terça-feira, 23 de abril de 2019

Dead Train in the rain CCXXV

    Normalidade, mas não muita. A estação 225 retoma a rotina com a velha regra de que uma rotina nunca é igual à anterior. Embarquem, o trem vai partir.


Richard se desfaz da cabeleira cultivada para a convenção (...) Glenda coloca toda a massa loura em uma sacola, para evitar que aqueles fios apareçam à venda na internet (...) Vêem Patrícia diante da Máquina de Costura, fazendo sinal para que estacionem o Stylemaster two door 1947 preto. Nada demais, ela só quer ver por si o resultado do corte. A bruxa mostra o material apreendido, enquanto ela afaga e alisa o rosto do rebento. Ele aproveita para perguntar por Aisha...

- Ela está bem. É o que já prevíamos, aquela infância estendida não existe mais. Antes aqui do que ao alcance de radicais.

- O mal menor.

- Sempre, meu amor. É a escolha que sempre fazemos.

Descem para uma visita. Elisa e Ana Clara estão com ela, falando de como se descobriram lésbicas e como tem sido o relacionamento até hoje. Ela anota metodicamente em árabe, para não perder a prática caligráphica (...) Aquela carinha ainda arredondada, desguarnecida daquela cabeleira volumosa, causa estranheza (...) Ganha um afago do grandalhão, que dá sua contribuição nessa história. Aisha fica pasma em descobrir que o tio já foi menor do que ela. É um resquício da menina que trouxeram do Marrocos, bom saber que ainda resiste.

Patrícia chama Glenda para dar algumas dicas a Luppy. Alguns antigos vizinhos estão mandando indirectas por redes sociais, seria bom se só precisasse bloquear, mas eles sabem onde a família mora...

- Inveja é uma merda! Neste caso, de trevosos. Tenho umas coisas que sempre trago pra qualquer emergência... Leve este Olho de Hórus e ponha na porta da sua casa. Vou prescrever algumas providências, inclusive banhos para vocês se limparem. Você sabe que isso gruda!

- “Prescrever”? Que nem médico?

- Por aí... Vou incluir algumas plantas para colocar no jardim da frente...

Aconselha inclusive a publicar alguns símbolos de proteção no seu perfil, de vez em quando, que pode pegar dos milhares que tem nos vários álbuns em sua página oficial. Em Summerfields o marido da moça recebe mais uma indirecta, quando entrega um Crown Victoria preparado (...) a esposa pediu encarecidamente que respirasse fundo e se afastasse, para evitar agressões. Volta ao seu Smith Newton com terceiro eixo e baterias extras, recolhe a prancha e vai para sua oficina. Recebe uma mensagem de Luppy, desvia para a floricultura e compra algumas urtigas para, estranha muito, pendurar bem firme logo abaixo da calha (...) encheu a fachada com urtigas. Até que ele gostou do visual. Volta à floricultura e, quando chega com as crianças, Luppy vê a frente completamente ajardinada. Os jardineiros colocam as últimas orquídeas no coreto que ele fez na hora, aproveitando madeira in natura descartada de construção.

No dia seguinte conta a Patrícia, com os outros curiosos ao redor...

- Você pediu umas mudas de urtiga e ele transformou a casa em um jardim botânico?

- Agora ele quer forrar o teto com grama! Encontrei mudas hortelã e menta na pia da cozinha!

- Fica esperta, que ele vai querer colocar tundra na geladeira – diz Rebeca.

O dia começa leve, com descontração e risos. Vão ver as encrencas que os aguardam. A primeira é de caráter corporativo e secreto. Gente que a organização vigia há anos está tentando sabotar o fornecimento à Canard Noir for Children. Aqui terão que envolver a CIA, porque as informações conseguidas com a tentativa de coação e chantagem são valiosas para o governo (...) É urgente, tem muito mais interesses escusos envolvidos, além do econômico. Patrícia vai meia hora depois à suíte, ter com a inteligência oficial. Diz que conseguiram desarticular um esquema econômico (...) Detalha os métodos e os nomes envolvidos (...) gente de países hostís. Volta com resposta positiva, podem continuar com o trabalho normal... Eu disse “Normal”? Bobagem a minha!

À tarde os resultados aparecem, com gente procurando sua polícia local para se entregar e pedir proteção, em troca de informações. Há agentes da organização por perto para avisar a inteligência oficial (...) Josephine dá por encerrada esse serviço e volta ao seu jardim. Em Sunshadow, Ronald olha para Rebeca...

- Era para tanto?

- Para tanto e muito mais. Existem países inteiros por detrás dessa gente. Os mesmos que abrigam e financiam cibercriminosos para atacarem democracias e desafetos dos governantes.

Conta enquanto faz o polimento de um sabre de combate. Deixá-lo embaçar não vai deter o desmoronamento do mundo lá fora.

&

Suha é retida no hospital, quando faz os últimos exames pré-natal. A criança quer nascer agora. Chamam Josephine para que reclame a afiliação da criança. A diva chega sabendo que a criança já está nascendo, e que Amina também sentiu as contrações. A multidão lá fora aguarda por notícias, de preferência acompanhadas de imagens (...) Suha solta Emmanuelle no mundo meia hora antes de Amina comprovar que só dá menina nessa turma. Roberta e Ava berram fortes e saudáveis (...) As outras avós são comunicadas, enquanto Patrícia se desmancha pelas pequenas.

À noite está em estado de graça, nos braços de Arthur com Elisa, Ana Clara e as solteiras ao redor. Lady Spy passeia de colo em colo, aproveitando o clima de felicidade generalizada. Josephine desce com Nelson, após as notícias de que a família morta finalmente recomeçou vida nova em New Rampshire. A francesa aproveita a deixa para falar de Sandra...

- Está caindo de amores pela menina. Uma está fechando as feridas da outra, eu acredito que ela vai ter outra gestação no máximo no ano que vem.

- E deixar de vez as dores passadas no passado. Que bom! Elias?

- Ele é capaz de amar qualquer criança que deixem em suas mãos. Inga o enche de perguntas sobre as parábolas, e tem mais parábolas como resposta... A menina promete! Os pais biológicos da Sandra babaram por ela...

- Eles têm consciência de que a filha só está onde está porque adoptou Elias.

- Têm. Ainda mais quando comparam a educação dela com o fiasco que foram com os irmãos.

Não muito longe dali, Amina e Suha relembram seus primeiros partos, amamentando suas caçulas. Joshua ligou para os pais, como a esposa pediu, mas levou os desaforos que já esperava (...) Itzhak manda para os pais as photos já tiradas de Emmanuelle, que para aqueles judeus é o joelhinho mais lindo do mundo (...) Nancy não perde tempo e incumbe Stephanie de cuidar das três novatas (...) Faz as contas, não demora muito para Hamira e Samira também se casarem, um desejo reiterado, e aumentarem a família. Senta-se na poltrona ao lado do rádio Crosley 63TJ Victory, suspira e vislumbra sua descendência...

- Valeu a pena! Valeu cada segundo, cada lágrima, cada tiro!

- O que valeu?

- Tudo! Desde o nosso casamento precipitado até agora; TUDO! Já parou pra pensar no tamanho da nossa família?

- Poderíamos começar uma cidade só com ela, se precisássemos.

- Eu tinha medo no começo de não dar conta da Patrícia. Ela era independente demais, muito dona do seu nariz, mas eu consegui. Mas quero mais! Planos! Tenho que fazer planos para os próximos anos! Quero Aubrey mais próxima de Sunshadow... Mel, é mamãe. Quero uma conversa com sua filha amanhã cedo, sem falta, aqui em casa.

- O que foi que ela fez?

- Nada... Ainda. Quero ela e você mais integradas à nossa família...

Dá a bronca, termina e volta aos seus planos. Vai ver o que sua prole colocou na internet e o que as pessoas estão dizendo a respeito. Richard senta-se ao lado, se admirando com a energia e a juventude que a esposa demonstra na prática. Na manhã seguinte estão à sua frente filha e neta (...) “Vocês duas são Petty Gardner, sabiam” soa como ultimato. E é. Parte do trabalho do escritório central pode ser feito via rede (...) Josephine chega para se despedir e pega a bronca nos acordes finais. As duas sacam seus tablets e começam da casa da mamãe a despachar...

- Ra, ra, ra, ra, ra, ra, ra...

- Se eu deixo, essas duas até se esquecem de que têm família!

- Não é assim, mom!

- Mas estava a caminho de ser. Fiquem as duas aí mesmo.

Mikomi chega com alguns bolinhos de arroz que tinha prometido e estranha aquelas duas ali (...) Ela questiona sobre todos aqueles artistas que quase fazem fila no escritório central, para conversas reservadas com a dupla. Eles embarcam para Sunshadow assim que sabem da novidade. Chegam na hora do almoço (...) então têm a fineza de esperar um pouco, perambulando e (...) atiçando mais a sanha dos paparazzi. Vão à casa de solteira de Melinda assim que sabem que está livre...

- Para vocês virem de tão longe, a coisa é séria! O que foi desta vez?

- Acho que a maioria de nós aqui está com o mesmo problema – se adianta uma cantora.

- E esse “mesmo problema” tem a ver com falta de relevância e dificuldade em se manter na mídia por não conseguir ser relevante?

Aquele sorriso! A humilhação suprema (...) ela sabe de tudo! Aubrey suspira enquanto vê a mãe colocar alguns pontos e acentuações que faltam ao discurso daquela gente. Lá fora a turba de jornalistas, paparazzi, blogueiros e curiosos espera pelo primeiro que sair. Um paparazzo conta aos demais a história daqueles artistas e todo mundo deduz o que querem. Nancy fica por perto, com a pistola sob a saia verde sombrio (...) mas incomoda um deles, que cochicha a outro, não baixo demais para os ouvidos musicais de Melinda notarem...

- Essa velha não tem o que fazer, além de bisbilhotar o que não é da conta dela?

- “Essa velha” o cacete! Essa Senhora é minha mãe! Dona desta casa! Manda-chuva desta cidade! Você não está em condições de pedir nada nem em Los Angeles, muito menos aqui, pior ainda que minha mãe tenha restrições de circulação dentro de sua própria casa!

- Quem destratou minha mãe?

Chega Patrícia em sua figura majestosa e intimidadora, logo atrás vem furioso o velho Gardner em sua figura amedrontadora. Nancy fica em seu lugar, só observando impassível o desenrolar da trama (...) Lá fora, vendo os passos duros repentinos de pai e filha, concluem que alguém pode ter soltado o último suspiro de arrogância de sua miserável vida. Os dois (...) chegaram bem no começo da reprimenda...

- A não ser que eu tenha uma explicação convincente para esse ultraje agora, serão todos escoltados para o próximo vôo a Los Angeles.

- Não, pelo amor de Deus! Eu preciso de ajuda agora, senão vou perder minha casa!

- Eu sei que não foi você, mas deu um bom motivo para ficar. Mel, cuide dela. Agora vocês.

Nancy fica plácida e bucólica em sua poltrona, passando goiabada no pão de queijo, assistindo à cena como se não fosse consigo. A cara de urso faminto do marido não a assusta (...) Aos poucos eles ganham humildade e são liberados, até chegarem ao autor do acinte. A lição de humildade que sempre falhou em aprender (...) está diante de seus olhos arregalados. Quem dizia não precisar de ninguém, agora está na situação da qual ninguém pode salvá-lo. Sem capacidade para argumentar e pedir (...) simplesmente chora...

- É este porcaria que vivia dizendo ser o maior motherfucker do planeta? Ele nem enfrenta a morte com dignidade!

- Rê, pode vir à casa da mamãe? Tenho um caso interessante para o seu currículo de bizarrices.

Ela desce a Open Street até o #1 e se depara com uma turba que se deliciou com cada choro desatado, ouvido a muitos metros de distância. Quando a vêem, é uníssono o “Oh, grandma!” à mulher de calças de malha preta e camisão fino florido sobre a regata branca. Ela (...) vê o caso, ouve as partes, uma delas só conseguindo chorar e se põe à ação. Primeiro acolhe o rapper malvadão, insensível e sem coração, como diz uma de suas letras (...) Não precisa muito para descobrir que ele não aprendeu virtualmente nada na vida, nem na escola (...) o empresário tomava conta de tudo e o colocava em uma bolha, que estourou (...) ele precisa de um tratamento intensivo de humildade, então ligam para um productor de reality de vida real e o preparam para viver no meio do mato com um bando de cascas-grossas, com a experiência exibida com edições mínimas, tão mínimas quanto o conforto e os recursos de que disporá.

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