Dead Train in the rain CXXXII

    Amores invernais. A estação 132 mostra que a reclusão entre os queridos pode ser mais proveitosa do que uma noite festiva de verão. Dêem-se as mãos e embarquem, o trem vai partir.

Correr lá fora é para os alces, Sandra se aboleta com os demais, ouvindo da madrinha histórias de vida e da carreira, como o caso de Melinda Gonzáles. Fala de amigos que ficaram pelo caminho, a maioria lutos muito caros, mas mesmo de luto precisaram tocar suas vidas (...) Fala também da festa que tocam no mundo há mais de quarenta anos, de casos dos bastidores, coisas que a imprensa não soube. A turnê no Brasil teve vários, começando pelas crianças que não queriam se separar dos pais, depois o ataque de ciúmes de Nancy, o que fez famílias inteiras viajarem milhares de quilômetros para acompanhá-los. Patrícia às vezes tem a impressão de que viveu duzentos anos.

Com um lap-top ela mostra parte do astronômico acervo de imagens da banda, são milhões, conta detalhes sobre cada cena (...) Vem uma com Naomi, estava com a neta no colo, no jardim da casa destruída, quando Richard apareceu com uma câmera e clicou de surpresa. Era um bebê muito fofo. Patrícia apóia o rosto na mão direita e sorri (...) Sandra pergunta sobre o lance de ser princesa...

- Bobagem eu falar que pra mim você é uma rainha, né?

Uma das grandes contribuições de Sandra (...) é a alegria que sua espontaneidade produz no ambiente. Os risos duram bastante, então sua alteza fala a respeito, mas frisando que (...) isso nunca refrescou em nada o cotidiano deles. Mas que adorou poder esfregar seu título nas fuças do doutor analphabeto, ela adorou. Julia amou quando soube dessas afinidades, pensa em recrutá-la em breve, assim que Patrícia deixar.

No decorrer do inverno, Sandra aprende a dirigir no Peel P50 (...) com maestria, a ponto de a madrinha deixá-la experimentar, em ambiente fechado, uma volta e algumas manobras com o Impala coupé 1960 preto e branco de sua coleção; com poucas correções ela manobra como veterana. Não tem jeito, para ser justa cede também a Aubrey e Phoebe, com ordens expressas de não pegarem o volante em via pública. Depois trata de acalmar Elias, promete ficar de olho na pequena encrenqueira para ela não o pegar de surpresa fritando pneus a um Opala 250S...

- Você conhece a peça como ninguém, eu sei, mas dê um voto de confiança, ela não vai querer me decepcionar.

- Em situações normais, não, mas você nunca a viu irritada, aquela primeira aula de esgrima não é metade do que eu já vi.

- Sério? Ela já machucou alguém?

- E a si mesma. Muita gente, muitas vezes arrancando dentes com os punhos. Ela não era chamada de “Sandra Pancada” à toa! Já pulou em cima de um carro que furou o sinal e quase nos atropelou, acho que o motorista não reagiu por perplexidade, porque ela fez um estrago severo da grade ao para-brisas e retrovisores. Deve ter ficado muito caro, era um carro importado... Um Renault R19.

- Ah, carro barato... Quer dizer, aqui ele seria barato... lamento pelo baixo padrão brasileiro.

- Como você conseguiu controlar esse remake de Rebeca?

- Só Deus sabe, Arthur... Houve vezes em que eu pensei que ela fosse se render ou formar alguma gangue, ela foi assediada um monte de vezes e todo mundo achava normal. Parte dos desafetos dela são malas que não conseguiram cooptá-la... Era pequenininha, mas era fogo!

- Well, agora ela faz parte da nossa máfia, não tem mais espaço para amadores a assediarem. Até a Lady Spy aceitou o colo dela! É bom saber deste ponto, facilita lidar com ela.

Viram-se para a porta da biblioteca, Prudence estava ouvindo tudo na mais absoluta discrição. Os chama para uma sessão de photos, Elizabeth insiste em ter o maior registro possível da visita, e as luzes natalinas convidam a um álbum de família.

&

Mandy finalmente vê a ficha cair. Olha para os pais, a receita que ganhou, escrita em latim, suspira e se conforma...

- Não sou mais criança...

- Não para a maioria das coisas – responde Jean Pierre.

- E então, o creme será puro ou temperado?

- Posso salpicar com açafrão?

- Vai ficar uma delícia, minha filha! Vou ligar para o seu avô!

Ronald faz a festa em casa, a neta finalmente se deu conta de que será a mandatária da casa do pato preto (...) Marie também liga, avisa que Jackes vai fazer as honras da casa neste ano. Lucille olha para Luis, ele ouve “Vamos falar a respeito, mocinho” sem a mãe precisar abrir a boca. Diana e David chamam os amigos mais próximos para um cocktail comemorativo. A neve que se dane.

A toada mansa é aproveitada para mostrar a Elias e Sandra coisas que não demoram muito mais a desembarcar no Brasil (...) Ele, aliás, já trabalha no negócio da Be Your Own Press, e ajuda a gerenciar a Sandra Cocada, além de receber pela venda e reprodução do livro (...) Enya está estudando brasilianismo, sabe que precisará voar com alguma freqüência para o Brasil. Lá fora a temperatura despenca para os abismos do inverno michiganian, deixando os paparazzi mais recolhidos e tolhendo-lhes a visão do espetáculo, Phoebe atravessando quase um metro de neve até a Máquina de Costura, apenas com um agasalho leve...

- Saudações, mulher de Plutão! Cara, vocês não têm um inverno aqui, isto é uma glaciação! Daqui a pouco aparece um mamute vagando pelas ruas!

- Oi, Pancada! Fiz umas coisas na impressora 3D e queria sua opinião.

- Madrinha, vem segurar a Phee, senão ela sai quase pelada na neve de novo!

- Meu Deus, Phee! Elisa, traga uma caneca bem grande desse chocolate, rápido! Você não sai daqui enquanto seus pais não vierem te buscar, mocinha, e de carro!

Demora, as duas trocam idéias sobre aqueles pingentes materializados com cálculos de topologia. Sandra já ultrapassou a altura do pai, não que seja muito difícil, Phoebe já ultrapassou 5’4” e começou a acelerar (...) Vêem pela porta um VW 1303S preto parar, pela porta do carona mesmo Elizabeth puxa Gregory, quer que ele experimente a cocada da prima. Pede que a garota lhe apresente os sabores e vai falar com os pais...

- Mom, dad... I... I fucked… Eu juro, tomei todas as precauções, o Greg quase desistiu, mas foi...

Vão acolher a filha, que parece uma adolescente falando da primeira transa. A carinha de idiota já denunciaria tudo, mas ela preferiu contar do seu jeito. Prudence não teve problemas, antes dos dezoito já tinha convencido o namorado a pensar a sério na vida a dois (...) Já viram que logo as duas batem asas e vão para seus próprios ninhos, muito provavelmente lhes dar mais netos, rezam que sejam encrencas tão grandes quanto elas foram nestes anos todos. A notícia é dada a quem tem direito de saber, e é muita gente, incluindo a madrinha da moça, que sai do conforto invernal da Califórnia para a prévia da próxima era glacial em Michigan.

Elias se despede da filha. A garota, já quase cem por cento recuperada e com duzentos por cento a mais de carga (...) adormece no sono dos justos. Ele desce e se junta aos outros adultos. Seu coração amorna com as boas perspectivas, que não tinha nem nos delírios mais loucos (...) Não pode mais dizer que é um fã, lhe deve tanto que seria o que ela mandasse ser...

- Vem cá... O pessoal de Goiânia está providenciando uma casa nova, aquela não lhes serve mais e já ficou muito visada. Antes de vocês irem, eu gostaria que participassem do primeiro show da gente, em Fevereiro, na volta cantamos no aniversário da Rê...

Dão-lhe o remédio que Renata indicou, amor em doses cavalares, com mesmo os temas mais sérios tratados em tons bemóis e andamentos suaves. Ela conversa com Matthew sobre Glenda...

- Não, ela não está brincando de wicca, e não é exactamente uma wiccana. Eu vi a aura dela, vi quem a acompanha, a menina é uma bruxa poderosa, já ajudou muito com limpezas pesadas na casa religiosa.

- Então eu tenho mesmo que levar à sério quando ela diz pra não pisar no jardim das fadas? Não é só um diorama retrô com bonsais bonitinhos?

- Não, aquilo não é brinquedo, por isso está em uma parte privativa da fazenda.

- Será que ela indicaria uns amigos? É uma boa pauta pro caderno de esoterismo!

- Podemos perguntar amanhã cedo, agora ela já se recolheu.

Ela concorda em dar uma entrevista, depois volta ao tatot, que faz revelações bombásticas a respeito de um príncipe do reino e uma imperatriz com ás de paus. Pega seu pêndulo de quartzo rosa, escreve alguns nomes para conferir, ele rodopia loucamente quando liga os de que suspeitava...

- Você vai dar a entrevista?

- Vou, já comecei a reunir material. Mas tenho um assunto que... Vou tratar com a tia Patty.

- Maluquinha da mamãe está aprontando o quê?

- Toda bruxa que se preze faz as vezes de cupido ao menos uma vez na vida.

- Ah, eu quero ir! Tom, cuida das coisas até a gente voltar!

- Tom, cuida das coisas até a gente voltar. Eu levo vocês duas, e você explica tudo pelo caminho.

A vasta Caprice Wagon última série, preta, vai devagar com as três mulheres até a Máquina de Costura (...) Chegam e encontram justo aquela Grand Cherokee verde e preta, com uma flange acrescentando seis polegadas à traseira, diante da casa. A bruxa sorri. A neve deu um tempo, mas os agasalhos pesados ainda são necessários...

- Olá, que bom encontrar vocês reunidos aqui!

- Ciao, ragazze!

Patrícia e Arthur ficam curiosos para saber o que teria tirado Glenda de sua toca (...) Após o chá quente e os biscoitos, ela começa a trabalhar...

- Tio Enzo, mas o Giovanni está um rapagão, hein!

- Do jeito que come, seria crescer para cima ou para os lados! Por que acha que faço ele malhar pesado todos os dias?

- Eu não como demais, só evito desperdício de comida – responde da cozinha!

- Aham! Abre o saco de biscoitos e evita o desperdício devorando tudo sozinho, cazzo! Não deixa um pra mim!

Pai e filho proporcionam momentos de intensas risadas, até o rapazote sair da cozinha com Sandra apoiada em um abraço (...) Glenda cutuca Patrícia, que se volta para ela com surpresa, a bruxa confirma e a diva começa a ficar feliz e começa...

- Tota, como vão suas aulas de música?

- “Tota”? Seu apelido é “Tota”? Que fofo!

- Ah, non, caspita! Não é para falar isso em público...

- Por que, Tota? Ficou tão mais lindão com ele!

- Jura? Não tá curtindo com minha cara, braziliana?

- No, cazzo, non c’é. Tio Enzo, ele é a sua cara! Será que canta parecido também?

Patrícia (...) cutuca Silvia e mostra as mãos com os dorsos já colados. A texana vê, se volta para ela, abre um sorriso do tamanho de Dallas e empurra o rebento para os instrumentos, quer que ele solte a voz...

- Mas cantar o quê?

- Uma de Luigi Tenco está de bom tamanho.

- Perché? Tem alguém apaixonado aqui?

- Guarda segredo. Canta que o Romeu se revela.

- Ho capito che ti amo, quando ho visto che bastava um tuo ritardo...

Ao piano ele encanta. Enquanto Eddie saboreia mornas bolas ovóides de chocolate ao leite verde claro de seda, Patrícia e Silvia olham para os garotos, se desmanchando quando Sandra põe as mãos contra o peito e suspira. Quando ele termina, ela está lá, sentada ao lado. Ele (...) olha sério para ela, só agora sem o deboche típico, vê a beleza nórdica daquela menina pândega de lábios finos...

- Dio, il Romeu sono io! Ragazza... Io... Io ti guardo e... Ti voglio bene...

O coração dela dispara, os olhos arregalam e brilham. Se abraçam alheios à algazarra que se forma na sala. Elias é chamado (...) Vê a filha tão feliz e serena nos braços daquele garotão enorme, que abraça os dois e se limita a dar as regras, então os libera. Enzo atiça (...) e dá a ficha completa do rebento. Elias volta feliz ao trabalho, deixando a casa imersa em risos. Ana Clara quase surta com a notícia, quer ver de perto. Enquanto isso, do outro lado da cidade nova, Karen e uma colega de cinema ouvem conselhos de Alice...

- Em Sunshadow, vocês sabem que podem ficar em paz. Por mim e minhas irmãs, não tem problema, meus avós eu acredito que também vão absorver isso numa boa... O que mais posso dizer? Cel, larga esse joguinho por uns minutos e chama a vovó.

- Sim, Al Boring. Já terminaram aí?

- Já, Cel Phone. Metade do armário está ociosa, sai aquele ninho de cobras e vem morar aqui.

- Al, eu te amo!

- Você é minha mãe, seria estranho se não amasse.

Em minutos os dois estão lá, deixaram o caçula aproveitando a nova fase da vida. Como a menina séria previu, há um choque inicial (...) mas é só. Claudett Johanstein é amiga da banda desde menina. Com as bênçãos dos pais da moça, ela tira suas coisas do quarto de hóspedes e se muda para a suíte de casal, liga para Los Angeles e manda enviarem em sigilo, todos os seus pertences  (...) O sigilo é o de praxe para a vida pessoal de um sunshadower. Ana Clara e Elisa vão repassar às jovens lésbicas a sua experiência, Claudett mal entrou para a fase adulta, suas últimas cenas de nudez e flagrantes com galãs ainda estão frescos na mídia especializada. Será um choque.