quarta-feira, 24 de abril de 2019

Dead Train in the rain CCXXVI

    Uma mente se abre. A estação 226 traz o êxtase de uma longa e bem aproveitada convivência com quem realmente sabe o que é o mundo. Todos à bordo, o trem vai partir.

Sobre as besteiras internacionais que a América já fez (...) Patrícia explica de forma explícita, mas simplificada às filhas escritoras...
- Amores da mamãe, nós de modo algum podemos ser considerados heróis do mundo, tampouco vilões. Em todos os lugares aonde fomos com armas, fomos porque de uma forma ou de outra nos chamaram, e lá chegando havia agentes inimigos sabotando o governo, geralmente soviéticos, quando não militares agindo para tentar expandir o território ideológico daquela ditadura. Havia, durante a democracia capenga da Rússia pós-comunismo, uma fartura caótica de informações até perigosa, porque muita gente vendeu segredos nucleares para gente realmente ruim. Quando Putin usou essa democracia medíocre para se eleger, simplesmente a usou também para permanecer no poder, mesmo quando sem mandato, o resultado foi o apoio repentino de jornais que o criticavam...
- Censura?
- Sim, Beth, censura. A Rússia voltou a ser uma ditadura, agora branca, e só saem de lá as informações que o governo quer.
- Enquanto aqui o governo nem pode pensar na hipótese de fazer isso – conclui Prudence.
- Chutar traseiros de governantes é algo a que estamos acostumados, mas não os russos. Entendem agora quando eu disse que somos anti-heróis? Nem mocinhos, nem vilões. Ajudei vocês?
- Wooohooo! Momy, a gente agora tem um livro novo inteiro em nossas cabeças lesadas!
- Vamos, Proo! Temos que colocar isso em um rascunho, pra usar nos livros do século XX!
Enchem a mãe de beijos e correm tresloucadas para casa. Luppy observa espantada a patroa, como se ela tivesse lhe tirado uma venda e agora visse as formas e cores pela primeira vez...
- Eu nunca tinha ouvido falar disso...
- Porque é tabu. Aqui pelo complexo de culpa idiota que cultivamos, lá porque pode dar cadeia. Não somos mocinhos, mas às vezes fazemos o papel.
- Agora aquelas papagaiadas da ONU todas fazem sentido! Esses caras têm poder de veto! Então a gente não é esse demônio que as faculdades pintam! Todo mundo tem suas sujeiras e só a gente tá assumindo a nossa! E o pior é que tem celebridade defendendo essas ditaduras! E os fãs vão seguir esses boçais!
- Vai, continua!
- Os candidatos falam um monte de lorotas, mas ninguém toca no ponto! Ninguém tenta fazer o americano se sentir parte do mundo! Querem que a gente se veja como espécie alienígena e isso favorece a impressão de que estragamos tudo sozinhos, o que não é verdade! A gente fica sabendo das coisas porque aqui as notícias podem circular, até da CIA já vazou, mas em muitos países elas não entram e não saem sem revisão do governo!
- Muitos mesmo! Você nem imagina quantos!
- Eu nunca mais vou deixar de votar! Sunshadow comparece inteira nas urnas pra legitimar o Daniel Stewart faz sessenta anos, mesmo sem concorrência nenhuma! Eu nunca mais vou abdicar e não vou deixar o meu marido deixar de votar! E vou mandar mensagens todos os dias cobrando atitudes americanas do meu candidato! E não vou mais ficar calada quando alguém falar mal do meu país! Não me meto em assunto de país dos outros, não quero que me esfreguem na cara os problemas que eu já tô tentando resolver! Se a gente não metesse medo, já tinham nos invadido e fragmentado nosso território!
- Como fizeram com outros países do leste europeu e oriente médio, que não tinham como se defender, sim. Tem mais coisa aí, vamos, solte tudo!
- Agora eu tô com nojo da maioria dos programas de televisão! Fiquei sem opção do que assistir! Cara, eles mentem demais! Eles fazem parecer que não existe esperança, que todo mundo é canalha, que a América é só podridão e os outros países são santos... Não existe santo no mundo dos vivos! E essas manchetes estrondosas, com chamadas cheias de suspense... Eles não falam nada! Eu acreditava em abobrinha de teorias conspiratórios absurdas, em gente que só falava que tinha razão e enchia lingüiça pra fazer aprecer que tinha provas! Gente que só fala bem, gente que só fala mal... Não tem ninguém com moral na mídia e nem nas faculdades pra falar do meu país! Ninguém que apoie ditadores merece meu respeito! Ninguém! Mas agora eu tô confusa...
- A confusão é prova de que está evoluindo. O Tobby vai amar saber disso...
- Será que essa negação toda daquelas épocas de ouro, da estética mais refinada e extravagante que tínhamos, o sonho de viver do seu jeito, da confiança que a gente tinha no país e na gente mesmo, enfim... Essa histeria contra a estética que vocês aqui ainda hoje usam, será que não é um tipo de sabotagem ou autossabotagem? Ou os dois? Porque a gente vê claro o sorriso de uma criança quando vê um carro antigo, pros modernos nem ligam! A gente tava vivendo um sonho que hoje tem condições de realizar, mas as pessoas seguem quem prega rudeza e rejeição do que a América fez de bom! Não dá pra fazer tudo aquilo de novo com a tecnologia que temos hoje, sem os problemas daquelas épocas? Dá pra enfiar isso nas fuças desse bando de intelectuais etiquetados e monotemáticos? Agora lembrei da Belize, que é negra, mas é branca e sofria dos dois lados por isso! A gente tá combatendo preconceito com preconceito camuflado, trocando uma violência por outra, ilusão por ilusão... Tem jeito de consertar esse mundo, Patty?
- Woohoo! Luppy, você acordou! Você acordou! Daddy, a Luppy despertou! Uma americana comum saiu do sono da zona de conforto! Avise todo mundo, quero todo mundo me ajudando com ela! Manda o Tobby fazer uma matéria a respeito! Você acaba de ganhar um aumento de salário! E vai fazer faculdade, pode escolher o curso, eu banco você e o seu marido! Vocês dois escolham os cursos! A gente vai te ensinar um monte de coisas, você nem imagina o que existe do lado de cá dessa cortina! Sabia que Steve Rogers existiu de verdade?
- Você fala o Capitão América?!
Ela explica e deixa a negra arrepiada. Coisas que são pesadas demais para o americano médio digerir (...) Richard traz Matthew, Renata, Rebeca, krumb, Cacilda e Elias (...) Patrícia não quer que esse impulso se perca por falta de propulsão (...) Liga para Melanie e pede que mande uma ajudante à altura, porque Luppy ficará muito ocupada com seu desenvolvimento intelectual e humano.
No dia seguinte Josephine está lá, com Tobby, ouvindo por si o que a moça tem a dizer. São dúvidas, muitas dúvidas, mas prefere corrigir sua trajetória a ouvir as tradicionais e limitadoras perguntinhas. Perguntas não dão respostas, só mais dúvidas. Respostas vêm com esclarecimentos e verificações, que só vêm com investigação e pensamento crítico do mundo e de si mesmo. Ela atesta, Luppy não é mais uma americana média. Está tão acima dessa média que pode ser considerada uma intelectual em formação (...) Tobby rascunha uma matéria e seleciona o material que tem no arquivo (...) Como diria um religioso, uma alma foi salva e entrou no reino dos céus por mérito.
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A nova ajudante não é negra, na verdade é lourinha de olhos verdes e ainda muito jovem, não tem dezoito anos. Melanie achou por bem acompanha-la (...) como se fosse necessário apresentar Patrícia, que se apresenta assim mesmo (...) As boas vindas são as de praxe, com os alertas e as regras da casa dados de forma clara e inequívoca, mas evitando assustar a recém chegada. Luppy fica encarregada de treinar Consuelo (...) enquanto as amigas vão colocar em dia os assuntos atrasados. Os netos são um assunto assaz aprazível...
- É a parte mais bonita de envelhecer. Quando a gente se dá bem com as famílias dos filhos e pode ajudar com os netos... Aí vêm os bisnetos e você percebe que não é velha, é uma lenda.
- Sou quase uma... A Mel mandou hoje a photo da confirmação da gravidez da Hill!
- Woohoo! Arthur! Claire!
É festa. A primeira missão de Consuelo é ajudar, aprendendo, Luppy a fazer o festim comemorativo (...) O bom é que pode e deve experimentar o que faz...
- Como eu pude viver até hoje sem comer isto?
- Vai ter chance de comer muito mais coisas! Pega o catupiry.
- “catchup” what?
- Isto, menina! Queijo catupiry. From Brazil. Você vai aprender muita coisa aqui... Vamos levar.
Não se trata apenas de trabalhar para um ídolo e lenda da música mundial, Patrícia Petty é tão cercada de história, lendas e mistérios, que chega a ser um mito vivo, fora que é uma princesa! (...) Encanta mais à novata a espontaneidade da diva, que não perde a postura mesmo relaxada. Chegam seus companheiros de sina e o folguedo toma forma (...) mas ela sabe que não pode contar muita coisa do que viu lá dentro. Pode contar que conheceu toda a Dead Train, isso por si já amontoa as pessoas ao seu redor (...) mas avisa que há um código de sigilo com o qual concordou, ao ser contractada. Patrícia tem a aprovação da novata por Luppy, a garota tem potencial para se desenvolver tanto quanto ela...
- Não é justo só eu ter a chance de acordar.
- Não, não é. Vá com Deus, até amanhã.
Ela volta para dentro assim que perde a Captiva preta com kit Gardner Hub 40kWh de vista. As marroquinas (...) também aprovaram a neófita, só a acharam um pouco tímida e magrinha demais, em contraste com a espontaneidade arregalada de Luppy.
A manhã seguinte é de mais aprendizado. Consuelo vê como e quando deve limpar o porão e suas preciosidades, especialmente o ferrorama. A dona dele está na sala, conversando com os comparsas sobre os próximos shows. Apesar das tensões, Charlotte está no roteiro. Robert levanta a questão das turnês, faz anos que não têm uma (...) À tarde eles voltam à conversa, acompanhados da nova formação. Consuelo fica encantada com Phoebe. Com Barry no colo, Carly mostra algumas pesquisas que fizeram (...) justamente a de Charlotte foi o foco. Descobriram por contactos grupos que incitam e fomentam a violência de forma orquestrada (...) Um protesto contra a Dead Train não estaria descartado. Os agentes se entreolham, era justo o que colaboradores locais alertavam, tem gente praticando política brasileira em território americano...
- Amor da madrinha fez um trabalho excelente! Quero que chame esses contactos para uma visita, para que possamos conversar.
Consuelo olha espantada para Luppy (...) Ela acha aquilo um completo absurdo, se indigna e é contida pela patroa...
- Qualquer coisa que você faça, mesmo em redes sociais, será usada contra você. É preciso conhecimento e experiência para lidar com essa corja. Se os denunciar, eles vão negar e ainda te processam. Você pode e deve expressar sua indignação contra a cabeça dura, a cegueira ideológica, a falta de punições exemplares por abusos, chamar as pessoas à razão, mas mais do que isso vai se virar contra você e contra o que pretende. Essa gente é hábil em agredir e se fazer de vitima do agredido. Deixe com a gente a parte pesada desse trabalho, nós estamos acostumados a ele.
- Esse tipo de pilantra a gente não enfrenta em público, menina, é nos bastidores – diz Rebeca.
Um lampejo na cabeça da jovem. Ela passa a compreender alguns fracassos (...) em todos eles tinha batido de frente com os envolvidos. Não se trata apenas de seis idosos, são seis veteranos no mundo dos negócios, com relações íntimas com o poder, eles sabem o que estão falando. De quebra, a legendária e analgésica face materna de Patrícia fez mais uma dependente. Nos dias subseqüentes ela mantém a atenção afinada, até coincidir de Elias aparecer durante seu expediente. Veio trazer Robert Richard e Stanley para a madrinha cuidar. Ele não pede que ela o faça, ela pede que ele os traga...
- Esse menino está afiadíssimo! Ele tem falado muito com Kurt?
- É irmão e o professor de artes e lógica dele.
- Deixe que agora a gente cuida deles... E você vai pra casa, nada de hora extra! Ah, ainda não te apresentei a Consuelo, ajudante da Luppy.
Ela se aproxima dele com um exemplar de Eliasian Pedagogy como se tivesse visto um deus (...) Conta ainda incrédulo assim que chega em casa. Sandra está lá, com o casal da CIA...
- Por que a surpresa? Até a gente usa a sua pedagogia para complementar as instruções! Para o cidadão comum é um assombro! Aparentemente ela compreendeu mais do que a maioria o que a Steph quis passar sobre seus métodos! Ela estuda pedagogia ou algo assim?
- História. Entra em conflito com alguns colegas e professores, por não aceitar factos contados pela metade. Ela se queixou que as pessoas só atacam democracias, que as ditaduras se passam por paraísos e elas acreditam... E é verdade. O nome é Consuelo Chávez Dawn.
Pedem que peça a Patrícia para terem uma conversa com a moça (...) Patrícia nega categoricamente (...) não vai deixa-la exposta sem necessidade. Terão que convencê-la a permitir uma conversa. Ser fã declarada de seu afilhado já rendeu sua simpatia, a motivação dessa admiração a fez pedir que os colaboradores a vigiem para ter certeza do que concluiu. Manda um agradecimento aos ex colegas, pela mão de anjo com que conseguem escolher as ajudantes.

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