quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Dead Train in the rain CXXIV

    O olho do furacão. A estação 124 mostra uma calma relativa, mas eles sabem que não é confiável. Aproveitem e embarquem, o trem vai partir.


Prowler! Prowler por toda parte. O Sunshadower não se importa com exclusividade, quer que na relação comercial as suas vontades sejam feitas nos mínimos detalhes (...) O Chrysler Prowler caiu como uma luva no gosto retrô do cidadão, são mais de mil Prowlers rodando na cidade, alguns customizados por Patrícia para si, seus comparsas e parentes. Pequeno, leve, potente, com cara dos anos trinta e repleto de possibilidades para customização (...) ele foi todo escaneado, exterior, interior e detalhes, para futuras réplicas. E as prototipadoras da cidade já trabalham em modelos de peças para personalização, algumas para deixá-lo com mais jeito de pré-guerra, uma actividade nova para a Gardner Company. O sunshadower é definitivamente um vintagista assumido.

Tanto que algumas revistas especializadas se instalam em Summerfields, para aproveitar essa atmosfera retrô em suas publicações. Até a Macbeth Gym em seu estilo art déco é inspiradora (...) E lá está Patricia, em seu terninho azul estilo Gucci anos 1960, a abordam no percurso para sua casa de solteira...

- Ow, gente nova! Bem-vindos! Estou te reconhecendo, eu assino a revista!

É uma conversa rápida, o percurso também. Logo ela entra e os novatos voltam com dezenas de poses (...) Ela sai minutos depois com a mãe, tão elegante quanto, e a prefeitura é a última parada. Josephine as espera para a solenidade quase secreta, ela as convenceu a aceitarem a designação nobiliárquica de Sua Alteza Real. As monarquias pararam de declinar e começaram a ganhar uma sutil popularidade, dentro e fora de seus limites. Por elas os descendentes também poderão utilizar seus títulos (...) É rápido, elas assinam, a carta é lida por um representante da sociedade heráldica e as princesas podem voltar para suas casas, na companhia de sua divindade artística, a divina, a indescritível, a diva de bilhões, a musa de gerações...

- Jose de Lane!

Jornalistas, paparazzi e mamarazzi se assanham. Procuram alguma pergunta que valha à pena fazer (...) Assim que entram na Máquina de Costura, já era (...) mas aquele enxame continua photographando, com cuidado para não estragar o jardim da frente. Encontram Ana Clara e Elisa lendo o protótipo do livro, se derretendo com a trama. O romance tem correspondência quase cinco mil milhas ao sul, onde Abigail aceita o pedido de casamento de Elias, e de adoção de Sandra. A menina, influenciada pelo pai, é ghost driver de carteirinha, sem saber que é afilhada e prima de duas integrantes. Elas ficam em estado de graça com a notícia...

- A gente vai pra esse casamento! Limpem suas agendas, vamos para Goiânia em Maio de 2002!

- Marcia, você vem também. Você não conhece a cidade onde eu nasci...

- Vocês realmente vão todos pra lá? A cidade tem estrutura pra receber vocês e continuar inteira?

- Não vamos colocar na internet, filhota. Só vamos pra festa e voltaremos na mesma noite.

- Uma hora é mais do que suficiente pra imprensa demolir a cidade inteira! Você vive dizendo que Goiânia é muito precária, que tudo é feito de improviso e vira permanente, que nem rede de esgoto decente tem por lá...

- Oras, mom! Se demolirem a cidade, a gente constrói outra!

- Essa é minha neta!

Patrícia abraça, afaga e sacoleja a menina (...) agendam a invasão relâmpago. Inocente do que ocorre quatro mil e setecentas milha ao norte, Elias acerta o aluguel de uma casa (...) Sandra se assanha quando vê um quintal só seu, já rabisca o que pretende fazer nele.

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Judith assume o albergue, logo após o funeral de sua fundadora. Aquilo é hoje a sua vida, a única coisa que lhe dá motivo para acordar viva no dia seguinte. Recebe de Patrícia e Rebeca o novo contracto, a imensa responsabilidade e a chance de reparar tudo o que fez (...) Elas voltam a Sunshadow felizes com o que viram, a Judith Garrancho é definitivamente passado. Agora pensam em se preparar para as estripulias que o congresso tramita, dignas do estereótipo do capitalismo selvagem. Estão aconselhando a todos que quitem o quanto antes suas dívidas, e evitem fazer outras, porque tempos difíceis se aproximam (...) Ver a CIA agir sozinha, sem poder ajudar é frustrante, mas é o mal menor. Assim que aterrissam, vêem o Airtrain III à sua espera. Um gigante modificado por Brain e Genius, para ser adequado ao transporte de agentes da organização. Maior, mais potente, mais autônomo, super equipado, enfermaria e UTI incorporadas, cento e cinqüenta lugares e dispositivos de defesa. Cores e decoração são as mesmas. Voam com ele no dia seguinte para Madison, gravarão um clipe para o próximo álbum e farão negócios para a corporação.

O clipe é um deboche só. Vacas indo à feira e trocando ouro por esterco (...) Gente trancando seus carros, fazendo reverência e indo a pé, guardas de trânsito de pedestres com cabeça de salmão e até cães levando os donos para passear de coleira. Uma semana e gravam tudo (...) em casa, trabalhando do modo confortável a que se acostumaram e tanto valorizam. Sakura dá origem a uma festa, quando anuncia a data do casamento, eles se esquecem do cansaço e carregam o casal pela casa. Kenji finalmente se mudou para Sunshadow, comprou um Cruze verde e está morando na casa para onde levará a amada. Chamam Zigfrida para ajudar Mikomi, que começa a ter a síndrome do ninho vazio meses antes da cerimônia. A sueca aproveita para (...) colocar as fofocas em dia...

- Gangues de torcedores? É sério, Rê?

- Se chamam de torcidas organizadas, que seriam uma maravilha, se mutilar e matar torcedores adversários não fizesse parte do programa. E são bem tolerados pelos dirigentes dos clubes. A preocupação da Patty, e minha também, é que alguns deles são desafetos de faculdade do Elias.

- Puta que pariu! Isso explica a Nancy estar aprimorando a pontaria!

- Lamento dar mais motivos pra vocês se preocuparem – diz Matthew, chegando da redação. Menor de idade no Brasil é inimputável, e não existem por lá instituições preparadas para recuperar eles, nem vão existir! Esses caras sabem disso e usam adolescentes para finalizarem as atrocidades que cometem, para eles levarem a culpa e os adultos saírem livres. Acham que estamos ruins? O Brasil está cavando fundo extra no poço em que caiu e todo mundo está encantado com a propaganda do governo.

- Tô por dentro dessa pseudo proteção que os demagogos implantaram, Matt... O pó é que a Patty tá mais por dentro do que você...

- Sim, eu sei, tenho motivos pra tirar o Elias de lá. Ele vai passar a lua de mel aqui, com a gente. Rê, avisa seus parentes e escolha alguém pra vir cuidar da Sandra, enquanto eles cuidam de si.

- E você, desfaça essa cara de mártir. Eddie, tenho um serviço pra você...

A sinesteta identifica o problema de longe. Ela começa pedindo à irmã e à sueca o histórico daquela carranca (...) mas o que lhe contaram é realmente preocupante. Trouxe Glenda, para ela ter alguns momentos de folga com as amigas...

- A Proo encasquetou que terminaríamos esse livro neste mês. Ela tá indignada com o filme até hoje!

- Aquilo é injusto! Não faz sentido, é completamente absurdo!

- Vocês já têm leitores betas suficientes ou posso ser uma?

- Na verdade a gente se apressou, ainda não tinha nenhum... Toma, um pendrive com o livro e aqui um pingente que a gente fez na prototipadora, pra identificar nossos colaboradores. A gente correu demais, Proo!

- Mas eu não ia conseguir dormir sem terminar esse livro! Você não imagina o trabalho que foi poder matar alguns personagens sacanas, tive que negociar muito!

Glenda observa aquele pendrive preso a uma pequena tiara vermelha (...) enquanto ouve os tropeços e percalços das escritoras com aquele livro. Ela pede que esperem um pouco e vai falar com a mãe, combina algo reservado com a genitora e volta para as amigas...

- O trabalho de vocês está feito, deixem tudo comigo agora.

Ela sai sorrindo e vai falar com Matthew, ele gosta da idéia e o primerio trabalho da garota começa. Ela se debruça sobre umas folhas de papel, para rascunhar tudo, enquanto os adultos tratam de outro assunto; Patrícia, Rebeca e Zigfrida falando de forma cifrada. De um jeito insuspeito, Rebeca vai ao computador da biblioteca e imprime o e-mail recebido hoje cedo, com novidades, que até agora têm sido bastante agradáveis...

- Gente, eu não gosto mesmo de ficar on line o tempo todo, mas vou ter que comprar um lap-top, tá ficando chato usar computador alheio! Aqui o que nosso amigo viu, quando passou por Goiânia.

Rebeca tem alguma resistência em se disponibilizar para a internet, mas a vida dupla está tornando esse incômodo altamente necessário. Assim que sai, passa em uma loja e compra logo o top de linha (...) Novamente aparece um paparazzo cara de pau e pede seu e-mail particular, novamente ela o manda mamar no touro.

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Por pura falta de prática, e para poupar Mikomi, Robert deixou a cargo da irmã e do cunhado a organização do casamento de Sakura. É coisa simples, Renata foi escalada para celebrar, desta vez com Marcia auxiliando (...) Voam para Nagoya no meio da festa, que vara a noite e só começa a esfriar quando o desjejum é servido, então vão todos dormir. Como manda a tradição, ela volta grávida; Kenji se empenhou muito para isso. Voltaram com presentes, claro, inclusive para a Culture Train, revistas e cartões postais de 1930 a 1955 (...) Então os quatro se dão conta, não têm um website decente.

Uma força tarefa e em menos de um mês, com photos, vídeos e links para milhares de museus pelos Estados Unidos, vai ao ar o Culture Train on Line 2.0 (...) as mídias especializadas alardeiam que “Trocaram o trenzinho à corda por uma locomotiva de verdade”. Os quatro caem na risada, pelo acto falho já resolvido, enquanto Glenda se empenha de corpo e alma no primeiro evento sob sua responsabilidade. Terá ajuda, mas é ela quem deve chefiar o lançamento do livro. Pretendem que seja no máximo no fim do outono.

Algumas ameaças à paz mundial, algumas delas internas, especuladores se passando por capitalistas e tentando enganar os seis, alguns apuros de Elias deixando Patrícia e Nancy de cabelos em pé, shows para desestressar e o ano transcorre na dureza cotidiana. Após muita dor de cabeça (...) a adolescente dá por encerrada a fase de preparação, mas Elizabeth e Prudence ainda não apareceram com a versão definitiva do livro...

- O que há com vocês? O outono está terminando, falta menos de um mês pro lançamento!

- O mesmo que houve com você – diz Prudence. Leitores beta deram o bolo e a gente vai acabar tendo que publicar do jeito que está.

- Então será assim! Tudo pronto? Capa, contracapa, orelhas... Optimo! Já vou mandar rodar, este livro precisa estar em todas as capitais em menos de duas semanas! Seja o que Deus quiser!

Algumas horas para o fim do prazo e os livros chegam a Juneau e Honolulu (...) ela ainda precisa abrir o lançamento em Sunshadow e monitorar tudo no restante do país. Matthew está de prontidão, já tem seus colunistas terminando de ler os exemplares. Fester vai com Melody, parabenizar as sobrinhas. “O Paparazzo e a Princesa” é um divisor de águas, marca a maturidade das duas nas letras...

- A tia Nancy? Então foi ela que espremeu vocês até sair suco de escritoras?

- Acha graça, Miss Wheel?  Experimenta, tenta se sobressair em alguma área pra ver!

- Ela já está sendo espremida também, Betty, sua avó descobriu que ela tem talento pra alta costura. Vejam as mãos cheias de furos de agulhas.

- Alta costura? Jura? Igual ao tio Versace? Você tem que fazer o meu vestido de formatura!

- Deixa de timidez, Rodinha, dá o pendrive pra elas verem seus croquis.

A cadeirante (...) entrega e Elizabeth vê os modelitos. As irmãs arregalam os olhos, se viram para ela e, bem, ela terá (...) seu primeiro desafio de verdade.

As duas não seguram suas línguas e Melody tem um dilema, um sucesso maior do que é capaz de assumir (...) Patrícia sugere o de sempre, que ela abra uma empresa ou, no caso, uma casa de modas...

- A América está carente de alta costura, e o mundo carente de bom senso. Pense bem no caso e me avise quando decidir, te ajudaremos a arranjar boa mão de obra. Até lá, você pode terceirizar a produção de última hora.

- Posso sugerir algo melhor, uma parceria conosco?

Ronald sugere e explica, uma parceria com a tecelagem, para garantir tamanhos, texturas e estampas (...) dispostos a pagar por isso. Com jeito ela consegue envolver pais e irmãs na empreitada.

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Josephine desce majestosa de seu jatinho novo, precisou comprá-lo para conciliar seu trabalho com os assuntos da organização, que ganharam uma dimensão que nem Grant imaginava (...) Mais de mil colaboradores se mostraram aptos e confiáveis o bastante, se tornaram conscientes. É como se um quartel promovesse todos os recrutas a sargento. Agora eles estão treinando gente que nem sabia que fazia parte da organização, estão com escassez de base (...) Toda a imprensa de Michigan está no aeroporto de Sunshadow, para registrar uma das poucas aparições da diva de bilhões, musa de gerações, da majestade estrelar Jose De Lane.

A diva e o herói vão para o abraço, Patrícia os aguarda em seu glamoroso Corvair Monza, de capota baixa (...) Sacolejos e afagos depois, rumam para a Máquina de Costura, com não menos de cem carros atrás deles, não sei direito, poderia contar se esses malucos parassem de dirigir como se fosse uma corrida de demolição. Os motivos da visita à diva retrô são o lançamento do livro e sua neta. Phoebe está brincando com o trem da avó (...) reconhece as vozes e corre para cima, à cozinha, de onde vai para a sala e pula na madrinha, se desmanchando em risos. Ela já está acostumada a ouvir que o pai, os avós e o bisavô vão salvar o mundo, e sempre pede para ajudar...

- Você precisa ser obediente à sua avó, ela sabe tudo o que faz...

Josephine explica à criança como explicou a Richard, respeitando a capacidade de compreensão de sua condição ainda pueril (...) crianças com muito menos talentos e menos estímulos se sexualizam e embrutecem rapidamente pelo mundo. Agora vão às estrelas desta noite, isso inclui Glenda, que só não está roendo unhas porque Eddie a obrigou a usar luvas (...) Quando chega a tarde, vão todos para o centro de convenções, que tem agenda lotada até o fim do ano. Quando chegam, Glenda liga os sessenta monitores, ao menos um para cada local de lançamento e a noite de autógraphos tem início.

A crítica se divide, uma parte lamenta as garotas terem “perdido a aura de inocência que imprimiam até então”, a outra festeja que finalmente tenham escrito para os pais de seus leitores habituais, mas ambos se assustam com a crudeza de algumas cenas (...)  Mas o sucesso é o esperado, todos querem ver a nova fase das irmãs Petty Prado. Não deixarão de escrever histórias simples e reconfortantes, mas sexo, violência e sordidez farão parte de alguns títulos, não necessariamente todos juntos. As conversas com a mãe renderam parágrafos inteiros cheios de mensagens cifradas e subliminares.

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