sexta-feira, 17 de maio de 2019

Dead Train in the rain CCXLIX

    Sensibilidade. A estação 249 mostra que o mundo seria um lindo lugar para as pessoas, não fossem as pessoas. Embarquem, o trem vai partir.


Elisa recebe notícias da filha sem querer, apenas vendo por uma reportagem de televisão ela trabalhando detrás de um balcão de lanchonete (...) Desliga e volta ao jardim, para chorar sem ninguém ver. Nem precisa. Fabrícia percebe o rubor e avisa Patrícia, que transmite para Ana Clara e um pouco de investigação esclarece tudo. Ela mentiu, estava sim preocupada com a filha (...) mas precisava dar-lhe uma lição.

Fabrícia se entretém distante e discretamente com aquele drama, cada vez mais encantada com a complexidade das relações humanas que tem presenciado. Eddie chega já ciente do ocorrido e feliz por ter ocorrido. Puxa a gestante para mais uma sessão, na suíte que ela ocupa. Tudo corre bem até ela se lembrar dos momentos e dos planos que tinha com Jomar, embora menos, volta a chorar (...) Ela só se pergunta como criar o filho sozinha, e a psiquiatra tem a resposta na ponta do dedo. Em meia hora Laura está lá, contando das dificuldades que enfrentou para cuidar de Silvia. A primeira dama cita os perigos a que estavam expostas e não sabiam, fala ainda de como conheceu Daniel e acabaram se casando. Os bons resultados da conversa encorajam Eddie a utilizar mais o recurso.

A neve lá fora não permite muitas estripulias, por isso as pessoas só saem quando necessário, exceto Phoebe. Ela chega serelepe à casa da avó, usando apenas um gardigan decorativo. É abordada por um paparazzo todo empacotado (...) Ele pergunta pela garota que viu com Elias e Enya indo à fundação no Model S, com um bebê...

- Adoção.

- Mas as duas? Como foi com a Enya e o Kurt?

- Precisamente... Ei, sua memória é boa!

Entra sem dizer mais. Quer falar com a avó assuntos da organização (...) É rápido, logo passam para assuntos de família; Elisa e Fabrícia. Patrícia diz que lhe cortou o coração, mas também foi um alívio saber daquele choro. Já a hóspede está evoluindo bem, o recurso de conversar com quem enfrentou as dificuldades que ela espera deu bons resultados...

- Preocupada?

- Um pouco. Temos três casos complicados aqui; Fabrícia, Elisa e agora a Adele. Elias já está no limite e não tem ninguém para fazer o trabalho por ele.

- Ainda. Temos gente na organização que gostaria de trabalhar com ele, mas temos que enfrentar a resistência dele que... é basicamente a mesma que eu tenho... Irônico, não?

- Nem um pouco, vocês dois são quase sincronizados. Se eu o ver cabisbaixo é certeza de que vou te encontrar assim também. Logo, se você parar de vigiar as panelas... Vamos ceder um pouco?

- No que está pensando?

Agora ela disse o que queria ouvir. A menininha mandona começa a assumir seu posto e tece carinhosamente sua bronca (...) se oferece compulsoriamente para assumir alguns compromissos da organização. E por falar nisso, Glenda liga, recebeu mais um presente surpresa de Stephanie...

- O título é “For To Be American”, tem instruções claras e conhecimentos gerais básicos sobre a América que “todo cidadão precisa saber sobre seu país e si mesmo para se considerar um verdadeiro americano”, nas palavras dela. Isto vai ser útil para nós.

Vão ter com a professorinha cheia de surpresas. Silenciosamente ela tem ouvido e meditado sobre as conversas da tia e seus comparsas, comprovando na prática as mazelas de que se queixam. Uma lida rápida e se lembram de quem pode se beneficiar muito com a obra (...) Adele volta para casa após conhecer uma realidade de que sempre foi privada (...) terá que aprender praticamente do zero. Pior, terá que reformatar o que aprendeu e eliminar crendices dogmáticas. A história das mulheres cativas rendeu um choro que Enya ainda tenta enxugar.

Glenda acelera o quanto pode o lançamento do livro, deixa para os outros o restante do trabalho e se dedica só à obra. As trezentos e oito páginas são enriquecidas com suas ilustrações, para o caso de alguém não entender o que está escrito. Duas semanas e mandam rodar...

- Mas já?

- Menina, este livro deveria ter sido lançado junto com a promulgação da constituição!

- Minha filhinha ajuizada!

Audrey enche a filha de mimos (...) No sábado, ainda com neve forte em boa parte do país, o “For To Be American” é lançado com polêmicas prévias (...) Com as caricaturas de Tio Sam e um gordão lhe perguntando “Who are you?” na capa, o livro lança novamente a professorinha milagrosa às manchetes espalhafatosas e polêmicas dos programas de celebridades.

Não é um livro pesado, tudo é escrito com bom humor e sarcasmo moderado, apenas o bastante para o leitor ser apresentado à fina arte da ironia sem ser vítima dela. Mesmo assim os conspiracionistas a acusam de querer moldar a mente americana para facilitar a dominação pelas organizações secretas que realmente comandam o mundo, bla, bla, bla... Para quem estava com medo de a filha depender dos vencimentos de professora (...) Audrey e Frederick estão orgulhosos da carreira literária do rebento. Caroline, submetida a rigores educadionais que Renata conhece bem, começa a ler a obra da mãe, que se torna rapidamente leitura obrigatória em Sunshadow.

A tarde festiva é interrompida pela chegada ofuscante dela, a diva de bilhões, a musa de gerações, a pedra angular do cinema, Jose De Lane! Ela se dirige à afilhada com aquela classe hollywoodiana que não se perdeu com a banalização dos novos tempos, afaga, rende fábulas em imagens aos paparazzi e recebe seus exemplares autographados. E quem chega para pegar o seu? Elias! Com quem? Com a família, incluindo as novatas (...) Adele fica absolutamente tímida diante de Josephine (...) Billy percebe a movimentação da imprensa, avisa aos outros e vão todos ter com os responsáveis pela garota, que fica cercada pela imprensa oficial da banda, para seu próprio bem.

Os outros chegam, mas ela já está protegida e só os responsáveis por ela vão responder alguma coisa (...) Há transmissão ao vivo e os pais biológicos da garota tomam conhecimento. Seria um perigo, se a polícia já não estivesse prevenida, eles a exigem de volta para fazerem o que acham que devem com sua “propriedade” (...) Não é “amor familiar” que eles demonstram, é ódio, ofendem sistematicamente a filha biológica. Grenade e Dirt Job não permitem que se aproximem, o homem tenta jogar um vaso na filha, acertaria se a irmã adoptiva não fosse tão bem treinada...

- Eu poderia atirar de volta na sua cabeça, mas minha vontade é enfiar no seu rabo, hipócrita!

A imprensa adora! Eles se vão tremendo, mas prometendo arrancá-la de volta e dar-lhe o castigo pela ofensa a Deus, avisam para esperarem pela decisão do tribunal que “vai acatar a verdade absoluta da sagrada estrutura familiar cristã” (...) Está tudo filmado e tudo será usado em um eventual processo, coisa a qual todos ali estão acostumados. Enya recolhe a nova filha para um lugar discreto e pede que continuem com a festa, o casal vai fazê-la esvair o choro e descansar até poder sair a público novamente.

Na privacidade do escritório, nos braços do casal, ela sente amor de mãe e pai como nunca antes (...) Ainda não está acostumada a isso, não recebia na antiga casa. Adormece por alguns minutos nos braços que a tiraram da morte fria, então está pronta para retomar o fim de tarde de que foi usufruir. A imprensália está ansiosa para revê-la nesta tarde gloriosa e lucrativa, mas voltam a cerca-la como cercam as crianças da cidade (...) Seu comportamento até agora não condiz com sua idade biológica, mas começou a evoluir. Voltam à tarde de autógraphos, a novata precisa de doses de cultura para seu tratamento, não é o primeiro e não terá sido o último ataque que dirigem a Sunshadow.

&

Richard (...) é vestido pela esposa com aquelas roupas rústicas, põe um machado e uma espada na cintura, um pouco de óleo hidratante para dar brilho na pele et voilà; um viking que vale por um exército, pronto para a abertura do Sunshadow Otaku Week (...) Marcia vai de Valquíria. O capitão Gardner nunca foi tão intimidador, tão visualmente brutal e tão atraente para seus fãs. Algumas mulheres babam sem disfarce quando o vêem. A moça fica com aspecto de ninfeta, em suas proporções perfeitas, sua forma invejável e sua carinha de garota (...) Patrícia e Renata vão de pilotos dos anos 1920 recepcionar seu rebentos. A presença oficial de estúdios e editoras aumenta a divulgação daqueles figurinos, e alimenta o jet set.

Os três dias do festival são proveitados para assuntos secretos, os agentes em cosplays previamente determinados se aproximam como quem não quer nada, tietam um pouco, alguns recebem instruções e outros trazem gente que vai ficar no país (...) Um deles é um Pataxó que um senador acredita ter conseguido eliminar, por meio de seus jagunços, que sofreram misteriosamente um acidente fatal de avião, enquanto liam a bíblia, pouco depois de terem assassinado o índio. Ele vai viver com os Comanches. Os outros fugiram de ditaduras que não se fingem de democracias.

Phoebe aparece no último dia dirigindo uma réplica com 9ft de comprimento do Wheellie, que faz os mais jovens perguntarem aos nerds da velha guarda do que se trata. Ela sai do Fusquinha pela janela e ele continua sozinho a passear e interagir com as pessoas, coletando dados...

- É um robô. Tive problemas com o software que me indicaram, ele não era confiável o bastante. Tirei, coloquei um tabletrain antigo no lugar e ele funcionou direito.

Diante dos olhos brilhantes de fascínio da bisvó paterna, ela entrega o controle do veículo, sabe que o quer (...) porque o original custou uma pequena fortuna em seu desenvolvimento, mas os resultados serão empregados nos productos da Gardner, para isso ele foi exaustivamente testado.

Uma pequena aglomeração chama a atenção. Kurt fez uma pintura facial em uma fã e uma fila se formou. O rapaz se arma de toda a sua fleuma e suas famosas reações espalhafatosas para atender todos em tempo hábil. A imprensa o cerca para registrar mais de cem visitantes saírem com obras de arte faciais (...) E volta com Lidia e Stanley para o passeio, como se nada tivesse acontecido. Um homem os aborda e pergunta se ele tem consciência de ter dado mais de mil dólares a cada um daqueles visitantes...

- Você está preocupado com isso? Nem eu.

- Então eu posso comprar deles o direito de reprodução daquelas pinturas?

- São deles, podem fazer o que quiserem. Não cobro por presentes que dou.

A esposa não demonstra o quanto gosta dessa demonstração de desprendimento, é o mínimo que espera dele (...) A internet pega fogo, críticas pró e contra inflamam os fóruns especializados em artes, mas ele só tem atenções para a nova irmã vestida de Penélope Pitstop, que está encantada com esse mundo novo e ganha uma pintura facial mais elaborada. É a quem ele e Sandra dedicam seus cuidados (...) Prudence se revolta cada vez que se lembra do que a mãe falou sobre as agruras que ela sofreu...

- Imagine se isso não tivesse vindo à tona! Acabaria evoluindo até a minha história se repetir!

- A gente vai tocar nesse assunto, Proo. Espera e guarde sua raiva para esculachar esses pilantras!

Acata a irmã, respira fundo e volta ao entretenimento. Glenda está por perto, ouvindo tudo, vendo tudo, sabendo de tudo, tomando ciência de tudo. É o evento dela, ela tem dever e direito de fazê-lo.

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