quinta-feira, 23 de maio de 2019

Dead Train in the rain CCLIV

    As conspirações batem à porta. A estação 254 rascunha a delicada relação entre a ponta do iceberg e a montanha que os civis não enxergam. Todos à bordo, o trem vai partir.


Ronald e Rebeca são directos, se o parque verde gigantesco que Dallas pretende construir sair do papel, eles farão o show de inauguração de graça. Eles adoram ver sua terceira casa na América quebrar os estereótipos preconceituosos que o senso comum alimenta; a segunda é o Jose’s Hotel. Patrícia ainda fala da estrada de recarga por indução que o Texas está planejando (...) Vêem Consuelo entrar em um dia que não é o de seu trabalho. Ela está esfuziante, quase não cabendo em seu corpo delgado. Seu trabalho de conclusão de curso foi amplamente aceito, apesar dos protestos de radicais ideológicos. Citou dados, exclusivamente dados, inclusive dos livros que há na biblioteca da faculdade, não tiveram como refutar, só puderam roer os cotovelos.

Bem, ela conhece as regras (...) É carregada pelo jardim e jogada na piscina, onde os seis pulam em seguida (...) Quando a sede de peraltices termina, voltam ao trabalho, desta vez a parte maluca e saudável, a musical. Vêem com gosto a resposta que Aubrey deu a um crítico musical, quando ele reclamou que os shows da banda são simples demais para os padrões de hoje; sem espetáculos de luzes, sem telões com efeitos especiais, sem explosões e sem dançarinos para animar o palco...

- Meu execrável DJ e crítico musical, você deve estar confundindo as coisas. Estamos falando de uma banda da velha guarda, não de uma rave em uma boate fechada. O espetáculo quem deve dar é o músico, não um computador com algoritmos que escolhem refrões bobos; os efeitos especiais devem acontecer é nos tímpanos e nos corações do público, porque é um show musical, não um filme psicodélico; a única explosão de que eles necessitam é a alegria que os fãs sempre dão de retorno; também é ele, o público, que dá o show de dança na arena do concerto. Não vou me dignar a dar respostas à altura de seus palavrões chulos, você é sozinho capaz de se dar conta de que está falando de uma instituição musical que há décadas prescinde da mídia, a Dead Train, não de cantores teleguiados que precisam do playback até para cumprimentar a plateia. Sem mais por agora, foi um desprazer tê-lo conhecido, DJ de smartphone.

Claro que ele responde, mas não directamente a ela, sim em seu canal de vídeo, após desabilitar os comentários. Quem se importa? O escritório central está cheio de trabalho, ela e a mãe precisam dar conta de tudo. Em meio ao empobrecimento da pop music, uma banda que mantém o nível desde 1962 atrai marcas refinadas e pedidos de cooperação (...) As duas terminam os assuntos de hoje e vão para o Jose’s Hotel, de lá voam para Sunshadow. Trabalharão o resto da semana em casa, Nancy já as espera no aeroporto, com Colleen e Natasha sob os braços. A brancura extrema da menina ainda polariza as câmeras e inspira cuidados extras por parte dos adultos.

As duas executivas finalmente chegam e as acompanham até a chocolateria, onde a cena se repete como se fosse a primeira vez...

- Dee!

- Mel!

As duas destrambelhadas correm atropelando todo mundo, até se abraçarem cismologicamente, enquanto Nancy põe neta e bisnetas à mesa e espera (...) Tudo anda na toada mansa da dureza cotidiana, da qual nenhum sunshadower se priva. Em Boston os fãs esperam pelo show de sábado, nunca há dois iguais, uma canção tocada agora pode levar anos para se repetir em outra apresentação, o repertório permite esse luxo.

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Um jovem caucasiano de corte moicano, é preso pouco antes da coletiva. A resposta que Aubrey deu ao crítico ainda repercute, mas o assunto é interrompido por um repórter mais bem informado, que avisa sobre a prisão de um jovem armado, que afirma ouvir vozes que mandam eliminar Sandra. A organização investiga o elemento, descobre que ele abandonou o tratamento psiquiátrico há dois anos e tem uma obsessão pelos vídeos do atentado à brasileira (...) iria ao show justo oferecer um imprevisto que lhe custaria a vida. Mas tem show sim, e se reclamar tem saideira! E tem mesmo. Chegam a Sunshadow evitando comentar sobre a tentativa de atentado, mas logo se lembram quando vêem o pai da moça. Ela vai do aeroporto para a casa de solteira, com toda a comitiva. É ali a menos preocupada com o episódio, mas não adianta dizer isso aos outros, não agora.

O que a preocupa no momento é o aumento da popularidade de regimes autoritários, que se valem da censura interna para evitar qualquer desmentido e aproveitam os sabotadores internos das democracias para parecerem os bonzinhos da história. Além é claro dos idiotas que são agredidos por radicais e pedem desculpas por isso. Os outros a olham e ela reafirma tudo. Nada em sua vida a preocupa, os problemas de alcance mundial é que sim. Sua vida é perfeita! Sua casa é um paraíso na Terra, seus negócios valem seu rabalho e sua carreira musical é um sonho muito além dos de sua infância...

- Oito não deram conta de mim, atacando de surpresa, por que vou temer um só?

Não se esqueceram (...) da fúria com que eliminou todos os agressores. Deixam os dias diluírem a tensão, ajudando com visitas quase diárias à casa dos pais. Na volta passam pela Máquina de Costura e deixam Inga brincando com Belize, há alguns assuntos da organização que a moça precisa tratar com a madrinha. Foi rápido, mas assim que saem encontram a sala repleta de crianças, para o deleite da diva. As mães vieram ver com mais intimidade como está Sandra (...) acabam todas ficando por horas em meio às suas crias.

Prudence aparece com o retrato de um dos inimigos declarados da banda, mostra para Sandra, memoriza sua expressão de fúria e corre de volta para casa. Agora já sabe como descreverão uma personagem que vai flagrar o marido com outra. Na Máquina de Costura ficam caras de paisagem (...) As duas preenchem uma página inteira só para descrever a cara de loba furiosa, e outra para descrever as caras de pavor ante a morte iminente. À noite concluem a cota de produção de hoje, vão ver alguma bobagem inofensiva para descansar seus cérebros. A manhã seguinte, após o treinamento, Patrícia as interpela (...) quer evitar desastres...

- Vamos fazer um paralelo entre um caipira que encontra um carro pela primeira vez e não sabe o que fazer com ele, e um político deslumbrado com o poder, os dois vão ser manipulados pelos outros, mas vão pensar que são os donos da situação – diz Elizabeth.

- interessante! A alegoria é muito boa... Mas, pretendem fazer algum laboratório para isso?

- Então... A gente precisa saber como animais que não estão acostumados, reagiriam a um automóvel invadindo seu território, então...

- Parada aí, Prudence! Eu vou conseguir alguns vídeos para vocês estudarem, vocês não vão fazer laboratório nenhum! Hoje mesmo vocês recebem os links.

Dito e feito. Ainda de manhã as duas têm algumas dezenas de vídeos dos anos 1920 até hoje (...) Durante o trabalho, enquanto os amigos rolam de rir, Patrícia explica o que exactamente quis evitar (...) Sabaya aparece com uma documentação que lhe pediram, vira-se para se retirar, mas é detida pela avó...

- Eu ainda sou só escritora! A Aisha é escritora, executiva e agente secreta, a gente quase não conversa mais! Faz uma data que temos um romance esperando pra começar, porque ela não tem mais tempo pra trabalhar comigo!

Responsabilidades de quem precisa controlar um clã inteiro. Promete falar com as duas assim que ela voltar da loja, mas até lá quer que desfaça essa cara de enterro. Espera a garota sair, se vira para os outros e pergunta o que fazer (...) As três ralmente conversam, mas tudo ainda fica na promessa e na estratégia de Aisha, que pede à irmã para fazer esboços da trama, enquanto ela rascunha algo entre um negócio e outro (...) Agora precisa ir, tem alguns elementos perigosos na mira, precisa ficar de olho neles até que mostrem suas garras.

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Tentam pressionar Patrícia, querem que confesse que está tramando contra eles. Não só não funciona, como o tiro sai pela culatra. O motivo da polêmica secreta é a novela de Elizabeth e Prudence, que fez chefes de Estado e de serviços secretos se enxergarem em muitas passagens (...) A primeira conseqüência é que todas as obras das irmãs são banidas de alguns países, a segunda é que elas foram banidas de alguns países, a terceira é que o mercado negro de artigos proibidos ganha mais um ítem para lucrar. Alguns espiões e ex agentes se identificaram, alguns daqueles suicídios ainda ecoam em seus ouvidos. A imprensa não perdoa, na coletiva do show seguinte, que nem estava prevista, mas eles atazanaram a equipe de apoio, tocam no assunto...

- Eu já imaginava que fossem perguntar por isso. Certo, quantas democracias fizeram isso? Quantas? Nenhuma. Minhas filhas podem parecer meio malucas para vocês, que não as conhecem, porque quem as conhece tem certeza, mas estão fazendo um trabalho sério. Elas fazem laboratórios para descreverem com consistência as cenas, até estudaram metalurgia!

- Mas há rumores de que elas revelaram altos segredos de Estado!

- A novela delas é uma obra de ficção, qualquer semelhança com pessoas e eventos reais é mera coincidência. Apesar de darem uma aula de história da América, como pano de fundo, o que elas fazem é ficção. Se eles tinham segredos a guardar, fizeram o desfavor a si mesmos de alarderar que há semelhanças entre algumas cenas e operações secretas. Não se pode fazer nada por um idiota que pratica teimosamente sua idiotice.

A CIA fica calada (...) mas agradece pela histeria instalada, agora sabe onde procurar. As irmãs também estão cercadas pouco tempo depois por jornalistas, paparazzi e arremedos de imprensa, querem saber como se sentem, proibidas de entrar em vários países, que nunca visitaram e onde nunca pensaram em colocar seus pés (...) Fester e Mikomi estão por perto, com seus smartrains ligados, para Nancy ouvir e poder agir em tempo hábil. Está ocupada na fundação, mas vai ver as netas assim que terminar. Não demora a entrarem em polêmicas e sugerir que elas estariam prejudicando as boas relações exteriores do país, Elizabeth responde “Mostre como” e eles se enrolam, começam com “respeito pelas culturas locais” e salpicam “você não acha que” no discurso. Ela se encarrega de findar o assunto...

- O máximo que podem nos acusar é crime de opinião, que em nosso país não existe. Vamos voltar pro trabalho, Proo.

- Vou com vocês.

Viram-se e vêem Nancy abrindo caminho no meio daqueles bisbilhoteiros. Lá dentro as duas desabafam, estão irritadas (...) Compreendem agora a postura autoritária da mãe diante da imprensa, se deixassem as fariam queimar os próprios livros (...) Durante o curso de conspirações internacionais, elas aprenderam como a manipulação da imprensa e pela imprensa, pode fazer um ditador parecer um herói. Vão utilizar mais esta tecla, ela está praticamente intocada. Lá fora Henry faz a média com a banda e converge para os provocadores a entrevista forçada, começando com “Quem encomendou a pauta?”.

Fester liga para a sobrinha, que dá o recado a Sandra...

- Nossa, ele quer mesmo ficar bem na fita com a gente! Vou falar com ele na volta.

Voltam ao ensaio, têm um show para desestressar, nesta noite. Carly teve um gostinho especial, um clube de pin-ups vai comparecer em peso em sua homenagem, com todos vestidos a caráter. Cerca de cem membros vestidos como nos anos 1940 estão lá (...) apreciando o repertório do último álbum para se anestesiarem um pouco do pandemônio em que o mundo mergulhou. Todos ali precisam disso, mas vintagistas mais ainda.

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