Dead Train in the rain CXXXVII

    A crise. A estação 137 resume o que foi um dos maiores tombos da história da economia mundial; enfim, o mundo ainda está de pé. Todos à bordo, o trem vai partir.

Glenda entra sorridente, ouvindo os risos das pequenas (...) assiste a prima entreter as filhas, após uma troca de fraldas. Phoebe olha para trás e vê a bruxa fora de seu reduto, sorridente, deve ter uma boa notícia...

- A cabeleira que suas avós recolheram, lembra-se? Fiz um vasinho com ela e plantei romã. Pensei em plantar uva, mas romã é a sua cara!

- Amarela, redonda e bochechuda?

Um breve ataque de risos contamina as meninas (...) foi a primeira piadinha que ela soltou em quase um ano. Veio também comunicar que foi cooptada para a equipe da Maison Petty Green. Melody conseguiu Kurt e Luis para ter estampas exclusivas, e firmou parceria com a tecelagem Canard Noir (...) Aubrey e Glenda fazem parte do corpo de estilistas, enquanto a alfaiataria mais tradicional da cidade foi incorporada para fazer as peças exclusivas, mas mantendo a identidade e a clientela cativa.

A noite de gala é uma grande mostra de glamour. Sim, é favorecimento, há o prestígio da banda inteira focando as atenções e os interesses na maison, e daí? (...) foram anos de planejamento e estruturação, é claro que o Dead Train colocaria seus dezoito integrantes para usar a mais alta costura do mundo, saída das mãos de sua gente. O único exagero nas peças é o de deslumbre, os delírios vigentes ficaram de fora, por influência e vigília da bruxa de Sunshadow. Quando perguntada sobre a aparente falta de ousadia das peças, mesmo algumas tendo cortes e modelagens pra lá de insinuantes, Melody, em um vestido púrpura de gola desabrochando de ombro a ombro e costas nuas, responde...

- Não é para as pessoas se lembrarem de mim, é para se lembrarem de quem usa minhas roupas. Eu quero que minhas clientes nunca se esqueçam do que vestiram, quanto aos outros eu quero que nunca se esqueçam de quem as usou.

- Tanto luxo não seria um pouco contramão em uma época de crise?

- Só existe crise para o dia a dia, você é jornalista econômico, deveria saber disso.

- Então, enquanto o trabalhador comum conta moedas, vocês pegam as notas grandes.

- Temos trezentos “trabalhadores comuns” que ganharão muito bem, obrigada, graças a essas notas grandes que vamos pegar. Isto é distribuição de renda, o resto é conversa.

É ovacionada discretamente, com aplausos, inclusive pelo representante da sociedade heráldica (...) Amanhã a tiram da cadeira e a carregam pela maison. Por hoje é glamour, com gente poderosa e estrelas de primeira grandeza prestigiando. Neste meio tempo as seguradoras tomam uma decisão muito difícil, não conseguem mais se endividar para garantir as indenizações (...) Tudo com o que podem contar são imóveis cujos preços absurdamente inflacionados ninguém que pode quer pagar. Em resumo, a América amanhece sem liquidez e o cidadão começa a sacar o que pode antes que suas poupanças também desapareçam, agravando a crise e mergulhando o país em uma depressão sem precedentes. O resto do mundo, gostando ou não, começa a ruir junto. O pavor toma conta do sistema financeiro mundial e ninguém quer emprestar para ninguém, sem garantias surreais (...) empresas começam a fechar precipitadamente as portas e ainda assim seus donos continuam devendo.

Reunião de emergência na Máquina de Costura com todo mundo no mundo todo, inclusive, por videoconferência, Elias e Sandra (...) Como Patrícia previu, amigos, conhecidos e parceiros começam a se comunicar, pedindo ajuda. É muita gente, os pedidos ultrapassam dez bilhões de dólares. Eles têm esse recurso disponível, mas é muito dinheiro para aplicar em negócios que neste momento não têm garantias. São empresas com alguma credibilidade, mas (...) algumas ainda estão pagando os empréstimos do capital inicial. São quase todos mães e pais de família que encontraram nesses negócios a tábua de salvação contra o desemprego, prosperaram sem esperar por isso e agora temem voltar ao pesadelo do subemprego.

À noite, após tranqüilizarem a todos com a promessa de ajuda, eles se voltam para si. Cento e dezoito pessoas estão interconectadas neste momento, conversando entre si para encontrar uma saída plausível, antes que o desespero faça aqueles empresários cometerem uma insensatez por falta de opção. Elias, após uma conversa com a filha, se pronuncia...

- O que eles têm como garantia?

- Nada, meu querido. Nada além de seu patrimônio – responde Patrícia.

- Se vocês, numa hipótese absurda, decidissem pegar um empréstimo, conseguiriam?

- Acredito que somos uma das poucas pessoas jurídicas que têm esse cacife.

- Eles não poderiam pagar de imediato com parcela acionária e usufruir dessa credibilidade?

- Seria realmente muito incômodo, mas até agora é a sugestão mais interessante...

- Eu sei que vocês não querem que a Dead Train Corporation cresça demais, mas no andor que temos é só que daria estabilidade e conseqüentemente credibilidade financeira a essa gente.

- Tem mais empresas ligadas a vocês, né? Então, essas empresas poderiam receber parcelas acionárias, elas cresceriam bastante, mas dentro do controlável, e poupariam a corporação do inchaço... É só uma sugestão, desculpe de tô falando besteira...

- Oh, amores da madrinha! EU AMO VOCÊS!

- Elias, tu sei um gênio! Sandra, agora você vai ser minha nora queira ou não! Todo mundo ligando para os chorões, vamos ver se aceitam e vamos acabar logo com esse clima de velório!

Os chorões choram mais ainda, ligam na mesma hora para os bancos e seguradoras, que (...) também choram de alívio. Finalmente um lastro para evitar a ruina completa. A simples inclusão do emblema da corporação já atrai mais clientela. Alguns (...) iniciam a franquia da Sandra Cocada em sete Estados. O resultado é que não desembolsaram nenhum centavo por agora, ajudaram a atenuar crise ao tirar algumas peças do dominó cadente, deram ao consumidor uma confiança mínima para botar a mão (...) O perigo não passou, mas agora ele pode ser enfrentado...

- Amorzinho da madrinha, como você encontrou essa solução?

- A crise de 1929 foi um dos assuntos que mais conversei com meu pai. Se o mundo inteiro estivesse naquela situação, se realmente todos os habitantes de todos os países afetados estivessem naquela pindaíba, a civilização jamais teria se recuperado, talvez nem existisse mais. Eu pensei que desta vez poderia ser a mesma coisa, que muita gente continuaria tocando sua vida, apenas com mais receio de consumir, mas continuando a consumir! Agora os kits do vô Ritche vão vender mais, porque eles reduzem os custos de operação e manutenção dos caminhões e tratores...

- Ela me chamou de “Vô Ritche”! O Deus de vocês, como fiquei feliz com isso! E você tem razão, essa crise é um forte argumento de venda! Vou ver isso agora! Elias, cuide de minha bisneta!

Os efeitos são os esperados, com o conseqüente incremento de desafetos, gente que queria especular e comprar empresas viáveis por uma ninharia, para desmembrar e vender as partes a preço de varejo (...) Foram advertidos com antecedência, estão preparados, mas sabem que será uma jornada dura e extenuante. Pelo menos Sunshadow ficou de fora de uma das surras, a imobiliária que, aliás, foi a maior e pivô de toda essa crise.

Solveig está deprimido, mas como ouviu conselhos de quem sabe, não está escrevendo a carta de despedida com um revolver carregado ao lado. Os prejuízos não vão levá-lo à falência...

- Fridinha, quase metade de tudo o que eu tinha...

- Mais da metade de tudo o que você TEM está garantido, graças à sua mudança de mentalidade. Será que AGORA meu digníssimo marido banana entendeu o que eu disse em 1957? Hein?

- Entendi... Puta que pariu... O Armstrong! Ele empenhou até a virgindade das netas na bolha!

Cometeu suicídio. O homem que lhe ensinou os caminhos do mercado imobiliário, deu um tiro na cabeça (...) a família não vai receber o seguro, que não cobre suicídio...

- Ele era um sacana... Já dei umas porradas nele, mas a Helga... A gente tem que ajudar eles, Frida! Ao contrário do defunto, eles são gente boa, nunca se envolveram com isso, eles trabalham duro!

- Hallelujah! Vou acender uma vela de Corvair para São Chevrolet! Você finalmente aprendeu! Depois de velho, mas aprendeu! Liga pra eles, pra essa ajuda eu tenho cacife!

A ajuda é bem-vinda, estavam desesperados, a viúva, os três filhos e as sete netinhas, duas ainda bebês. Zigfrida quita a dívida que restou e arranja uma casa no subúrbio de Londres. Menor do que a que perderam, mas muito melhor do que ficar na rua da amargura.

&

Fabrícia se aproxima de Sandra, que de sua máquina privativa gerencia sua empresa, hoje uma rede de franquias em doze Estados. Ela olha aquilo, vê o nome da garota em um monte de lugares...

- Sandrinha... Você licenciou o seu nome?

- Cê não vai acreditar... Madrinha e os outros comeram minhas cocadas, naquela primeira vez. Insistiram e eu aceitei sociedade na Brook’s Hot Chocolate.

- Ah, não! Eu quero uma madrinha assim! Ela me adopta? Desculpa, eu sei que você rala, mas...

- Se você tiver uma boa idéia pra essa crise bicuda! A matriz é no Shopping da cidade nova, esses são recentes, aproveitaram a ajuda pra mudar de nome e atrair mais clientela...

- Como assim, meu? Ajuda de que tipo? Não tô entendendo! Tipo... Cês salvaram essas empresas, é isso?

- Pai, a gente pode contar umas coisas pra Fá?

- Não é segredo pra ninguém, pode contar.

Ela conta das muitas horas de dois dias seguidos de reunião pesada (...) salvando inclusive quiosques familiares, que hoje são a maioria dos franqueados da Sandra Cocada. A tensão das discussões é altamente dramatizada, para ilustrar tudo...

- Cara, eu nem entrei no banheiro! Pulei na piscina, que era mais rápido, me enxuguei e caí na cama! Quase pirei com o estresse!

Praticamente simultâneo, a notícia varre os dois países. “Forgotten” chega a ser tocada no início de um programa sobre finanças, para dar o tom da reportagem. Sem querer eles dão à corporação notícias melhores do que as esperadas (...) Phoebe aproveita essa tranqüilidade para tocar em um assunto com o pai...

- Daddy... Aquele casal novo, que tá morando com o tio Krumb... Eles passaram por plásticas?

Richard (...) fica alerta (...) sabe o quanto é perigoso para uma adolescente saber demais...

- Diga o que notou.

- Mommy pode ouvir? Para mim eles parecem-se demais com aquele casal morto em um atentado na Rússia, no ano retrasado... Parece também que ainda estão aprendendo nosso inglês... Falei demais?

- À noite vamos falar com seus avós. Por agora não comente mais e não se preocupe com isso.

Patrícia chama Arthur, Richard, Rebeca e Krumb, após quase ficar de cabelos em pé (...) O velho Gardner repete que ela não é uma pessoa comum, é uma evolução da espécie...

- Provavelmente Serena e Rose herdaram isso. Minha querida, você sabe que deve manter segredo de tudo isso. Aquele casal não veio a Sunshadow de livre e espontânea vontade, para todos os efeitos os dois estão mortos. As vidas deles dependem de que todos acreditem nisso.

- Boa menina! Gente, temos que avisar a Jose – alerta Rebeca.

Avisam. Star vê pelo monitor uma criança com mais de dois metros, que já é mãe de gêmeas e viúva, que percebeu de pronto o que até a CIA nem desconfiava (...) Não faz muitos anos a última vez que a carregou nos braços, antes de ela começar a esticar como se não houvesse outro propósito na vida (...) Sabe que está diante de uma peça pela qual as agências oficiais de inteligência matariam qualquer um para ter, mas tem bom senso de sobra para não atropelar o tempo, pois...

- Você ainda é uma criança! Encontrei sua avó quando ela tinha a sua idade e o desenvolvimento dela já me chocava, era só uma criança que tinha mais habilidades do que era seguro para tão cedo! Você sabe o que fazer, não sabe?

- Manter segredo e discrição.

- Também. Suas filhas também são minhas afilhadas, e elas nunca me visitaram em Beverly Hills. Quero vocês três e seus pais aqui no fim de semana. Assuntos sérios estão terminantemente proibidos, quero curtir vocês enquanto posso. Patrícia, a Sandra será mais útil do que eu imaginei, traga-a para fazer companhia mais vezes à Phee. Considerarei este sorriso uma promessa, quero você aqui com os bebês neste fim de semana, é uma ordem.

Na tarde de sexta-feira estão os cinco no palacete da diva, com um oceano de paparazzi cobrindo tudo (...) O terninho que usa, de corte Chanel clássico, ajuda a atenuar o grande volume dos seios, mas destaca muito aquele rostinho lindo com sorriso em forma de coração, as câmeras com melhores zoons fazem valer seus preços salgados.