sábado, 1 de novembro de 2008

A vida continua, sempre



Era uma vez três moças, que estavam à mesa de uma lanchonete com um chopps e três pastel. Três beldades com distintas características, mas perfeitamente complementares entre si.


Flávia era meio sarcástica, até mordaz em alguns momentos. Clarissa, bem, já foi vista tentando acender a caneta enquanto passava o cigarro no papel. Viviana, a mascotinha do trio, era rebelde e subversiva sob a pele de menina frágil.


Quando Clarissa percebeu que o cigarro não tinha tinta, as três se tocaram de fazer um blog. Na época não era cousa muito popular. Eu mesmo torcia o nariz para isto, nem de internet gostava. Mas as três cinéfilas encasquetaram e inauguraram o dito.


Com o tempo e os milagres da internet, amealharam atenções, corações e inimigos invejosos. Tiveram que abrir um fórum para tanta gente se aboletar sem apertos. Então veio o sucesso.


Ah, o sucesso. Quem dera metade dele fosse em grana viva. Mas o aceitaram mesmo assim. Os foristas foram chegando, se amontoando e tagarelando. Ateus, bruxos, católicos, espíritas, judeus, protestantes, umbandistas, zoroastristas, enfim, uma fauna diversificada. Seus textos eram esperados, ansiados, muitas vezes descaradamente plagiados por outros blogueiros.


O sucesso, porém, tem a dualidade da exposição excessiva. Logo apareceu um que xinga a mãe por tê-lo beijado na frente dos outros fedelhos (como fazem em certos fóruns) e começou a bagunçar o coreto. As baixas foram muitas e caras. Em seguida outro idem invadiu os códigos html (ou seja lá como se escreve essa bodega) e tirou o Fórum do ar. A labuta incansável das três blogueiras conseguiu reestabelecer a ordem e o progresso.


O maior inimigo, porém, está dentro de casa. Embora para muitos não importe, elas têm vidas próprias, e estas vidas fazem o que devem e não o que queremos. Viviana emigrou para San Francisco. De início os textos até melhoraram e muito, mas logo a neurose corporativista dos ianques a fez se distanciar, pouco a pouco, daqueles que tanto ama e tanto a amam. Tornou-se comum as quartas e os sábados ficarem vazios.


Clarissa começou a ver a vida passando e se apressou em aceitar convites para trabalhos, além de relatar em seus textos as visitas estranhas a médicos ainda mais estranhos, com nuances muito estranhas; continuava tentando fumar o lápis e escrever com o isqueiro. Mesmo assim os textos saíam. Mas já também começavam a falhar.


Flávia, então já mãe, se desmanchava em textos sobre seu rebento. Sabrina se mostrava muito matura e responsável, muito mais que a maioria dos adolescentes, em seus três aninhos. Passou a ser a mais presente das três, se esforçava para dar conta, mesmo assim começou a falhar.


Nossas três heroínas já demonstravam cansaço e desejo de liberdade há tempos. Eu notava que mais hora, menos hora, deixariam formal e definitivamente a actividade literária do Garotas Que Dizem Ni. Não sei se meus olhos de mago me enganam, mas uma ou duas lágrimas as ondas electromagnéticas do computador me fizeram perceber em cada uma, várias vezes.


Elas amavam o que faziam, muito, mas também estavam cientes de suas limitações e necessidades pessoais, que estavam sendo negligenciadas em prol de pouco mais de dois mil foristas, dos quais cinqüenta, se muito, são realmente assíduos. Então decidiram a três corações, ainda que cortados, encerrar as actividades. Comunicaram aos foristas mais íntimos, para que ajudassem com os outros, e Clarissa deu a notícia. Já fizera algo como isto antes, mas desta vez não era brincadeira. E desta vez não teve "Um abraço abraçado, minha flor alvinegra". Porque não foi literatura, foi despedida.


Eu tinha preparado para hoje algo sobre as pin-ups de Alcêu Pena, mas nós não mandamos na vida, é ela quem manda em nós, por mais que nosso cérebro limitado se esforce em burlar suas ordens. Noutro dia falo do Mestre Pena.


Mas o negócio não é um Fiat Dobló, é uma Rural Willys. Não é feio como parece e é bem mais proveitoso do que se pensa. Elas deixaram claro que manterão o arquivo e o fórum até onde conseguirem, Mamma Flávia já avisou que abrirá um bloguinho particular e menos abrangente, provavelmente falará de viagens e de Sabrina, ao menos principalmente,


Decerto que muita gente vai evadir, não terá motivos para continuar conosco. Que D'us as abençoe, ficarão os que realmente têm compromissos uns com os outros. E vamos enxugar essas lágrimas, que elas estão vivas, Clarissa tomará juízo e deixará de fumar, Viviana de voltar a freqüentar o Fórum e Flávia ainda contará muitos casos de suas viagens, só não o fará em forma de texto, mas em conversas internas.


E para não fugir à tradição: Um abraço de vida nova, minhas flores de bolinhas. 8)

7 comentários:

Edu disse...

É impressionante como vc consegue traduzir tudo em palavras, Nanael.

Lindo texto.

E espero que elas leiam isso também.

Frank disse...

Minino, DEU NA MINHA CARA!!!!!!

Gente do céu! A gente completando um ano e as outras lá fechando o blog...

Que horror, e eu nem preparei nada em especial pra elas... Adorava aquele blog! Tô me sentindo tipo quando cancelaram a coluna delas na revista Época, só que agora é pior...

Afff

Lisi disse...

Nana, perfeito. Amei cada palavra, traduziu o pensamento de muitos foristas. Senti um alívio por ver expressas muitas coisas q nao conseguiria falar. Tomara mesmo que elas leiam.

Nanael Soubaim disse...

Na realidade, também sou contra o fechamento, mas isto é uma decisão delas. Gostaria mesmo é que os foristas mais chorões lessem o texto.

mihuda disse...

Hoje eh minha vez de elogiar! Nanael, o sr. conseguiu o que a Clara e os recados tristes de foristas nao conseguiram, me fez segurar as lagrimas, ja que estou no trabalho e teoricamente nao teria razao de chorar em meio a resenhas de bandas independentes... a nao ser que me depare com uma mto ruim!
Bom, assim como vc - mas beeemmm distantes das meninas - sentia o fim chegando e, tambem como vc, nao gostaria que chegasse.
Mas como vc falou, a vida eh que manda em nos, certo?
Adorei sua homenagem a elas, acho justa e lindamente colocada. Tentei fazer algo bonito assim, mas seu texto "venceu" de longe!
beijinhos

Anônimo disse...

Belíssimo texto Nanael.

Como passei semanas longe de qualquer pc com internet, ao ver essa semana essa terrível notícia fiquei pasma! Foi horrível ver um site que sempre me deixava com uma sensação megaultraagradável de ter lido algo realmente bom vai acabar...

=(

Luna disse...

Creio que ninguém precisa dizer mais nada, Nanis.