quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Dead Train in the rain CXXXI

    Dores e doces. A estação 131 mostra a que custas uma pessoa pode aprender a se resignar com o pior, e os bons frutos e essa tormenta silente pode dar. Todos à vordo, o trem vai partir.


À bordo do Corvair, com Patrícia e Arthur na frente, os dois fazem um tour por Michigan (...) é um grande Estado, repleto de paisagens de tirar o fôlego, com alvorada e por do sol capazes de embalar qualquer romance (...) Os dois começam a perguntar o que há com Hollywood, para negligenciar tanto uma região tão bonita. Na volta, Patrícia chama a garota para uma conversa, avisa que será assunto de mulher...

- Seu pai ainda não está confortável, a expressão dele é clara. Por quê?

- Não pense que é desfeita, madrinha, meu paizinho tem um problema que médico nenhum resolveu, até tive que bater na cara de um que chamou de frescura! Ele sente dor o tempo todo, só descansa dela quando dorme...

- Dor onde?

- No corpo todo. Às vezes um lugar mais do que os outros, mas em geral é no corpo todo. Ele achava que todo mundo fosse assim, até me observar e me perguntar se eu não me cansava ficando numa posição por muito tempo. Não existe posição confortável pra ele, por isso eu o mimo tanto, ajuda a ignorar o desconforto. Ele não conta porque já acha normal, nunca teve outra sensação na vida...

- Ele acha isso “normal”??? Elias! Elias, venha comigo, vamos falar com a Rê agora! Amor da madrinha, você sabe que a casa é sua. Lady Spy, cuide dela.

- Rrr mown...

Elias aparece e é logo tomado pela mão. A imprensa ama registrar aquela cena (...) Os dois entram na casa de alpendre amplo e a mulher já pergunta à médium que conversa é essa, que crimes contra o próprio Criador o afilhado teria cometido para merecer esse tormento perpétuo...

- Vamos pra casa religiosa? É o lugar apropriado para esse tipo de esclarecimento...

Vão, dando mais poses e deixando os paparazzi mais felizes. Elias (...) percebe logo que a filha deu com a língua nos dentes, mas Patrícia avisa que pressionou a menina...

- Certo, vamos por partes. Você não quis descer, e hoje muitos lá te dão razão. Sua rejeição ao corpo foi tão grande, nem o sexo era o que você queria, que simplesmente não se ajustaram um ao outro. Sua sensibilidade à dor foi o gatilho para esse desconforto permanente, só que conscientemente você nunca se deu conta, porque não conhece o conforto, não tem parâmetros...

Ela explica o que lhe é repassado, mas todos no ambiente vêem a contrariedade estampada e irradiada pela líder da turma. A falta de amparo durante todos esses anos é o que a irrita...

- Eu quero a indicação de um tratamento eficaz, e quero agora.

- A coisa é mais complicada, Patty. Ele já se acostumou à dor...

- Pelo amor de Deus, ninguém deve se conformar com uma dor inútil! Vocês já disseram que ele não tem nenhuma responsabilidade global para se sujeitar a sofrimentos intensos! Ele veio contra a vontade, em condições que rejeitou, foi humilhado e usado como saco de pancadas por todo mundo e nem assim cedeu a arrastamentos; isso não é sofrimento suficiente??

- O único tratamento eficaz pra ele é o amor. A medicina e a psicologia podem ajudar muito, mas ele precisa de amor. Estão agora se reunindo para formular um tratamento pra ele, mas por agora, o que Frida e eu temos feito é tudo o que pode ser feito, além de boas doses de amor, é claro. Vamos pra casa?

- Certo... Vou esperar. Com licença... Vem com a madrinha, vem.

&

O serviço secreto consegue uma audiência. Star consentiu em a organização se apresentar, com ressalvas, como o fim das represálias aos agentes simpatizantes (...) Tentam em vão rastrear o sinal, mas ele parece sair de lugar nenhum, como se fosse gerado e exibido pelo próprio computador da sala; façanha dos algorítimos que os Richards desenvolveram. Star põe a mão dominante na vertical, dividindo o rosto e começa...

- Eu começo agradecendo, por terem compreendido a necessidade desta decisão. Por mim jamais nos anunciaríamos a este governo, algo que mesmo os ex-presidentes correligionários aconselharam. Infelizmente nossos gênios concluíram que é menos arriscado e danoso saberem quem somos do que pensarem o que acreditam que somos. Beyond, sente-se ao lado de Princess, desta vez não faz diferença, eles nos reconhecerão a todos de imediato...

Longe dali, os agentes simpatizantes dizem como cada um deverá ser chamado, sempre pelo codinome, revelando apenas a posição de cada um no monitor, não suas identidades. Tudo explicado (...) dão o sinal verde, desbloqueiam o acesso e...

- Que brincadeira é essa???

- Surpreso, monsieur  Late Century?

Agora perceberam que não é uma brincadeira. Ficam calados enquanto ela fala a respeito da organização (...) do que sabem sobre a agência e planos em andamento...

- Só o presidente sabe disso!

- Mais de duzentas pessoas sabem disso. Se fôssemos o que vocês acreditavam, teríamos liquidado facilmente com vocês.

- O que vocês querem com tudo isso? Isso é loucura, parece que estou em um talk show!

- Compreendemos, parece ser porque não temos certas formalidades e nossa noção de hierarquia é outra, isso se reflete no que os senhores estão vendo. Bien, dentro das regras estabelecidas, podem iniciar com suas perguntas... Um de cada vez, s’il vous plait.

De fora da biblioteca, Elizabeth e Prudence cuidam para que Phoebe e Sandra fiquem comportadas, na medida do possível...

- Não, fala sério, o que eles estão fazendo lá dentro que não podemos ver?

- Salvando o mundo – repete Phoebe.

- Não faz sentido... A não ser que as lendas sobre a madrinha... Ela é mesmo agente secreta?

- Well... O que a gente conta pra ela?

As moças tratam de contar o que lhes foi permitido saber (...) todos lá dentro são agentes e toda Sunshadow sabe disso, mas mantém discrição. A passagem de quando Elizabeth tentou entrar escondida para ouvir algo e resultou na adoção de Prudence também entra...

- Uau... Conta mais! Conta mais!

- Contar o quê, Sandra? Tenho certeza de que essas duas contaram tudo o que sabem que eu faço. Restou alguma dúvida?

- O que vocês fizeram hoje?

- Colocamos o governo no lugar dele, mostramos que não deve se meter conosco, enfim, o trivial. É só. Rick, eu vi os planos para a turnê, pode levar adiante...

Tratam dos assuntos civis, fica nos registros da organização o que fizeram na reunião de hoje. Dizem à brasileirinha que um dia ela saberá de mais coisas (...) ela fica excitada e toma isso como uma promessa, então muda o assunto...

- Madrinha, posso pegar umas lascas de côco que tem na geladeira?

- Eu já disse que você pode se servir...

- É que eu queria fazer cocada... Aprendi a fazer doces, pra vender e pagar a viagem pra cá.

- Você é doceira?

- Das melhores – diz Elias, chegando com Enya. Cocadas como as dela são muito caras.

- Amorzinho da madrinha!

- Minha discípula! Eu quero aprender!

- A priminha vai matar minhas saudades de uma cocadinha?

Seus ídolos, seus amigos, seus salvadores, sua família, enfim, hoje aqueles seis são tudo para ela. Vai feliz e serelepe à cozinha (...) Duas horas e ela esbanja não só competência, mas também criatividade. Viu goiabada cremosa, olhou para os outros doces e teve a idéia de fazer cocadas recheadas, além das tradicionais...

- Mulher, quê que é isso??? Você tem que tentar vender isto, vai ser um sucesso!

- Dee, vem cá, temos uma proposta pra vocês. Uma doceira como você não pode ficar desperdiçada!

Audrey (...) poucas vezes comeu cocadas em território americano, sempre pagando caro por tipos muito simples e minúsculos...

- Nhum... Noss... Nossa! Quê que é isso, meu Deus??? Menina, você não é deste mundo! Cadê o Ricky? Lindinho, tem certeza de que não te sedaram e roubaram esperma?

- Nem brinca! A Marcia está ficando pior do que a vovó!

- Nós o quê, amado?

Vieram ver mais uma do prodígio e pegaram a conversa no auge. Nancy gosta da semelhança de temperamentos, tem conversado mais com a moça. Por agora querem experimentar e aprender a fazer aquelas cocadas. Algumas são oferecidas a clientes da chocolateria (...) a aceitação faz a idéia da “Sandra Cocada” nascer. Audrey e Melinda se encarregam dos trâmites, querem que a garota treine pessoal para a nova marca de alimentos. Enya faz questão de emprestar-se à campanha de lançamento.

&

Os dois são oficialmente apresentados aos fãs na abertura do Dead Train Sunshadow Fan Week (...) Josephine praticamente monopoliza os dois, quer ver as nuances do trabalho que Elias fez com a filha. O livro já foi para a editora, com ilustrações de Sandra e Phoebe. À noite, na Máquina de Costura, a diva chama Patrícia e Arthur...

- Phoebe está aproveitando de algum modo essa técnica pedagógica do seu afilhado?

- As duas viraram dois grudes, trocam idéias e experiências o tempo todo. Phee já começou não só a exibir os efeitos, como disseminar entre os amigos o que aprendeu com a Sandra.

- Percebi como estão entrosadas, parecem ter nascido e crescido juntas.

- Essas estrelas em seus olhos – diz Arthur, de modo cifrado – querem dizer algo mais.

- Você acertou. Seu primo transformou em um gênio uma menina que tinha tudo para ser um pouco acima da média. Os nossos precisam se beneficiar da pedagogia que ele criou, e Sandra seria muito bem-vinda entre nós.

O casal se olha, medita até ouvir “Não sei no que a madrinha está envolvida, mas quero ir com ela nem que seja pro inferno” de Sandra falando a Nancy...

- Ok, eis a sua resposta! Amorzinho da madrinha, venha cá! A Mascote vai amar saber disso.

Ela vai serelepe e é recebida com beijos e afagos (...) lhe passam algumas regras e ela diz de pronto “I agree”...

- Mommy, pega um pouco mais no pé dela, agora é uma das nossas.

- Você sabe que se meteu em uma encrenca, mocinha?

- Sim! Mal posso esperar!

Rebeca toma conhecimento, abre um sorriso enorme e vai para a sala de armas, fazer o planejamento. Sandra não tem a genética e o intelecto nato extraordinários de Phoebe, mas a mente livre, o condicionamento físico e a força de vontade que desenvolveu ajudam a equilibrar. Endurece com ela no treinamento, até a neve começar a cair, então Phoebe (...) cuida de prolongar a prática. Com a neve vem uma surpresa para Elias, a caixa com os livros de parábolas.

No Brasil, o buchicho se alastra. Photos e notícias dos dois são divulgadas na mídia (...) dando mais oxigênio à guerra contra torcidas organizadas (...) os desafetos se dividem entre os que os enxergam como ameaças e os que apenas se ressentem de não poderem ter um pouco desse prestígio. Os ex colegas de faculdade vão à casa dos parentes, tentar contacto com eles, se não for pedir muito; sabe-se lá como está a agenda e a quantas andam os tratamentos que ainda fazem...

- Valeu, dona Chica... Alô?

- Boa tarde aí em Goiânia, é Renata quem fala. Você deve ser a Fabricia, queria muito agradecer pelo apoio que deram ao meu primo...

Ela treme, sua, passa mal, se segura em pé porque quer continuar ouvindo a diva do pop rock. Francisca diz aos outros que foi Renata Rodrigues quem atendeu e eles também passam mal (...) começam a chorar...

- A Patty está com eles, para exames de rotina, mas estou gravando a ligação, ela vai gostar de ouvir uma amiga de verdade do afilhado.

- E vou mesmo! Passe pro viva voz.

Choro, histeria, desmaios, gente rezando de joelhos, coisas de fãs. Após ouvirem “Vocês têm minha gratidão e minha amizade” de Patrícia, suas vidas não são mais as mesmas. Quando chega ao seu (...) apartamento, a negra em estado de graça vai ao computador, ver a caixa de e-mail. Lá está o de Elias, tratando do telephonema e lamentando não ter podido falar com eles. Ela responde “Cara, tipo, a gente te perdoa de tudo. Você agora é nosso ídolo”.

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