domingo, 26 de maio de 2019

Dead Train in the rain CCLVII

    O Senhor Conspiração. A estação 257 traz uma série de tensões e intenções dúbias que Patrícia precisa enfrentar. Embarquem, o trem vai partir.


Matthew há muito tempo tem deixado Naomi à vontade em seu trabalho, mas hoje um editor o chamou para ele ver o último texto da caçula. Ela fala do brexit de uma forma tão leve, que não parece ter o peso de conseqüências que terá...

- “Se você decide deixar sua casa, a rotina da sua família toda muda; se um lojista decide fechar as portas, as rotinas de muitas famílias mudam; se um pequeno país decide sair de um bloco, a rotina de vários países muda; mas quando a antiga (e ainda poderosa) maior potência do mundo decide sair, muda o mundo inteiro. Ninguém sai ileso, cada um precisará suportar as conseqüências que lhe cabem, mas faz muita diferença se você consegue simplesmente sair do grupo, em vez de abandoná-lo. Infelizmente há mágoa nessa separação, e gente magoada não raciocina muito bem. O que nós podemos fazer a respeito? Nos unir. Unidos, sentiremos menos os efeitos econômicos em cadeia que isso vai gerar, porque uma dissidência sempre é seguida de outras. Mas nos uniremos, ainda que motivados pelo medo do pior. Afinal, não somos os Estados Unidos?”... Caraca!

Liga para Renata, ela lê a coluna e repete a exclamação. Fabrícia (...) reage de modo mais enfático. Faz questão de traduzir, compartilhar e dizer que aquilo é obra de uma criança. Só quando os outros lêem, é que se dão conta de quem são os contactos íntimos da moça, o assédio fica perigoso a ponto de Sandra e Giovanni irem pessoalmente buscá-la, uma semana antes dos exames de rotina (...) sem nem dar tempo de ela fazer as malas, na frente de todo mundo na BYOP. Ela só passa em casa para pegar o passaporte e ruma ao aeroporto, quando se dá conta está em Sunshadow. Temiam que simpatizantes dos assassinos se aproveitassem do assédio (...) E já que está aqui, vamos antecipar os exames.

Compras rápidas para ela ter ao menos o que vestir, calçar e alguns cosméticos. As marroquinas a recepcionam com carinho, enquanto a ama e senhora da casa está com os comparsas em um trabalho complicado (...) O boicote que alguns artistas querem impor à banda, por não terem aceitado ir a Cuba com Obama, mesmo o próprio tendo compreendido os motivos, nem lhes toma a atenção. Agora precisam decidir se usam desde já o resort cultural em Marrakesh para salvar vidas, mas de modo discreto (...) Patrícia liga para Abu, lhe dá instruções pormenorizadas e avisa para manter malas sempre prontas. Isto foi parte do problema. O próximo é o Brasil, de novo!

Antes que as empreiteiras brasileiras comecem a ser espremidas e derramem lama pelo mundo inteiro, deixam pronto material para se resguardarem, porque muita gente próxima está envolvida (...) O último assunto é doméstico, mas faz parte de conseqüências globais por permissividades de chefes de Estado ao longo de vinte anos. Aquelas crianças que outrora tanto lhes suscitaram ternura, ao verem suas imagens pela televisão, se tornaram seres autoritários e inimigos de quem enxergue suas contradições, à moda das igrejas radicais, para defenderem os tiranos que consideram salvadores da humanidade. Os trabalhos terminam no fim da tarde, com os seis cansados. Precisaram falar com muita gente ao redor do planeta, avisar colaboradores e presidentes de suas empresas (...) Não se iludem, sabem que estão contrariando nações inteiras.

Tudo isso após terem despertado, lendo a coluna de Naomi (...) Quanto aos artistas que querem boicote, estão muito ocupados agindo no mundo real, para se importarem com quem romanceia regimes cruéis e acredita em utopias de jantares grátis. Renata deixa seus guias limparem o ambiente e vai com os outros para a Máquina de Costura, recepcionar Fabrícia. Lá está ela, com aquele barrigão enorme, prestes a dar de mamar e perder noites preciosas de sono. Chamam Eddie para a festa logo na manhã seguinte. Enquanto Fabrícia conhece Abigail, é observada por sua psiquiatra, que recebe mimos paralelos por sua gestação (...) Eis que, em uma conversa mais informal com sua terapeuta, ela vê acidentalmente uma matéria sobre um negro que, alegando saldar uma “dívida histórica”, violentou mais de cem mulheres brancas. Ela se descontrola e precisa ser amparada, afinal não estava bem como queria parecer. O estresse também antecipa o parto, ali mesmo, no jardim da Máquina de Costura. Raimundo e Francisco (...) são sunshadowers, com todas as regalias que um cidadão americano pode ter.

Sandra e Eddie descansam da emergência (...) Vão à maternidade para exames preventivos, mas pelo que a madrinha dos petizes aferiu, estão muito bem de saúde. A notícia corre, há protestos contra, todos inócuos ante a legalidade do nascimento. A mãe, ainda assustada, amamenta os rebentos sem ter olhos para mais nada. Os avós são trazidos para conhecerem os pequenos, saindo pela primeira vez do Brasil (...) Ela agora tem três meses de licença maternidade e dois filhos americanos, para justificar sua permanência prolongada sem precisar de complicações burocráticas. Os nomes dos meninos soam engraçados ao tabelião.

Para Patrícia é um céu. Há bebês na casa e os verá por bastante tempo, apesar dos seis shows marcados para o período. Um deles hoje, em Pittsburgh, onde fazem o ensaio oficial antes da sesta (...) Há um público ávido por um espetáculo musical e o terá. Eles voltam felizes para o hotel, onde a rotina do ritual de meio século ajudará a manterem o padrão de qualidade. Não houve entrevistas (...) por não quererem tocar em alguns assuntos no momento, como Raimundo e Francisco. À noite vão os vinte e quatro à arena, atiçando o público pelo caminho. Chegam e vêem um cartaz pedindo declarações sobre, justamente, Fabrícia e o conveniente nascimento de seus rebentos em território americano. Fazem sinal de que noutra oportunidade poderão falar a respeito, agora só querem cantar.

Mais do que cantar, interagem com o público como têm feito desde 1962, dando aos fãs a sensação de que são importantes para eles (...) Voltam a Sunshadow de manhã bem cedo, depois do treinamento diário e após um pequeno incidente. Dois cartazes deixados por encapusados durante a madrugada, em frente ao hotel, ambos contra Ronald e Rebeca; um acusando de corruptores da “raça negra”, outro de violentadores da “raça ariana”, este em particular citando Zsa-Zsa. Ronald não hesita em dizer que os dois responsáveis são iguais, membros de faces opostas de um mesmo grupo. Todos por perto ouvem, e os responsáveis não gostam de ser um comparado ao outro.

O Airtrain os leva para longe da polêmica que se instala e chega às redes sociais (...) têm outras preocupações para tomar seu tempo. Mas só amanhã, por hoje querem espairecer e aproveitar suas famílias. Robert de longe vê Mikomi e Sakura entretendo Adele, ao lago de carpas. Ela (...) está progredindo. Ela vai recepcionar o tio adoptivo...

- Tia Mikomi me ajudou a falar com gente no Japão. Lá agora é noite!

Terá um dia diferente do que imaginou, mas gostou da introdução (...) O motivo da visita é que a garota quis saber sobre cultura japonesa, Enya a trouxe e levou Hope consigo, para ela se dedicar com tranqüilidade às descobertas. Mikomi esperou ele chegar, para contar de como se conheceram, com a ajuda desinibida de Rebeca (...) De quebra aprende também a fazer os bolinhos de arroz. Volta para casa pensando na aparente facilidade com que os dois se escolheram e se entenderam, volta a ter esperanças de também encontrar seu par.

&

Strip e Spark brincam (...) enquanto Phoebe trata com Sandra e Giovanni dos detalhes das próximas viagens a shows...

- O senhor, consorte de nossa valorosa agente, terá que dar suporte mesmo sem saber o que está acontecendo. Se ela disser “acene para lá”, acene, entendeu?

- E se “lá” tiver uma parede?

- Todo mundo sabe que você é sem noção o suficiente para isso. Vamos pedir que Patrick te acompanhe, para não te levarem em uma camisa de força.

Conversam enquanto Rose, Serena, Aretha e Inga cercam Abigail (...) A chance de se passar por louco vem. Na saída de uma coletiva, Sandra cutuca o marido e ele acena para Patrick, que já instruído acena de volta, os dois se aproximam para improvisar uma conversa e ela pode sair com mais discrição, enquanto a mídia especializada espera pelas palhaçadas que eles sempre soltam.

Ela sai com a comparsa pelas ruas de Boston, em uma Silverado com os vidros escurecidos. Encontram seus contactos em uma oficina de customização (...) uma fachada do Pentágono para este fim. Tenente Sonya Berger se apresenta e as leva ao escritório (...) São o mais rápidas que podem, entregam o cristal de memória, a oficial confere as informações e vão as três buscar o protótipo...

- O que estão fazendo na picape do Benton – questiona Sandra?

- Ficaria estranho ela sair do jeito que chegou. Só vão trocar as rodas e passar um verniz flocado... e acrescentar alguns cvalos.

Fazem algumas coisas mais, para não perderem a prática, mas é coisa leve. Phebe entrega o protótipo funcional e já testado da ogiva anti-balística. Ela é colocada em um blindado travestido de Lincoln MKX e levado à base. As duas voltam ao hotel com quase a mesma discrição (...) a missão foi cumprida e elas podem agora se dedicar à parte mais saudável de suas vidas. Patícia e Rebeca as recebem com carinho, mesmo tendo sido uma missão simples, estava cercada pelos riscos de sempre. Estão acelerando as cooperações com o governo (...) o próximo presidente (...) vai desconhecer a organização enquanto não se mostrar digno, ou enquanto não for necessário.

Vão todos ao estádio, vistoriar e testar a acústica, para relaxar. Quando terminam com os testes e voltam ao hotel, lá está o velho Gardner, acompanhado de Josephine e um alto assessor da Casa Branca. Patrícia convida todos a subirem (...) Chegam ao andar, o rapaz diz o que os outros podem ouvir...

- A Rússia quer um show. O Senhor Presidente não vai se pronunciar, mas ele acha que isso pode ajudar a reaproximação em um futuro próximo... É isso.

Eles olham todos ao mesmo tempo, com caras de “Explique isso, mocinho”, deixando o homem tímido (...) Patrícia suspira, olha para os parceiros e passa a focar o pai e a madrinha. Richard se antecipa...

- Obama e Putin não querem que a população pague ainda mais caro pelos impasses diplomáticos, a apresentação de vocês em Moscou e, talvez, em São Petesburgo, facilitaria o entendimento, quando essa rixa terminar. Não que eu acredite neles, mas nós acreditamos em atenuar o sofrimento de uma população que há séculos sofre nas mãos de seus líderes.

Um suspiro longo, um “Meu Deus, por que eu” e ela decreta “Vocês três e vocês dois venham comigo, vamos falar directamente com Kremlin” (...) deixando até o representante do presidente de fora, diante daquelas caras bravas a exigir uma explicação mais convincente. Lá dentro (...) ela ouve do próprio presidente que seu voto em 1964, teria sido pela entrada da banda na União Soviética (...) Ele coloca toda a sua legendária habilidade e seu vasto cabedal geopolítico para convencê-la de que a estadia será tão agradável, que se esquecerá do incidente com os agentes em 1964...

- Eu sei que aquele atentado aéreo não partiu de você, Vladmir. Burrice é um defeito que passa longe de você, o ponto é outro; Eu sei que vai usar a passagem da banda pela Rússia em seu favor, perante a opinião pública, que vai soltar que as decisões da Casa Branca não encontram eco no seio do povo americano. Pode falar o que pretende, sou toda ouvidos... Pra cima de mim, Vladmir? Conta outra! Sim... Sim, ambos concordamos que o ocidente está cuspindo no prato em que comeu, abandonando seu alicerce, contraiu um medo imbecil de se assumir ocidental... Também sei desse partido pró pedofilia, estou com a mão no gatilho e a mira na cabeça de cada um deles... Certo, você encontrou nossos pontos de convergência, agora desembucha. Você ainda era um garoto, quando eu entrei nesta vida dupla... Ok, me convenceu. Vou falar com os outros e ver o que posso fazer, mas haverá um show em Tbilisi, mais tarde outro em Kiev, entendeu? E você conhece as regras, não conhece? Óptimo. Conversaremos novamente ainda hoje, no fuso horário de Boston. É mole?

- Você falando russo e ele inglês, foi hilário!

- Não brinca, Mascote... O cara conseguiu me chantagear legal! Vamos falar com os outros.

Nem quer tocar no ponto em que disse que estão investigando prováveis raízes russas da casa de Alander. Coloca a Culture Train na linha e explica a situação. Terão que fazer em escala menor, mas com muito mais intensidade, o serviço diplomático da Grande Turnê. Ainda liga pra Margvelashvili, combina um encontro ultra secreto com Putin, então liga de volta para o Kremlin e acerta tudo. Mandará os agentes russos estudarem as condições e começarão a planejar os shows...

- Meus queridos, eu só tenho uma coisa a dizer agora... Vamos comer e dormir, amanhã teremos um dia cheio. Sem mais. Você dorme aqui, hoje. Amanhã vocês três podem ir embora, depois de terem se alimentado, é claro. Vamos comer.

Enquanto dois chefes de Estado comemoram, sua alteza tenta retomar o resto de normalidade que sobrou deste dia. Apesar de tudo, o show da noite seguinte é o padrão Dead Train de qualidade (...) A imprensa ainda não sabe e não saberá até o último momento dos shows combinados ontem à noite, pelo menos até lá terão um mínimo de sossego, na sagrada dureza cotidiana.

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