até o intervalo comercial. No momento está de jeans e camisa xadrez, com Elizabeth no colo, mas já planeja a seqüência retrô para as próximas semanas.

Julia aparece no horário habitual, para preparar o Good Night World desta sexta. Nada incomum, não estivesse em um tailleur amarelo claro com babados da gola até o último botão da camisa, sapatos de lacinho e cabelos presos para cima (...) Tobiah decide que sua sucessora será uma atração surpresa nesta noite. No último quadro do programa, é chamada ao palco sem entender o motivo, então entrevistada sem ter para onde correr. Como agente (...) está sempre tão atenta e bem preparada, que Tobby achou que seria uma boa primeira vez. Encerrado o programa, ela vai tirar satisfações e ele lhe entrega o celular, com Patrícia na linha...

- Eu amei! Amei de verdade! Que tal a gente combinar um chá retrô em Los Angeles, quando eu for levar os convites do casório da Mel? Se conhecer mais gente que se veste assim, chame também...

O sem-vergonha sabia que isso acalmaria a fera. No dia marcado estão elas com Josephine, sua irmã Michelle e mais três casais (...) O café fica cercado de paparazzi e jornalistas (...) todos de fora, a uma distância civilizada, porque o teor da conversa é privativo. Patricia entrega os convites também do casamento do filho, para quando Melinda voltar da lua de mel. Combinam todos de usar passeio completo com estilo de época.

Yuri, russo e neto de russos, tem um talento raro para construir miniaturas incrivelmente perfeitas e pequenas sem ferramentas, com elas chega perto do limite molecular. Também tem um talento inato para comer e beber em excesso por qualquer motivo, ou tinha, até Melinda colocá-lo nos trilhos (...) Hoje Yuri Negoda está para entrar para o clube dos homens sérios de Sunshadow. Nestes três anos, é a primeira vez que vê Jose De Lane e General Nelson, padrinhos da noiva. Patricia tenta em vão não chamar mais atenção do que a irmã (...) Ah, lá está ela, de braços com um brutamonte de dar medo até aos alterofilistas russos (...) Renata inicia a cerimônia de forma simples, como a noiva pediu. É tudo rápido, a festa é na casa de solteira da moça e à noite viajam para Peeble Beach, de onde ela volta grávida. A rotina do casal não muda muito, porque ambos já se acostumaram às viagens de negócios.

Quinze dias depois é a vez de Patricia chorar. Renata celebra o matrimônio de sua filha com o coração pulando de felicidade (...) Claro, Josephine e Nelson são os padrinhos do noivo. Karen se agarra mais a Elon, pensando na sua vez. Mesmo ficando para a titia, Ana Clara vê aquilo com uma ternura indescritível (...) Pensa em como aquela casa enorme ficará vazia sem seu corpanzil, sua voz de trovão, sua agilidade em preencher todos os cômodos e sua inestimável importância (...) Renata termina, tira a pose de sacerdotisa e abraça os dois. Vão à festa, de lá para um recanto sossegado em Dallas, de onde voltam para a cidade nova (...) Marcia está grávida.

Naomi observa neta e bisneto cuidando da nova geração dos Gardner, com David ao seu lado (...) está tudo correndo como deve. Só Elizabeth está contrariada, sente a falta do irmão. Ele (...) treina antes de ela acordar, ela o tinha consigo todos os dias, se acostumou a ser levada por ele para dormir. Volta da escola com Evelyn e se despede dela no limite da cidade velha. E lá estão eles, os paparazzi, (...) A menina honra a tradição da família, é absurdamente linda (...) tem um pager customizado em um colar, para pedir ajuda se necessário. Espera encontrar a mãe em casa, nos últimos dias ela tem sido chamada para apagar incêndios corporativos. Felizmente está e com uma carinha bem tranqüila...

- Mommy...

- Meu amor, vem cá.

Era tudo o que queria ouvir. Vai arreganhando um sorriso e se aboletando nos braços da mãe. Patricia precisa de alguém que caiba no colo (...) Hoje ela tem uma tarde cheia, é sua vez de ser entrevistada por Zigfrida (...) A pequena é bem conhecida pela sueca, mas respostas directas são necessárias à avaliação, como descrever à sua maneira o ambiente escolar. Ela voa...

- Era uma vez, em um reino muito distante, um castelo inflável, repleto de aldeões e figuras míticas! Neste castelo havia muitas princesas e muitos bobos da corte, alguns deles pensavam que eram príncipes...

Ela fica pasma, boquiaberta com o conto de fadas satírico que a menina desenvolve (...) Exibe a gravação para os pais e os avós da pequena contadora de histórias, arranca gargalhadas sonoras. Elizabeth confirma a tendência das crianças da cidade, de quebra rende boas horas de dores abdominais. A menina deixa os adultos e aproveita um momento de folga, brincando com o trenzinho da mãe e com ele imaginando mais aventuras (...) Sobe à suíte dos pais, abre uma gaveta que lhe foi permitido abrir e pega um álbum. Vê a mãe tricotando com Pier Angeli, poucos meses antes de ela morrer. Agora ela compreende um pouco o fascínio que a série The Wonder Years exerce sobre sua mãe e parceiros de banda. Como lhe foi ensinado e ela vê os pais fazerem, guarda o álbum onde o encontrou, fecha a gaveta e vai falar com eles. Os encontra com os avós e a psicóloga, terminando de rir, após terem ouvido a gravação. Zigfrida vai até sua Oldsmobile Silhouete novinha, de onde traz uma espécie de árvore estatística...

- Gostaram? Adivinhem quem teve esta idéia?

- Betty! Foi você?

Ela estica o sorriso matreiro e balança a barra do camisão listrado de amarelo. É uma planilha tridimensional de quase um metro de altura, com centenas de folhas ovais, dotadas de encaixes que permitem acrescentar mais folhas (...) Patricia e Arthur puxam seu rebento e a enchem de afagos, enquanto a pequena explica como teve a idéia, vendo Zigfrida organizando em círculos as fichas das crianças já entrevistadas. O irmão da menina não tarda a saber e ir ter com ela. Agora ela encontrou um bom pretexto, actos de criatividade agradam e atraem a atenção do irmão. Se esforçará mais.

Por toda Sunshadow há episódios similares, mas as crianças da cidade pagam um preço semelhante ao que os seis garotos pagaram, quando eram garotos. Evelyn termina de fazer uma maquete para a aula de amanhã e vai ter com os pais. Encontra Marie conversando com Sakura, sobre o show de estréia (...) vêem a menina chegar e a chamam para uma sessão de afagos, sucedida de uma sessão de queixumes. Evelyn reclama do modo como é tratada, quando precisa sair com a turma em lições fora da cidade...

- Já foi pior, irmã. Na época de criança de nossos pais, foi muito pior. Vou deixar pra eles te contarem detalhes sórdidos, mas posso te adiantar que um sunshadower nunca teve vida tranqüila fora de Sunshadow.

- Por quê?

- Preconceito. Quer saber, tá na hora de você saber de algumas histórias. Senta aqui.

Põe a irmã no colo e conta de forma sucinta alguns episódios que a cidade, especialmente seus pais, enfrentaram (...) A calma com que Marie fala lembra a avó paterna, um contraste gritante com a personalidade da mãe. Ela não esquenta com praticamente nada, por isso mesmo choca a irmã com a naturalidade com que narra alguns revezes particularmente perigosos, inclusive o em que Rebeca quase perde o controle (...) ela se lembra vagamente, mas só agora conhece o motivo. Também só agora dá atenção ao facto de que é a única branca dos três irmãos, Pergunta se é adoptada, tendo resposta da mãe ainda entrando na sala...

- Ainda se fosse, e você não é, não faria a menor diferença pra gente. Sua tia Enya é, e foi adoptada já grande, quando já tinha o Kurt.

A menina corre à genitora e conta tudo o que disse à irmã. Ronald a pega e o casal avisa que vai sair de novo. Vão falar com quem? Com Patricia, quem mais? Ela pega a menina nos braços, faz um cafuné e sentencia...

- É hora de as pequenas viajarem conosco. Betty, você vem na próxima viagem, comece a acertar o passo nos estudos. E você, desfaça essa carinha emburrada, você deve satisfações aos seus pais e a ninguém mais.

- Valeu, irmã! A gente já quase mora no Texas, vamos fazer um passeio em família por Huston. Quem sabe elas não pegam gosto?

- Seria bom. Já lançamos tanta gente, mas eu não quero minha pequena sobrecarregada, ela já é responsável demais para o meu gosto.

- Patty Petty 2.0?

- Deus queira que não, Ron!

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