sábado, 12 de janeiro de 2019

Dead Train in the rain CXXXIII

    O retorno. A estação 133 traz a aterrissagem do sonho, e a total falta de necessidade de se lamentar por isso. Todos à bordo, o trem vai partir.


Carolina acompanha Richard e Sandra até o carro. O Tesla Roadster do avô ficou recarregando no estacionamento, durante a tarde inteira de visita, que mostrou à visitante que Detroit ainda está viva (...) Vêem três sujeitos rindo, fazendo gestos obscenos e agressivos, ao redor do carro...

- Ai, gente, eu não solto fumaça, sou cheirosinho, silencioso e gosto de dar o rabinho!

- É por causa desses viados que o mundo tá do jeito que está! Vou descer porrada e meter até o talo no baitola! Cadê a bicha dona desse...

- Sou eu.

A extensão horizontal ocupa todo o campo de visão. Os mais de duzentos quilos de músculos densos e explosivos em 2,08m de altura se aproximam dos três valentões, que ficam paralisados, olhando para cima e gaguejando diante da cara de mau...

- É... É eléctrico?

- Esse fio não é para pular corda. Sim, é eléctrico. Você disse que vai fazer o quê comigo?

Um som esquisito e um cheiro desagradável encerram o drama, Richard (...) Decide encomendar um também. De volta à Máquina de Costura, a garota narra com deboche e detalhes o episódio. Chega Matthew no auge das risadas, com uma notícia sobre Elias. Tem muita gente revoltada com o livro, uns por conta de divergências ideológicas, outros afirmando que só “o Senhor Jesus tem o direito de contar parábolas”, outros ainda vestiram carapuças, alguns pedagogos se indignaram que seja para se ler com as crianças, que devem ser protegidas de tudo e viverem só de alegrias (...) ele conseguiu muitos inimigos, até herdou boa parte dos da madrinha...

- Avisa que tem fila. Manda pegarem as senhas e aguardarem a vez.

Já passou por coisas demais para ter medo por tão pouco. Volta ao namoro, Sandra ao seu e sugere que ele faça o mesmo. Matthew acata a sugestão e vai ver se Renata ainda está no banho (...) Sim, lá está ela, quase sexagenária, linda, escultural, debaixo da ducha, com a água escorrendo em pontos estratégicos (...) na semana seguinte a gravidez é confirmada. Ela está tranqüila, mas os médicos não (...) A notícia vaza e o Dead Train volta à mídia bem antes do planejado. Ela vai ao seu blog, esclarecer a situação, desmentir os riscos de aborto e os boatos de que estaria doente. Assim que terminam de carregar Matthew pela casa, os cinco vão ter consigo, reiterar o pacto de cuidados e mimos à gestante, cercada pela mãe, pela filha e pela irmã...

- Tô legal, Mascote. Só vou precisar de cuidados, mas isso a gente consegue.

- Eu sempre quis ver minha mãe grávida, acho que é porque não tenho lembranças dessa fase da vida! Vou paparicar ela até o último segundo.

- Todo mundo vai, vamos começar por replanejar detalhes da turnê. Ah, claro, a Jose já reivindicou ser madrinha da criança – avisa Patrícia.

A diva vai com Nelson o mais rápido que pode, quer ver os exames, se inteirar dos cuidados já providenciados e acrescentar os seus. Phoebe reivindica o direito a ser a primeira a trocar as fraldas da tia, e no furuto dar-lhe lições de moral dizendo que o fez. Quando vão ao primeiro show do ano, levam Elias e Sandra (...) incognitos, vêem os protestos de carinho dos fãs, especialmente para Renata. É tudo muito grandioso e complexo, os detalhes são muito bem cuidados, a acústica é perfeita, os seis realmente cantam e arrebentam na apresentação. O intervalo é frugal, mas completo, Sandra observa Deborah e Eddie aplicarem as massagens, experimenta com Rebeca e poucos minutos bastam para se tornar necessária...

- Ah... Mais pra trás... Oh... Mais pra frente... Hum... Minha discípula querida!

Ela gosta de ser necessária. Os músicos de apoio fazem fila mesmo depois de terem recebido massagem, Deborah pede desculpas, sabe que as jovens mãos da menina estão cansadas, mas quer ver como ela faz...

- Elias, muito obrigada por não ter desperdiçado ela... Ah... Hum... Oh... Oh... Oh!

Ela tem um orgasmo diante de toda a equipe absorta (...) Eddie resume tudo com “Menina, você é perigosa!”. Isso fica nos bastidores, o que vai à mídia é uma gestante quase sexagenária cantando e dançando por quase duas horas, exibindo boa forma e resistência física. Comer frutas inatura quase sempre duras, e guloseimas consistentes, se reflete no tônus muscular do rosto.

Tobby e Julia se antecipam aos desafetos e usam a “doce garota dos trópicos” como gancho para uma entrevista com artistas e profissionais de sucesso que foram mães com idades avançadas (...) como Renata. Ela anota todas as dicas dos entrevistados, dos médicos ouvidos e dos netos que se viram como babás dos tios. Agiram rápido, porque os detratores chegam com carga pesada (...) o inferno é o limite. Elias se agarra preventivamente à filha, que bufa e sente o sangue ferver, faz gestos obscenos para a televisão e sinais de “eu te pego lá fora”. Patrícia liga para Rebeca, que solta uma gargalhada sonora, depois para Renata, que acha muito fofo ela querer esfolar o canastrão vivo por sua causa.

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Julia (...) decide ir ter com a menina. Aproveita o ensejo da entrevista com as mães idosas para puxar conversa (...) Diz-lhe que não precisa se preocupar, que há milhares de fãs de elite de prontidão para defender a banda, como os que os socorreram e transferiram àquele hospital (...) Patrícia (...) espera as duas terminarem o longo reconhecimento para se aproximar. A explicação convence, não agrada, mas convence, será melhor para a menina ter um gradiente para se acostumar a fazer parte de um grupo realmente grande e com objectivos mais elevados...

- Me cultuar é um objectivo elevado?

- Yes!

- Não é só um culto de fãs ardorosos, você sabe o quanto é valiosa para a nossa gente. Além do mais, esse degrau produziu muitos colaboradores de nível.

- É verdade, eu dou o braço a torcer. Mil e quinhentos de uma só vez, você está de parabéns. Mas eu quero que ela curta a infância até o fim, entendeu?

- E tem infância mais gostosa do que o colo da madrinha? Veja a carinha deja! E o grude que virou com a Phee? As duas vão debutar juntas, na nossa gente.

- Você sempre acaba me convencendo... Mas isso não me despreocupa. Sandra, vá lá fora se sujar no jardim!

A ordem é se jogar nas prerrogativas de seus anos dez e tirar deles tudo o que têm a oferecer. Encontra Phoebe ainda na entrada (...) a puxa para o jardim e transmite as ordens, depois conversam sobre o futuro.

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De repente a ficha cai, os papéis começam a valer menos do que a celulose em que foram impressos e bairros (...) começam a esvaziar. Os abrigos temporários (...) tornam-se endereços fixos, cortiços de alto padrão, em contraste com as favelas que sarampeiam em algumas cidades. Dói no cidadão, mais do que o escárnio dos inimigos da América, o cinismo da Casa Branca que insiste em respostas retóricas e ensaiadas (...) Patrícia se deprime, Sandra é contida por Elizabeth, que explica a necessidade da mãe em ficar só, nessas horas...

- Meu paizinho também tá assim, Betty!

- Oh, no... Dois depressivos crônicos simultâneos na mesma casa, é demais!

Ela vai ver e se assusta. Enquanto a mãe exprime desolação, ele exprime uma dor difícil de descrever. Manda Sandra ir falar com Renata, ela vai falar com a avó, espera que já tenha chegado em casa (...) Com a gestação ainda recente, Renata vai rápido à Máquina de Costura, Nancy acerta o passo e quase corre. Patrícia ainda consegue um “mom?”, Elias mal consegue respirar. Os dois são postos no mesmo sofá assim que saem de seus transes, Renata chamou os outros (...) A reclusão dela eles sabem o que causou, mas a dele parece ter sublimado de alguma fenda no solo e tomado conta.

A tarde chega sem uma solução, mas também sem as carrancas. Zigfrida chega no início da noite, com Solveig (...) quer descobrir a senha do wifi que conecta os dois e suas crises depressivas. De cara identifica o sentimento de impotência como um provável gatilho (...) Sabe que tem bons paliativos, dois deles estão em franco progresso; Sandra Cocada e BYOP do Brasil. A sueca pede que se empenhem no sucesso dos empreendimentos...

- Vocês vão ver, vai ser mole! E a chance de você passar para ele a sua experiência é impar! Agora... Como é que vocês se ligam, heim??? Telepatia?

- Este aqui, Frida, é o gêmeo que o Ricky não teve. Cara, ele se solidariza comigo no grau mais alto, leva às últimas conseqüências o lema “sua dor é minha dor”!

- O mesmo se aplica à discrição, Né? Como vocês têm conseguido esconder Giovanni e Enya desses paparazzi que brotam do chão?

- Sabe aquele ditado “quem não quer dispor que não faça propaganda”? Por mim eles não ficam sabendo nunca, mas sei que é pedir demais, cedo ou tarde me flagram com Enya.

- Já te deram dicas para esse relacionamento de longa distância? Não sei se vocês vão se casar, mas se forem, até lá serão viagens bem longas!

É o que Renata trata com Sandra. Avisa que as crises de ciúmes podem aflorar, pelo assédio (...) No Brasil a sua matrícula em um colégio espírita já foi providenciada, com a direção prevenida sobre o caso da genialidade construída (...) Os dois não estão na moleza, pelo contrário, mas como aqui o trabalho duro não é visto como castigo, estão gostando e se tornando mais resistentes, especialmente com os exames pós operatórios concluídos, só precisarão voltar para os acompanhamentos, que incluem a dor crônica e ainda inexplicada do rapaz, que não é só fibromialgia. É a melhor fase de suas vidas.

Enya volta de um ensaio a tempo de aproveitar as últimas semanas de namoro, antes da separação. Giovanni pergunta a todo momento à amada se realmente precisa ir. Mas eles voltarão, precisarão voltar (...) A Sandra Cocada é inaugurada na última semana, após meses planejando, treinando pessoal e selecionando fornecedores, a abertura da firma em si foi simples e rápida, ao contrário do que a Be Your Own Press está enfrentando no Brasil. Mas nesta fase eles já podem começar a treinar o pessoal, e é para os amigos de faculdade que Elias faz a proposta, por telephone...

- Então chame os outros e vão agora para a casa da minha tia, não podemos esperar muito mais. Lá tem material para vocês estudarem, inclusive o estatuto da empresa. Chegando aí, eu assumo o treinamento de vocês.

Ele era de longe o mais pobre da turma, já andou quilômetros com os sapatos remendados (...) agora é o chefe dos oito. Eles chegam lá em menos de uma hora, prontos para meter um pé nos fundilhos das empresas picaretas terceirizadas de telemarketing, querem respirar, poder urinar sem ligar uma sonda até um ralinho no chão, poder olhar para os lados, comer devagar e, principalmente, nunca mais ter que dizer “senhor, estaremos estando gerundiando” com voz de pato. Começam a treinar e receber uma ajuda de custo de imediato, não precisam mais colocar seus pés naquele pardieiro. Em Sunshadow as pessoas começam a se despedir deles, com caras de “Vocês não precisam ir embora, podem gerenciar tudo daqui”, mas eles precisam. Pelo menos a primeira fase deve ser presencial.

O Airtrain os leva com a Lambretta, os objectos de uso pessoal, souvenires do Dead Train, publicações difíceis de se encontrar no Brasil, presentes, lap-tops e smartphones (...) arquivos de imagens digitais e impressas, Arthur, Patrícia e Rebeca (...) Foram também dar instruções pormenorizadas e precisas para os colaboradores da organização, o que inclui ficar de olho em Sandra.

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Há um Ford Fusion esperando por eles em Brasília. Chegam muito cedo, vão para o carro e a bagagem (...) vai para um Mercedes-Benz 1618. Deprime os três o brasileiro considerar aquele carro um modelo de alto luxo. Reconhecem Patrícia de longe, logo reconhecem também os outros. É difícil não ver aquela mulher tão alta com aquele vestido vinho rodado de mangas levemente bufantes. Desta vez elas têm tempo para dar o devido carinho ao seu público (...) imprensa descobre e lota o aeroporto, mas eles já foram. A menininha mandona conhece o caminho e dirige, com Arthur ao lado.

Pela janela, já em Goiânia, Sandra vê com certo horror os ônibus que costumava utilizar. Acostumou-se rapidamente ao metrô de Sunshadow, aos mimos dos carrões americanos, alemães e suecos, reza para que não precise mais dos paus de arara encarroçados...

- Não precisa fazer essa cara de terror, você não vai mais precisar dessas carroças motorizadas.

Enche o pai de beijos. O problema não é não se misturar (...) é o completo desprezo para com o usuário. Na casa nova há um discreto Honda Fit CVT preto com kit Gardner Hybrid Hub 30hp à espera deles, a Lambretta agora (...) só sai em fins de semana e feriados. Chegam ao setor Coimbra (...) andam um pouco e chegam à casa nova, onde a família espera pelos regressos; família, amigos, fãs, jornalistas, paparazzi, mamarazzi, vendedores de picolé... A chegada é transmitida e a histeria se instala assim que Rebeca sai do carro, quando Patrícia sai, causa um parto de emergência e os três precisam ajudar. A casa nova estréia com um visitante chorão e manhoso. A ambulância não tarda a levar a mãe feliz (...) vai chamar o menino de Arthur Elias. A imprensa delira, agora tem uma celebridade instantânea para expor e explorar em shows baratos.

Entram, finalmente, mas ninguém sai da porta da casa. É bem acabada, três quartos, um deles suíte, jardim na frente, quintal espaçoso com uma pequena piscina, a parte materna da família quase toda presente e seus amigos empregados prontos, tremendo, lacrimejando e rezando diante das divas. Patrícia reconhece uma voz, olha para trás e identifica logo a moça com quem conversou...

- Você é a Fabrícia. Eu conversei com você, quando ligaram pra Rê. Vem aqui, eu preciso agradecer pelo que fizeram pelos meus afilhados!

Sua majestade ganha mais oito súditos entorpecidos (...) começa a distribuição de presentes, incluindo exemplares de “Parables of Elias”. Sandra pendura sua espada acima da cabeceira da cama, avisa que não dá para contar toda a história agora, é coisa para mais de ano conversa. O namoro com Giovanni, porém, fica sob sigilo enquanto for possível. O rapazote está inconsolável, sente o perfume da namorada em todos os lugares onde estiveram. Ela também sente falta de algo, algo maior e mais debochado do que ela.

Não ficam por muito tempo, conversam em código com alguns colaboradores e dois deles vão consigo para Sunshadow (...) Sandra acorda cedo com o pai, para os exerecícios a que se acostumaram, mas são só os dois naquele quintal. Em Sunshadow há duas ausências, ao fim do treinamento Phoebe olha para os lados, procurando o que falta na paisagem. Vão ambas iniciar o fim de semana, a brasileira vai conhecer o colégio onde começa na segunda-feira.

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