sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Rotina e Banalidade

Essa semana, depois de séculos, eu finalmente assisti o filme 1984, baseado no livro homônimo (sim, eu estou falando difícil hoje) de George Orwell.

A estória se passa num futuro alternativo. Basicamente, do mesmo jeito que Aldous Huxley fez em Admirável Mundo Novo, que também virou filme, mas não é tão bom. Mudaram o final, mas a idéia central está lá. E é bem legal, também. Mas eu ainda gostei mais do 1984.

Nesse futuro alternativo, as pessoas são controladas por uma empresa/agência, chamada IngSoc. E a maior "arma" deles, é o chamado "Grande Irmão". O Grande Irmão, na verdade, é um sistema de vigilância 24 horas, que os observa até quando estão dormindo. Sim, o nome original é Big Brother, que originou o nome do Reality Show. Mas a realidade com o Grande Irmão não era entretenimento de massas, e sim, controle da vida. Dos meios de produção, principalmente. E acabava sendo também um controle "mental" sobre as pessoas.

Claro, não dá pra pensar nisso sem fazer paralelos com a religião. O Grande Irmão age como o Deus Judaico-Cristão-Islâmico, que tudo vê, tudo sabe, tudo pune ou recompensa. Mas esse não é ponto deste texto. Não hoje, pelo menos.

Uma das coisas que mais marcam na estória, é ver o quanto as pessoas tem suas vidas controladas, determinadas, e se sentem felizes com isso. Se sentem felizes em serem parte da "máquina" do Estado. Ou da IngSoc, mais claramente. E isso me faz pensar sobre como isso se aplica tão bem aos trabalhadores das grandes corporações, de hoje. Ou à nossa sociedade, de forma geral. Você TEM QUE produzir. TEM QUE fazer isso e aquilo, TEM QUE blá blá blá... Pra ser aceito pela sociedade.

E isso não para por aí. As próprias religiões tem esse lado, dizendo "se você não se comportar assim, vai pro Inferno (ou algo que o valha)". Você não tem o direito de decidir o que fazer. Algumas religiões "modernas" dizem que você faz o que quer, mas tem que acarretar as consequências. Princípio básico da Física, que diz que "toda ação tem uma reação, de força igual e direção contrária". Enfim... Não é de religião que eu quero falar, tampouco.

Onde eu quero chegar, é numa cena que me marcou demais. Cheguei a me emocionar com ela, e perceber o quanto o ser humano se distancia às vezes da sua humanidade.

A cena em questão é uma em que Winston (o personagem principal, interpretado por John Hurt) e Julia (o par "romântico", interpretada por Suzanna Hamilton), estão num quarto de um antiquário, que tinha sido alugado por Winston para que eles pudessem se encontrar. Ela traz algumas coisas de "contrabando" (quase tudo é proibido), como pão "de verdade", chá "de verdade", café "de verdade", geléia, e algumas outras coisas. Se fossem encontrados com isso, seriam presos.

Mas o que mais marca, é um momento em que Winston diz a ela: "Eu quero você". Ela só pede a ele que se vire, e só olhe quando ela disser. Na cena, Winston olha pela janela, reparando numa mulher gorda que estende roupas e fica cantando. Ele se maravilha com a voz da mulher, e pensa em "como ela pode transformar uma música escrita por uma máquina em algo tão lindo".

Quando Julia permite que ele se vire, ela está usando um vestido (todos são obrigados à usar uniformes) que mal lhe cabe, e maquiada, pra dizer o mínimo, de uma forma exagerada.

A emoção exprimida por ele, foi basicamente o que eu senti. E que é o verdadeiro tema desse texto.

Ela se vestir daquela maneira, pra nós, nos dias de hoje, seria bobo, banal,(e num arroubo de senso crítico-estético desmedido) ridículo. Porém, numa sociedade como a deles, onde TUDO segue um padrão, era quase como cometer um pecado. Algo completamente fora da "normalidade", e proibido. Na sociedade controlada pelo Grande Irmão, NINGUÉM pode ser especial. Todos são apenas engrenagens da grande máquina.

E o que me emocionou é notar o quanto somos assim. Permitimos que a banalidade, e consequentemente, a rotina, estraguem a nossa visão, tanto de AQUILO que nos cerca, como de QUEM nos cerca.

Pra nós, que (assim mesmo, entre aspas) "temos isso todo dia", é algo bobo, ou fútil, ou banal, uma mulher se arrumar pro homem que ama. Ou pra si mesma, sei lá.

Mas pra quem não pode ter isso, é a 8ª maravilha do mundo.

E é isso que eu não quero perder. Essa capacidade de me surpreender com o mundo, com as pessoas. Não me refiro à questão da banalização da violência, ou de enxergar qualquer coisa que acontece no mundo. Quer dizer... A violência na nossa sociedade JÁ É banalizada. Quantas famílias não jantam assistindo telejornais mostrando a desgraça através do mundo?

Me refiro ao comum. O dia a dia.

Quero sempre me surpreender com o Sol nascendo. E achar lindo.

Quero sempre me surpreender com o Sol se pondo, com aquela mistura de luzes azuis escuras e alaranjadas. E achar lindo.


Eu acho lindo. Ainda.


Quero me surpreender com alguma garota, me dando um sorriso inesperado. E achar lindo.

Não quero ser banal. Não quero cair na rotina. Não quero deixar de perceber o quanto o ser humano, a humanidade, e o mundo em que vivemos é maravilhoso.

Não, não vou fechar os olhos, crendo que tudo é paradisíaco. Mas ainda aquilo que é "feio", que é "mal" ou "mau", tudo aquilo que pode ferir... Tudo isso, AINDA me é maravilhoso. E que continue sendo...

E pra quem quiser ver, tem no Youtube a cena em questão.

http://www.youtube.com/watch?v=IVGtYJq0D6I

Nesse aí, é lá pelos 06:25 que aparece o que eu disse.

7 comentários:

Adriane Schroeder disse...

Eu me surpreendo com textos lindos como este, Fio!
:O)

Nanael Soubaim disse...

Enfim encontro alguém que entendeu a mensagem do filme, que não se resume à questão sócio-política. Aquilo só aconteceu porque as pessoas deixaram acontecer, formiga por formiga, cortando folhas para os fungos da colônia.

Anônimo disse...

Eu não assisti o filme, só li o livro, mas ele mexeu muito comigo. Gostei mesmo e recomendo sempre.

Júlio disse...

Talvez este seja o grande lance para se ter uma vida mais feliz: deixar-se surpreender por ela. E nos dias de hoje, dos avanços tecnológicos, das cirurgias plásticas e dos sentimentos simulados, parece impossível não deixar a rotina acinzentar e uniformizar o coração...mas pode ser, sim. Então, sejamos estes diferentes! Ótimo texto.

Davi Coelho disse...

Arrasou, gordo.

beijo ;*

Luna disse...

Fio é emo! Pronto, falei!

Adoro quando você mostra (uiiiiii) seu lado sensível, gato gordurinha!

Edu disse...

Posso mostrar muito mais pra vc, Piriguetinea Mais de Mesa.

E EMO É A MÃE!

bjs, miliga.