sábado, 4 de maio de 2019

Dead Train in the rain CCXXXVI

    Trabalho duro de cada dia. A estação 236 faz uma ode e uma ressalva àquilo que nossos amigos tanto valorizam. Embarquem, o trem vai partir.


Renata procura um modo de tocar no assunto (...) sem rodeios “Ela voltou a ligar?” e Elisa responde “Não” de forma seca. Não viu raiva, mágoa, absolutamente nada que contaminasse aquela negativa. Aparentemente aquelas palavras duras foram ditas com bastante serenidade. A insistência do olhar da psicóloga incomoda...

- Ela não faz falta. É alguém que simplesmente não quero por perto.

- Sua única filha, certo?

- Certo. Uma e já foi o suficiente. Chocada?

- Não. Só intrigada com a ajuda muito generosa, para alguém que não faz falta.

- Não se deixa um ser humano passando fome e frio.

- Você é sinceramente melhor pessoa do que eu imaginava – diz, apesar de não ter se convencido totalmente.

Os dez mil (...) darão para três ou quatro meses, período em que espera conseguir pelo menos pequenos trabalhos regulares, como este, vestida de amendoim e distribuindo amostras grátis em frente a uma doceria. Já está bem alimentada e o aluguel do quarto está pago, as urgências estão quitadas. O que ainda dói são aquelas palavras duras da mãe.

Os outros chegam e ela vai à biblioteca. Desta vez as portas ficam abertas, não há nada além de relatórios que ficaram prontos antes da hora (...) Conseguiram finalmente vender empresas que não interessam à corporação, o bom é que a gestão Dead Train as tornou muito atraentes, o melhor é que foram vendidas para gente que conhecem (...) o melhor é que os funcionários mais antigos participaram da compra. Enfim, o trabalho dos seis não será perdido por uma gestão padronizada e patologicamente eficiente (...) Patrícia põe o tablet na mesa, olha para os parceiros de vida, abre um sorriso e a alegria se dissemina, vão à copa preparar um lanche para comemorar a vitória dupla.

As marroquinas tentam entender aquela comemoração, eles explicam. Aquela foi a última leva de problemas que precisaram assumir na última grande crise, estão finalmente livres (...) De cara, pouco mais de mil pessoas deixaram de ser empregadas para se tornarem sócias em seus próprios e prósperos negócios. Em vez de salários, agora terão dividendos e a chancela do período em que suas empresas foram recuperadas e reformuladas pelos seis amigos de Sunshadow (...) dão as boas novas oficialmente, aliviando os que estavam mais preocupados do que o normal com suas saúdes. Afinal, solta um paparazzo sem noção, ainda são bonitos e fortes, mas não são os garotos que estouraram nas paradas e nunca mais saíram dela...

- DAMMIT! Cara, você não cansa de soltar merda???

- Poupe-se, Henry. Parece que seu amigo precisa ser dissuadido de algumas superstições. Vamos dar a vocês dois um dia de furo. Vão ver nosso ritmo de trabalho em tempo real, nós doze em um dia normal de trabalho. Topam ou vão amarelar?

Aceitam o convite da líder da banda. Preparar-se? Não, é hoje mesmo! (...) Henry olha para a cara de sarcasmo de Sandra e percebe que ganharia qualquer aposta que fizesse com ele, mas não há tempo. Primeiro precisam ver o fornecimento de fios para a tecelagem produzir as novas padronagens e texturas da Maison Petty Green prêt-à-porter. Não é qualquer algodão, qualquer lã, qualquer nylon, qualquer linho, qualquer seda ou qualquer viscose, é só o melhor fio de cada tipo para cada caso. Conseguiram encontrar coisa boa em Cordoba, na Argentina, querem a confirmação das análises do laboratório móvel (...) a equipe científica mesmo traria o primeiro lote.

Caso da lã encaminhado, passam para o monitoramento do algodão mais mimado do mundo, na fazenda de um amigo no Mississipi (...) Concluem os problemas da tecelagem, e por conseqüência da Maison, vão para as questões de tecnologia. Para começar, reiteram aos outros acionistas que vão manter as pesquisas de processadores sem silício com ou sem eles, mas quando estiverem prontas, terão que pagar pelas patentes (...) O ritmo dos doze é muito rápido, tão rápido que os paparazzi não conseguem acompanhar todos os movimentos, mas mesmo assim nenhum deles demonstra cansaço ou irritação, muito pelo contrário, os trabalhos progridem na mais santa paz, até com piadas e risadas esporádicas.

O primeiro intervalo é para um lanche (...) Sandra olha para os dois, pasmos com o que estão vendo...

- Estão pegando boi! Hoje está tudo indo bem, tem dias em que chutamos traseiros e fundilhos em larga escala... Aliás, por falar em chutar... Stue, como tá o meu pai?

- Graças a Deus sua mãe chegou e impediu que ele escalpelasse um cara...

- Se for quem eu estou pensando, eu farei o serviço.

- Não, é outro, um gordo careca com sotaque francês...

Ela olha para a madrinha, Patrícia faz sinal de que espere um pouco, liga para algumas pessoas e dá o recado a quem deve. Continuam forçando Elias até o limite, para ele cometer algum erro grave, mas ele só tem ficado mais forte com o tempo. Ele é o modo mais fácil de atingir Princess, só não contam aos enviados os riscos que correm (...) Em dez minutos ele chega e Sandra o acolhe, depois puxa a mãe e mima os dois, para o deleite dos convidados. Os doze se aproximam para dar um momento ameno a quem teve o dia começando com uma chantagem corporativa internacional...

- Você está se saindo melhor do que a encomenda – diz Patrícia – mas por isso mesmo vamos ter que interferir mais. Quero que aceite Aisha como sua aprendiz na Vintage Way of Life.

- Ela ainda é uma criança e o serviço lá é duro.

- Ela dá conta. Eu a acostumei a trabalhos esporádicos, ela tem aptidão para administração.

E a garota tem seu primeiro emprego formal. Elias arranja-lhe uma sala com vista para a rua, de emergência a mobilia com temas delicados e todo o aparato cibernético de que um executivo necessita, até exagera, um biombo de portas separa a parte laboral de uma pequena e muito bem provida copa, com suprimentos para um mês...

- Vó, ele tá me mimando... Deve estar com medo de me traumatizar, sei lá...

- Então tenha a iniciativa e pegue um serviço.

Ela pede para ver o que ele está fazendo e quase engasga (...) Começa a conferir os balanços diários da semana passada e comparar com os desta semana, ajuda a fazer os cálculos e fechar o serviço bem antes do que ele está habituado. Talvez tenha exagerado nos mimos e subestimado a casca grossa da garota, mas vai manter seu escritório como está.

Quando os doze estão se despedindo dos paparazzi (...) Aisha conta dos abusos que viu o brasileiro cometer contra si. Ele precisa mesmo da ajuda...

- Ah, que maravilha! Eu tenho uma espiã e uma moderadora ao mesmo tempo, e você tem seu primeiro emprego! Fora isso, o que pode me contar?

- Ele é extremamente metódico! Parece uma máquina quando está trabalhando!

- Sério? Mais do que eu?

- Você é eficiente, ele é uma máquina mesmo! Demora um pouco para aquecer, mas quando aquece você mal vê seus movimentos. É como uma locomotiva a vapor!

- O que esse menino estará aprontando? Ele não precisa disso! Os balanços?

- Na conjuntura econômica em que estamos, é surpreendente! Parecem ter saído de uma economia muito aquecida. Eu vou ter que ajudar muito, senão ele tem um piripaque a qualquer momento!

- E os mimos?

- Ele montou um apartamento pra mim! Vou ter que ser durona pra ele não se preocupar.

- Cadê o orgulho da mamãe?

Sanaa chega com Lois nos braços, pronta para afagar o rebento. Repete “Seu primeiro emprego, seu próprio dinheiro” até se cansar e cair com ela no sofá. Elias (...) será uma grande escola para a filha. Ele, por sua vez, chega menos cansado em casa, pega Robert Richard nos braços e vai com ele para a cadeira de balanço. Kurt aponta a diferença, normalmente ele puxaria o menino pela mão, por não conseguir levantá-lo. Após um descanso, com a cabeça de Enya descansando em suas pernas, ele liga para a madrinha...

- Aquele casal da CIA me contou de algo que me interessou e pedi detalhes a respeito. Me confirmou três casas abertas recentemente em Angola, Indiana, elas serão demolidas se ninguém as comprar. Uma casa de fazenda construída em 1918 e fechada desde 1948, uma de 1932 e fechada desde 1950, a terceira de 1944 e fechada desde 1947. Todas com mobília e acessórios de época, pelas imagens que me mendaram, intactas. Disseram que as famílias precisaram sair por problemas de saúde ou de viagem e nunca retornaram. Penso em comprar, desmontar e trazer para cá, uma delas seria uma atração em um anexo da loja, pensei que se interessaria por alguma.

- Mas é claro que me interesso! Mande as photos para mim!

Ela fica encantada. A última ainda tem um Buick Eight conversível 1942 vermelho na garagem. Chama Arthur, mostra, explica, liga para a tia e pede que organize seu museu (...) vai ficar com as de 1932 e a de 1944 com o Buick incluso. Pega o afilhado, os comparsas e voam todos para Indiana (...) Elias gosta de vistoriar pessoalmente a casa de fazenda que servirá de cenário permanente para a loja. Naomi, em meio a operários que fazem a limpeza, entra no quarto de casal alisa a cama com a colcha ainda empoeirada e assim mesmo deita-se nela. Renata vai tirá-la, quando a menina solta mais uma das suas...

- Foi aqui que eu morri. Quero morrer pela última vez aqui de novo. Amhrán na Farraige, pode ser?

- Assim será.

- Menina, você tá me assustando! Quem é esse?

- Um avatar do meu dragão.

O clima de perplexidade invade a casa e reduz a temperatura dos ânimos. Patrícia nem quer saber de ouvir algo assim de seus filhos e netos... Mas, um instante, a menina faz parte de suas responsabilidades...

- Nah, prometa para a madrinha que não vai mais falar em morte, não enquanto não tiver idade para realmente poder pensar nisso. Você ainda é uma criança.

- Prometo.

Combinam que vão conversar com Glenda sobre isso, mas por agora vão ver as outras casas. É um encanto só. Patrícia e Elias fazem os cheques e o pessoal da Dead Train Corporation começa a agir (...) Quando saem há uma multidão histérica à sua espera, disparando loucamente suas câmeras. Os seis fazem aquelas carinhas de quando eram adolescentes, sorrido largamente, acentuando as bochechas e destacando os dentes da frente. O público vai à loucura. O Buick vai no Airtrain, para avaliação e reparos necessários (...) são setenta e um anos parado.

Durante o curto vôo, Elias olha para Naomi, pensa no que ouviu, pensa nos filhos, no neto. Volta a olhar para a menina, solta “Você quer aquela casa?” e a pega de surpresa como com um susto (...) Naomi acende um brilho nos olhos que a faz se parecer com um mangá. Ele se levanta e entrega as chaves da casa para Renata, para que entregue quando a pequena deixar o ninho. Ele se vira para voltar à poltrona (...) mas é detido pela menina agarrada ao seu braço, olhando fixamente para seus olhos. Ela não sabe como agradecer. Ele a pega no colo e faz o mesmo que fez com Sandra (...) a deixa recolhida, quase em posição fetal, apenas sentindo o carinho e a proteção que uma criança espera de um adulto. Aquilo repercute em suspiros pela aeronave. Sandra vai deixar a pequena aproveitar aquele colo que ela conhece tão bem, depois enche o pai de beijos e afagos.

Já em casa, enquanto conta aos outros, ela o faz. Todo mundo sabe o quanto ele queria um cenário como aquele (...) Patrícia, enquanto conta emotiva para os seus, procura entre os colaboradores algo parecido ao que ele deixou para Naomi. Renata e Matthew estão escolhendo o lugar onde a casa será remontada. Um colaborador do Arkansas sabe de algumas casas (...) uma em especial entre Benton e Hot Springs, cujo isolamento convenceu os donos originais a preservarem mobília e acessórios dos anos 1930, e electros dos anos 1960. Ela autoriza a abordagem para estudar o imóvel...

- Esse menino! Ah, esse menino... Como alguém pode não gostar dele?

- Ele é ele mesmo demais – diz Richard. As pessoas não suportam alguém preencha tão bem sua própria personalidade, a ponto de não deixar espaço para idéias parasitas. Ainda repercute aquela cena dele descansando tão tranqüilo entre cactos e pedras, é tão autêntica e fechou tão bem sua imagem, que só jogando muito baixo alguém pode ataca-lo, como o têm feito. Você sabe que pessoas como ele são vistas como ameaças.

Ela dá razão ao pai (...) Lembra-se de um show agendado em Little Rock para Junho. Verá com os outros a hipótese de mandarem para a cidade de Dom algumas casas que ninguém mais quer.

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