terça-feira, 2 de abril de 2019

Dead train in the rain CCIV

    A humanidade, essa inocente! A estação 204 desenha a extensão e profundidade da inocência do cidadão comum. Todos à bordo, o trem vai partir.


Mesmo gestante, Glenda trabalha duro para vistoriar o museu (...) se atenta aos mínimos detalhes, físicos e etéreos. Algumas larvas astrais, nascidas de queixumes viciosos de alguns operários, são simplesmente fritadas. Usa aquele Delahaye boat tail azul com rodas cobertas como espelho, ajeita a cabeleira (...) e volta aos demais (...) Todos juntam seus dados, aprovam e informam Patrícia. Ela liga para os presidentes dos clubes e confirma o convite, manda uma photographia geral de uma das alas, para adoçar, e eles ficam malucos. Ela vai ver in loco a conclusão dos trabalhos no prédio art déco...

- Woohoo! Bárbaro!

Os seis pavimentos, três subterrâneos, são totalmente ocupados (...) Alguns lugares são cenários de época, onde o visitante pode se sentar e tomar algo, enquanto admira o acervo ou posa para a posteridade (...) Dois dias depois, na companhia dos presidentes dos clubes, inaugura o museu em grande estilo, animando ela mesma com os comparsas o início oficial da visitação pública. Onde está Dead Train, está o jet set, paparazzi que mal sabem de que lado fica o volante fazem comentários rasos, mas apropriados para seu público. Jornalistas do ramo tocam de roda sem saber o que ver primeiro. As onze novatas vêem o acervo secreto de Hassam tratado como uma jóia, que Patrícia não hesitará em colocar na rua (...) Os entusiastas apresentam sintomas de overdose, alguns não acreditando que conseguiram viver para tocar alguns modelos.

Entre os visitantes, agentes de governos esperam pela oportunidade para falar a Princess, sem perceber que Tiamat já os notou (...) O procedimento seria empurrar todos para um lugar reservado e mantê-los lá até poderem ter com eles, mas não há um só metro quadrado no museu que não esteja apinhado de câmeras de visitantes. Ela decide convidar todos para se explicarem (...) São levados ao estúdio de telemetria e em minutos estão diante da cúpula da organização, toda ela armada. Um russo se adianta...

- Nós pedimos desculpas, não queríamos incomodar, mas precisamos muito de sua ajuda. É um assunto grave demais para ser tratado por meios interceptáveis, acho que os colegas de outros serviços sabem do que se trata.

Falam de uma entidade megalomaníaca que está ramificada em treze dos governos mais poderosos do velho mundo, com alguns membros trabalhando directamente com premiers e diplomatas. Dão detalhes, cientes de que podem ser presos e julgados por traição, mas o risco foi calculado (...) Star faz um sinal, Angel se aproxima com seu tablet train, ela acessa o arquivo secreto e mostra o que eles podem ver...

- É ele – exclama o chinês!

- Monsieur, vocês nos pouparam de um ano de investigações, às quais vocês estavam incluídos. Nós já tínhamos conhecimento dessa quadrilha governamental, mas a oposição de seus líderes dificultava nossas investigações. Brain, arme a bomba-relógio. Genius, cuide para todos eles estarem arrebanhados na hora da explosão...

Coordena providências imediatas e eficazes, tranqüilizando os agentes, que agora se vêem no dilema que previram. Seus países não são exemplos de liberdade de expressão e autonomia do cidadão. Eles vêem uma máquina descomunal ser acionada e os conspiradores agrilhoados sem se darem conta, por ação de colaboradores de elite locais. Tudo feito, bomba armada e contagem regressiva iniciada (...) Viram-se agradecidos para eles e raciocinam. Star deixa Princess agir, ela coloca todos os líderes na tela (...) Ela conta toda a verdade que eles podem saber, mostra provas de que aqueles agentes evitaram que fossem assassinados, porque até gente de seus fechados serviços secretos está envolvida na conspiração, que previa até o disparo de ogivas nucleares. Avisam a CIA e providenciam o tratamento que eles fizeram por merecer. Temiam ser julgados como traidores, são tratados como heróis diante das únicas pessoas às quais aqueles homens não podem mentir. Por hoje os agentes são convidados de honra, é um dia alegre para a organização e de alívio para a humanidade, inocente de tudo.

Voltam à inauguração, conseguiram envenenar uma hidra maldosa e não demora muito mais para seus tentáculos murcharem até a morte. A anfitriã vai ao palco, toma o controle e dá as boas vindas oficiais ao seu museu, contando a história e indo rapidamente para a apresentação de alguns daqueles carros extraordinários. A mídia, especialmente a automotiva, tece elogios rasgados com a garantia de meses de assuntos relacionados àquele acervo (...) Algumas transmissões ao vivo pela internet dão o aperitivo. Alguns raríssimos Panhard de alumínio chamam atenção das moças...

- É grande, mas parece ser de brinquedo!

- É fofo! Eu quero uma réplica, porque o original deve custar os rins! A gente pode tirar umas photos? Pode? Valeu.

Clicam (...) querem muito replicar aquele Dyna Z1 1951 amarelo, serve fibra de vidro mesmo. À noite, feliz e extasiada, Patrícia recebe a visita da mãe, que quer saber o que foram fazer com aqueles sujeitos estranhos. Os notou, não adianta mentir...

- Aqueles caras são agentes que arriscaram suas vidas para denunciar gente muito ruim. Gente que faria o Estado Islâmico parecer um grupo de bons samaritanos, se conseguisse o que queria.

- Por que eles fariam isso, os tais agentes?

- O mesmo motivo pelo qual um oficial polonês desertou para denunciar o plano soviético de uma terceira guerra, para poupar seus próprios países de um holocausto nuclear. A imprensa não sabe da missa metade, o que é realmente importante não se coloca em máquinas com acesso à internet. Mas a dica deles nos deu o fio da meada e neutralizamos os canalhas a tempo. Alguns destes vão morrer por isso, mas eles procuraram por isso.

- Não dá pra entender... Minha cabeça não aceita... Parece que o diabo ficou bom, por comparação!

- Pois continue assim, a sua sanidade mental agradecerá.

&

Patrícia entra sem se anunciar (...) e lá estão elas. Aisha e Sabaya escrevendo sob a supervisão de Elizbeth e Prudence. As garotas estão empenhadas na sátira “Os 1001 fins de tarde”, as aventuras de uma adolescente hiper activa nas ruas de Marrakesh. Não tem sultão e nem risco de decapitação, só encrencas do dia a dia ferrando a protagonista (...) Ela volta à Máquina de Costura para tratar de outros assuntos, como as reservas que estão acumulando, para quando a onda de separatismos bagunçar a economia da Europa.

Estão os seis ansiosos para voltarem aos palcos, mas precisam mesmo dar cabo desses problemas. Começam definindo o montante necessário, fixam em oito bilhões para o começo e prevêem mais oito, se a crise persistir por mais de dez anos. Mais do que isso, será necessário interferir na economia europeia (...) Vão ver o que Luppy está fazendo e como podem se divertir com isso. Algo menos travesso acontece em Los Angeles, em um momento de descontração. A velha Zundapp vermelha trafega calmamente pela Sunset Boulevard, sem a menor intenção de ultrapassar os outros veículos (...) não é a primeira vez que aquela motocicleta com seus dois humanos aparece por lá. Um policial os aborda e pede que encostem, bem em frente ao bar que ele freqüenta e de onde costuma ver aquela dupla passar.

Trata-se apenas de uma averiguação em tempos de neurose antiterrorismo, ainda mais de um policial que saiu das forças armadas para a segurança pública. Os dois já vão tirando os capacetes, quando o policial desce para pedir documentos...

- Bom dia, cidadãos. Eu só quero... General Nelson! SENHOR! Desculpe pelo incômodo, Senhor!

- Incômodo nenhum, policial, você só está fazendo o seu trabalho.

- Bonjour, monsieur Takashi.

Havia um filme sendo rodado. Um filme sendo rodado havia. Um filme como tantos outros, caro e bem produzido, estava sendo rodado na quadra logo em frente, mas foi interrompido quando todos ouviram “IS JOSE DE LANE!”. A diva de bilhões, a musa de gerações, a actriz maior e inspiração perpétua esvazia o set de filmagens. Vinte anos longe das telas (...) mas nunca esquecida. A deusa do cinema e um dos últimos heróis míticos de guerra, no mesmo lugar, no mesmo momento. Todos os caracterizados como super heróis e super vilões se amontoam ao redor da estrela magna...

- Eu não acredito que estou falando com você!

- Mas você é a estrela do filme, se não me engano, você deveria ser bajulada.

Ela desmaia. Josephine há muito não fazia isso, mas ainda se lembra como reanimar um fã (...) congestionamento se prolonga, com direito a helicópteros da mídia e actualizações dos mapas via satélite. Ela é carinhosa com o público, auxiliada pelo consorte, cancelando algumas especulações de que estaria morta, terão que inventar outro boato, talvez matar o Lou Ferrigno de novo.

Os noticiários dão um alívio glamouroso à invasão de notícias catastróficas, mostrando aquela figura mítica sendo tietada por gente que se acostumou a ser tietada. Tudo durou uma hora, o bastante para formar um pandemônio no trânsito de Hollywood (...) Voltam não como se nada tivesse acontecido, mas com sorrisos largos pela receptividade do público. Vão ver como estão seus hóspedes, em seu aprendizado. Já começaram a pegar o sotaque, de tanto ver reportagens e filmagens de seu destino (...) Já conhecem detalhes da cidade onde vão viver a partir do próximo ano, a ponto de parecer terem nascido nela.

As crianças, em particular o bebê, terão mais facilidade (...) Com eles está tudo correndo a contento, a diva gostaria que tudo mais estivesse no mesmo patamar, mas seria exigir muito. Vai ao seu computador ter notícias frescas de Sunshadow, espera que Nancy não esteja muito ocupada. Sorte, está ocupada, mas não o bastante para ignorar o chamado da amiga...

- Como direi... A sua aparição fez todos os paparazzi da cidade irem à casa da Patty, porque todos os seis estão lá.

- Interessante... Suponho que eles imaginem que os garotos sabem tudo do meu cotidiano.

- Provavelmente eles acreditam que os seis escondem o jogo.

Patrícia explica que não...

- Hey, ela é adulta e dona do próprio nariz! Eu não sou consultada quando ela decide ir à padaria para comprar brioches!

- Quer dizer que ela vai pessoalmente comprar seus pães?

- O que há com vocês? Vocês conhecem o histórico dela, sabem que não é mulher de esperar serviços de mordomos! Há um mundo pegado fogo lá fora, vão cobrir isso.

- Mas ela raramente aparece aqui fora!

- Vocês já pensaram em vasculhar seus arquivos, copiar e colar um pouco do arquivo alheio e fazer um artigo a respeito?

Eles se olham, berram, beijam os pés dela e correm à BYOP  (...) Ela volta ao trabalho, agora um pouco menos penoso. A Vintage Way Of Life, inicialmente tachada de brega por quem nem quis ver o site, se revelou fonte do melhor de cada época do século XX. Esse padrão de qualidade se reflete no tipo de clientes e na não necessidade de descer o nível das campanhas publicitárias, podem continuar sendo acusados de elitismo, o público alvo não se importa com isso. À frente de tudo (...) está Elias, que um dia se considerou um nada e hoje faz muita gente tremer só de citarem seu nome. À parte a conhecida sentimentalidade na vida pessoal, ele é um empresário duro de encarar.

&

Sandra faz uni-duni-te e escolhe um AMC Gremlin 1973 preto. Aciona o robô, que o sobe da terceira prateleira do meio da garagem subterrânea. Entra, aciona o kit Gardner Hub 40kWh e vai tranqüila para Summerfields. Melanie e Jefrey a recebem como Patrícia recomendou, como se fosse a caçula da casa. A gestante se aboleta no sofá cheio de almofadas, enquanto os anfitriões lhe trazem acepipes (...) Incentivado pela filha, o casal abriu recentemente uma franquia da Sandra Cocada em frente à escola onde estudou com os seis amigos. Sandra foi dar as boas-vindas da forma mais festiva e carinhosa que sua condição permite...

- Eu entendo vocês. Acho que ficaria maluca, se tivesse que me aposentar.

- E a gente quase ficou! Eu quero esganar o cara que nos convenceu a ceder lugar para a nova geração e “aproveitar a vida”... Rá! Eu quase perdi a minha, estava ficando enferrujada! A gente acordava às cinco pra fazer o café e ir trabalhar, pra depois se lembrar que não tinha trabalho...

- Mas hoje foi diferente! Hoje a gente acordou cedo, fez a ginástica, se lavou, arrumou a cama, comeu e foi trabalhar na nossa lojinha... Que alívio voltar cansado de um dia de trabalho!

Ela ouve com atenção, como a madrinha recomendou (...) até Giovanni chegar de carona para buscá-la. Tardam mais meia hora e voltam a Sunshadow...

- E então?

- Cara, eu já tinha medo de aposentadoria, agora fiquei noiada!

Chegam e vão directo à Máquina de Costura (...) Ela é sucinta, aceitar os dois como franquiados (...) foi um gesto em prol da dignidade humana. Os ex colegas não precisam dos rendimentos que começarão a vir em breve, precisam do trabalho de que resultarão. O ponto é excelente, o melhor e mais movimentado ponto turístico de Summerfields, talvez o único relevante, diga-se de passagem. São centenas de pessoas todos os dias, que sabem que eles foram colegas té a faculdade e ainda são amigos do sexteto. Enzo decide acrescentar “livrai-nos da aposentadoria” em suas preces.

No dia seguinte visitam o empreendimento dos amigos (...) Além do encontro festivo, é claro que sua presença por si constitui um marketing precioso para o casal. Eles sabem disso. Não falta ajuda para um bom amigo, não falta trabalho para um bom profissional, eles são as duas coisas.

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