quinta-feira, 25 de abril de 2019

Dead Train in the rain CCXXVII

    Poder e conspiração entre as refeições. A estação 227 mostra a menininha mandona mandando e sendo obedecida. Todos à bordo, o trem vai partir e ela não vai pedir duas vezes.


O chinês se senta ao lado de Aisha, pega seu aparelho e faz a selfie (...) Há alguns cidadãos muito próximos, prontos para agir. Olhando para a imagem do alvo, vê a adolescente fazendo gesto de cortar cabeças (...) olha para trás e vê todo mundo o encarando. Levanta a cabeça e vê Patrícia se aproximando, furiosa, com seus comparsas. A idéia era fazer chantagem (...) Os comandantes festejam de início, mas (...) mandaram seu homem para uma enrascada. Os espanta mais a aparente frieza de uma garota que até agora consideravam um alvo inofensivo, mas se portou como uma assassina profissional.

Nem tanto. O trauma (...) revelou sua face sombria, mas o comportamento é o ensinado e treinado pela guarda imperial, reforçado pela convivência com a avó (...) Patrícia se fecha na biblioteca com o sujeito e comparsas da organização...

- Racista, machista, xenofóbico, escravocrata, desleal, e agora decidiu bancar o gângster! O comitê já está sabendo disso, logo você deve receber a convocação para esclarecimentos. Vocês se meteram com minha família, Porquinho, não vou mais deixar isso só na advertência. O que acontecer a vocês agora, não me interessa mais... Já dei ordens para que retirem daí as últimas ligações que tínhamos, o patido não deve demorar a exigir explicações. Vocês vão ter que recomeçar do zero... Se voltarem vivos.

Desliga, suspira e chama as autoridades. Mostra o chinês, passa sua documentação, digitais, material genético, encefalograma e mapa das íris, avisa para tomarem cuidado se um dia ele retornar à América (...) Ela desliga, pede que Fly e Angel acompanhem o sujeito até o aeroporto e não saiam de lá até ele estar embarcado e sedado para Pequim. Lá fora, Sanaa e Billy aguardam com Aisha e Lana (...) Abrem as portas, vêem Krumb e Phoebe com o chinês entre eles, apressados. Patrícia se aproxima da neta...

- Era muito cedo para você passar por isso, meu amor. Sanaa, já a trago de volta, ela precisa saber com quem está lidando e isso não é para ouvidos civis.

- Então eu quero fazer parte! Me deixa defender minha filha, por favor!

- Não basta ter vontade, Sanaa... Meu pai descobriu em Aisha o potencial para essa vida dupla... Mas você pode ajudar... Mom, pode receber Sanaa? Quero que ensine ela a defender as meninas... Do seu jeito.

Ela entra com a garota na biblioteca, vai quase uma hora para ela ter ciência de que tipo de gente é aquela (...) Devidamente instruída, ela é devolvida à mãe. À tarde Nancy a recebe em casa. É directa, lhe dá uma pistola de ar comprimido (...) para ver o que precisa ser corrigido (...) Zigfrida está excitada com o caso, está estudando com Ingrid sobre personalidade real e personalidade virtual, esta que Aisha descobriu ser apenas uma simulação de seu subconsciente. Ser membro aspirante da organização lhe dá subsídios para se desenvolver como sob nenhuma outra condição conseguiria.

Viaja com a sobrinha para Sunshadow, vão cuidar também de Sanaa. Elas descem e correm para o abraço viciante de Patrícia (...) o Corvair roda a não mais do que 30MPH até a Máquina de Costura. Sanaa com as cinco filhas e Billy esperam pela psicóloga mais sigilosa da América. Vão directo ao assunto, a sueca abraça a novata e acompanha todo mundo à biblioteca. Ingrid fica atenta ao comportamento das outras, elas ainda parecem ter um respeito estranho pela irmã (...) De cara a mudança de postura e figurino lhe dá pistas valiosas. A ruiva conversa em particular com os adultos, após ter conversado com todos. É directa...

- Ela vai mudar mais. Ela precisa de uma referência para essa mudança eu acredito que você, Patty, é o melhor modelo.

- Uma mulher depressiva, mandona e encrenqueira é o melhor modelo?

- Patty, querida, não adianta falar das migalhas ao chão, quando você sabe que tem um banquete a oferecer. Vou ser clara; enquanto a Sanaa vira uma assassina de elite, você pessoalmente ensina seus truques a Aisha, não só os de salvar o mundo. É tudo o que pode e deve fazer.

Não que a companhia da neta não a agrade, muito pelo contrário, mas ela tem evitado que sua influência exceda os limites que impôs (...) Enfim, Zigfrida a convence, ela vai manter Aisha perto de si por mais tempo. Para Sanaa é um alívio. Para Sabaya é um deleite, porque a irmã tem muito conteúdo agregado (...) Durante uma discussão sobre o destino de uma personagem, após ser flagrada pelo pai flertando com um rapaz, em público, em plena Marrakesh, pensam em Hassam (...) buscam ajuda com as tias, que recomendam falar com Sandra, que é bem parecida com a garota do conto...

- Teve uma época em que tinha uma gangue me assediando, querendo me aliciar. Eu estava pendendo, quando meu pai me chamou firme e de deu um esporro e eu, topetuda, perguntei se ele tinha se arrependido de me adoptar e estava decepcionado. Ele me fez chorar...

- O que ele fez, te bateu – pergunta Sabaya?

- Não. Eu disse “Não me arrependo de nada, minha filha. Eu te aceitei porque te amo e já sabia de sua tendência beligerante. Não posso me decepcionar com você. Ninguém se decepciona com alguém além de si mesmo. Nos decepcionamos com nossas próprias expectativas, não com os outros, eu aprendi a reconhecer isso. Eu estou bravo por causa das perspectivas de seu desvio, não é especificamente com você. Não quero que você mude, só quero que você não se perca de mim. Teu pai te ama, aqueles alunos não, só querem te usar para fazer algo errado e colocar a culpa em você. Eles não vão chorar nem se importar pelo que te acontecer, eu vou”.

E Sandra chora de novo (...) abraçada ao pai também em prantos. Aquela cena, aquelas expressões, aquelas lágrimas tão sinceras! Aquela é a cena! Cuidam de escrever lá mesmo, para aproveitar a idéia fresquinha e suculenta, com a cena ainda se desenrolando (...) Era para ter dois ou três parágrafos, mas foram três páginas muito bem gastas! Em casa contam para a avó, que se derrete toda. Ela vai ter com Sandra, que é mais fácil de lidar neste caso. A moça ainda lacrimeja quando se lembra (...) do desgosto que quase rendeu ao pai. Com ele tem Enya, que tem explicações por nunca terem lhe contado isso (...) A conversa é bem longa, pontilhada de passagens muito tristes.

&

No dia do aniversário do saudoso Robert, Norma é convidada de honra do show no gigantesco posto Iowa 80 (...) gratuito para os caminhoneiros e suas companhias. Enquanto cantam “Only knock on a door”, é visível a emoção estampada nas frontes de Rebeca e Robert. Há na plateia alguns caminhoneiros que (...) visitavam quando iam para o Canadá. Quando ele avisou que iria se aposentar, ninguém acreditou (...) Terminam por volta das 19h e voltam para casa. Norma tem os olhos marejados, mas está feliz. Não, ela não morre hoje, apenas fica mais calada do que o habitual durante o vôo.

Mal descem em Sunshadow e a horda de paparazzi quer saber detalhes da idéia de comemorar o aniversário de nascimento de Robert. Aqui ela solta tão somente um “A gente não comemora a morte, meu filho” e se vai com os outros. Em casa, vê na garagem o Peterbilt que, desde que ficou viúva, não roda mais do que uma milha por mês (...) seu consolo é ver Elias lidar com Enya com o mesmo carinho e dedicação que recebeu dele. Vai à sala e vê o casal dando a devida atenção ao caçula, que já pegaram manuseando o câmbio do caminhão com habilidade, mas não tem ainda altura para enxergar pelo para-brisas.

Televisão desligada, não vêm que a mídia fala sobre o show aos caminhoneiros. Há um debate sobre se foi uma cortesia sincera ou uma jogada de marketing (...) um fã liga e avisa aos sábios acadêmicos, que naquele dia Robert Spring faria noventa e seis anos (...) nem se lembravam que os dois já tiveram um pai. É um assombro no palco quando mandam algumas photos de família que eles conseguiriam facilmente pela internet, se tivessem pesquisado “Robert and Rebeca parents”.

Enquanto eles discutem frivolidades, Patrícia é dura com a Casa Branca. É plenamente a favor dos planos de reaproximação com Havana, mas não do modo como está em curso...

- Não contem com a Dead Train, nós não vamos nos fingir de amigos de um ditador, não famos falar bem de uma ditadura, não vamos fingir que existe ditadura boa, não vamos falar bem de um regime sangrento, não vamos repetir discursos de acadêmicos alienados que pensam que sabem alguma coisa. Nos anos setenta pagamos caro para manter nossa posição pró democracia, caro demais para abrirmos mão dela em troca de afagos em um canalha que recebeu bilhões dos soviéticos, para deixar migalhas para o povo decidir no que as gasta e assim lavar as mãos para qualquer fracasso. Eu não posso dizer que estou decepcionada porque não faço expectativas para com pessoas, muito menos em cargos eletivos, mas posso dizer que essa sugestão é absurda, e a insistência nesse convite absurdo chega a ser ofensiva. Nos chamem quando pudermos ajudar a reconstruir a ilha que os comunistas arruinaram.

Desliga e vai para junto dos outros, ovacionada. Ronald o faz com mais ênfase, porque arriscou seu pescoço fidalgo (...) para se colocar contra um assassino de policiais que beijava os pés de um ditador racista. Mesmo com praticamente toda Hollywood transando com ele e pegando dele todo tipo de doenças venéreas. Voltam aos negócios, que incluem fomentar boas iniciativas de desenvolvimento econômico e humano; não um ou outro, mas ambos. Enquanto isso, Phoebe trabalha com pai e bisavô na conclusão da versão definitiva da prototipadora quântica, enviando aos cientistas membros da organização o relatório sobre fenômenos estranhos (...) Terminam e ela volta para casa, como se não tivesse feito nada demais.

A toada mansa da dureza cotidiana dá o tom dos dias consecutivos. Até Washignton mandar um diplomata negociar e Patrícia o mandar de volta, mas não sem um recado manuscrito com sua Parker 51 dourada em um fino papiro: “Sob hipótese alguma se apóia um ditador. Não daremos saída honrosa a quem não tem honra alguma, muito menos a um infanticida”. Assim que ele se vai, respira fundo e volta ao que estava fazendo. Comprou trinta e seis Opalas e Caravans do Brasil, de 1969 até a última wagon, uma ambulância de 1992 (...) Agora tem todas as versões de todos os anos do, como chama, “Opel Stovebolt”, embora também haja os Iron Duck. Já se preparou para fornecer álcool a alguns deles.

Billy é avisado, ficou emocionado com o modo como a linha Opala saiu de catálogo. É como se uma mulher aristocrata largasse tudo para se dedicar aos enfermos. Renata também vai ver (...) Dificil para o americano imaginar uma wagon média como ambulância, mas a brasileira afirma que até hatches subcompactos já foram usados assim, por prefeitos inescrupulosos. Um conhecido da GM (...) também está lá. Vê e ouve os carros serem estacionados, com uma maciez de funcionamento que destoa completamente do que viu nos Opel Rekord alemães. Aquilo é claramente mecânica americana. Todos em seus lugares, as plaquinhas explicativas em sete idiomas são colocadas e os visitantes começam a cercar os brasileiros. Ela explica (...) que aquele sedã pesado e bem acabado, várias vezes remodelado, concebido nos anos sessenta, utilizando um motor pré-guerra e consumindo álcool de cana, pode passar de 115mph...

- Até início dos anos oitenta o Brasil ainda fazia o Ford 302 de 199hp e o Chrysler 318 de 215hp. Opalas SS de 250 polegadas e 171hp davam muito trabalho para eles!

Exclamações de respeito pipocam pelo salão verde e amarelo (...) se o Small Block 350 tivesse sido oferecido, os outros nem apareceriam no retrovisor! Ela volta com os três para casa, com a capota do Buick Cascada verde e preto baixada. No começo pensou que não fosse gostar dele, Arthur o comprou para uso próprio, mas no primeiro passeio tomou o volante e gostou (...) A única alteração foi o kit Gardner Hybrid Hub 120HP.

A manhã seguinte começa na mesma placidez, com os treinamentos diários. Hoje Rose e Serena estreiam no grupo (...) Para elas é uma brincadeira que vai preceder mais uma hora de sono. Ao fim, Phoebe explica por que trouxe-as...

- Acordaram e não quiseram mais dormir, achei melhor trazê-las e cansá-las com os exercícios a deixar em casa, com mamãe ainda dormindo.

- Marcia está cansada – diz Richard. Houve uma sobrecarga de serviços psicológicos nos últimos dias, disse que também muita gente desencarnada tem precisado ser convencida de que morreu.

- Essa é de matar! O cara ter que ser convencido de que morreu é o fim da picada!

Patrícia sabe que é sério, mas não resiste à piada pronta (...) Marcia está cansada, precisa ser cercada de guias para que não a importunem demais. Quer torcer os pescoços de cineastas que fazem a mediunidade parecer algo divertido. Renata vai cuidar para que tenha ao menos um dia de folga.

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