A neurose nossa de cada dia. A estação 77 desenha a diferença entre o perigo real e o imaginário, que se parecem, mas não são gêmeos. Tenham discernimento e embarquem, o trem vai partir de verdade.
Os do contra torcem seus narizes e afirmam
ser mais uma manobra imperialista do grande capital, para alienar a população e
permitir a perpetuação da opressão capitalista americana na América Latina.
Outros apenas que é uma invasão cultural em um mercado já saturado de
intervenções estrangeiras. Alguns decidem faturar fazendo cover da banda, nas
noites. Há movimentos para um boicote, mas a campanha “Minhas férias em
Sunshadow” eclode em todo o território brasileiro, inclusive em rincões onde os
ditos coronéis tinham proibido as obras da banda (...) Os fãs correm para os postos de inscrição, tudo
organizado e executado por gente do escritório central, pois colegas de música (...) perderam prestígio
pelo descaso com que os fãs foram tratados. Como a intenção é dar recados a
políticos brasileiros, seus financiadores e seus capachos, os seis acharam por
bem não fazer economias bobas e colocar gente da Dead Train Corporation
fiscalizando tudo de perto.
A distribuição de pequenos brindes é farta e
independente dos sorteios, a ficha de inscrição dá direito a concorrer a
brindes maiores e até a cursos de inglês, que são os maiores polos de inscrição
no país. Em um dia há mais de um milhão de inscritos (...) foi para isso que incluíram um
computador para fazer o serviço de cadastro. A promoção gera muitos ciúmes,
reacende muitos rancores que muita gente tem dos Estados Unidos, mas não há um
só traço de irregularidade no contracto da promoção.
Os novos patrocinadores entraram de cabeça e
os prêmios são generosos, desde milhares de brinquedos, mochilas escolares
completas, cursos diversos, dezenas de bicicletas de vários modelos, passando
por várias Lambrettas, instrumentos musicais, kits Dead Train, enxovais e
eletrodomésticos para convencer as mães, viagens aéreas para vários destinos no
país, dois Fuscas e um Opala, todos os veículos pintados nas cores da banda. Ganhar
um dos prêmios não inabilita ao sorteio da viagem com acompanhante e todas as
despesas pagas (...) Exagero?
Não (...) eles estão
conseguindo intimidar seus opositores. Até quem não gosta se inscreve, erra de
propósito alguns itens para não ter que viajar aos Estados Unidos e aguarda.
A imprensa brasileira faz a festa, ainda em
branco e preto (...) aumentando o efeito da campanha. As regras estão expostas em todos os
postos e são claras, com uma linha para o departamento jurídico à disposição. Os
patrocinadores fazem suas promoções paralelas (...) Gente famosa que sempre
gostou de Dead Train, mesmo antes da promoção, pipoca nos programas de auditório
e de entrevistas (...) mesmo que mal saiba seus apelidos. Salões de beleza lotam com
mulheres que querem cortes e penteados iguais aos das moças da banda.
Monitorando pessoalmente, os seis estudam os
dados enviados pela equipe no Brasil. A popularidade da banda cresceu muito, e
cresce mais com a oposição declarada de quem os chama de agentes da opressão
americana (...) As reclamações são poucas e
rapidamente resolvidas. Um reclamão especial liga para o escritório central e a
ligação é repassada para Josephine, é um senador que suou frio a ver a
envergadura da campanha e ler o contracto de participação...
- Non, por que seria?
- Senhora De Lane, pode me chamar de neurótico,
mas eu vi muitas passagens subliminares que se aplicariam ao congresso
americano.
- Monsieur, o que vocês fizeram de errado,
desta vez? A campanha é da banda, a organização não tem vínculo algum com ela.
Por acaso tem algo a nos dizer?
- Não... Quer dizer... Podemos nos encontrar?
- Podemos. Fique aí, mandarei buscá-lo. Doom,
você está livre? Preciso que busque o senador Brownie e o traga aqui em
segurança – diz com o sotaque aflorado.
Tobby o leva com dois atiradores para a tal
conversa (...) Convoca a cúpula da organização,
incluindo Brain, Beyond e, para o pavor do senador, Princess. Os três põem as
mãos nas testas, desolados, ao ouvirem do que se trata, estão furiosos. O
senador reitera a todo momento que tiveram a melhor das intenções, sendo
interrompido por Patrícia...
- Meus parabéns, senador. Suas boas intenções
tornaram a guerra do Vietnã não só estúpida, mas também inútil. Agora não importa o que façamos, a população
vai ficar do lado dos comunistas! Milhares de garotos, que poderiam ser seus
filhos foram mortos ou mutilados à toa. Antes que abram a votação, eu voto pela
retirada das tropas, antes que os soviéticos fiquem muito inchados e comecem a
alardear cada derrota nossa.
- Não! Talvez ainda haja um meio de
garantirmos a vitória, preservar o nosso orgulho...
- Alguém no congresso sabe fazer uma lavagem
cerebral em massa, em menos de uma semana, em um país que não tem meios
próprios de comunicação em massa? Se não, todos os garotos que mandarmos para
lá morrerão em vão. Agora veja se não piora tudo, não aumenta nossa vergonha e
mantenha segredo desta reunião.
- Princess, você está bem?
- Estou. Perdi um ano de trabalho, mas estou.
Podem acrescentar mais cinco anos à crise iminente, antes de 2020 não voltaremos
ao nível de esperanças dos anos cinqüenta.
- Eu... Eu pretendia era abreviar a guerra,
evitar o pior...
- Com intimidação? Senador, não se intimida
quem está disposto a morrer e tem na morte em combate uma honra! Igual àqueles
árabes que estamos treinando para combaterem os soviéticos... Será que me faço
entender, ou preciso ser explícita?
- Eu arruinei tudo, não foi?
- Não, não tudo. Star, vamos conversar com
aquele rapaz, o Lucas? A trilogia dele vai nos servir, embora ainda não haja
tecnologia para a obra completa.
- Sim, vamos. Senador, não se preocupe, nós
sempre temos dois planos alternativos. Apenas mantenha a boca fechada porque
muita gente já quer a sua cabeça, só esperando por um pretexto. Hoje o senhor
dorme aqui, suba e escolha uma suíte para passar a noite. Tobby, traga Anita,
para tudo parecer mais autêntico. Quanto a você, Patrícia... Eu estou quase
explodindo de orgulho! Você foi maravilhosa! Você impôs respeito, soube comedir
o tom de voz, colocou o senador no lugar dele!
- Cara, eu devo parecer um monstro, quando
estou furiosa!
- Non! Você fica linda como nunca! Tão linda
que assusta!
- É a minha filha!
- Eu amo quando ela fica brava!
- Que horror...
Ela até ri um pouco, mas não fica menos
irritada. Volta para a vida civil nos braços do pai e sob os mimos do marido (...) Encontram Nancy com Richard nos
braços e os outros integrantes da banda, ela pergunta se já salvaram o mundo ou
ainda há uma invasão visigoda para logo mais à noite...
- Ela salvou o mundo. Pena que vocês não
possam saber da íntegra, mas o senador Brownie saiu com o rabinho entre as
pernas – diz Richard.
- OHOOOOO! Patty, você tá ferrando
congressistas agora?
- Não, Mascote, mas como eu gostaria! Ah,
como eu gostaria! O lado bom, por assim dizer, é que ele soltou a bomba antes
que explodisse, poderemos evitar o pior. O realmente bom é que a nossa campanha
no Brasil foi o que o fez tremer nas bases, ele vestiu a carapuça. Isso
significa que os pilantras de lá estão se borrando. Alguma novidade, enquanto
estivemos fora?
Dão um relatório sucinto, tudo transcorre
dentro do esperado (...) Gritando
“Boicotem a promoção dos pelegos”, chamam atenção dos que ainda não se
inscreveram (...) Quando ela se dá conta, Renata (...) fechou as cortinas da frente, Nancy a abraça e começa a
desabotoar o terninho (...) deixando-a
só de lingerie em um minuto, então é carregada por todo mundo para a piscina,
onde a cara de mártir será desfeita.
&
Mikomi passeia com Robert na praça do trem
morto (...) a cidade espera ansiosa pelo
primeiro nissei de Sunshadow. A rua que circunda a praça foi fechada ao
trânsito, agora os carros só chegam até a borda e voltam, uma providência para
evitar que veículos pesados danifiquem as construções do local, algumas delas
seculares. Perto dali, um paparazzo pretende fazer uma manobra arriscada (...) Coloca a
câmera automática no suporte, liga o timer, respira fundo, dá a partida e
acelera. A câmera começa a disparar conforme o programado, mas (...) ele perde o controle da velha Indian assim que
atravessa um canteiro, se desespera e atinge o casal a toda velocidade. Robert,
desesperado, tenta segurar Mikomi, mas com isso tem uma fratura exposta no
braço e é jogado contra um banco do jardim, ela é arremessada contra outro
banco, mas graças ao marido de forma potencialmente menos letal. O paparazzo
mete a cabeça nua na frente rígida da 4-4-4-4 e morre na hora.
O desespero das pessoas (...) vira
matéria para os paparazzi menos desavergonhados. Patrícia e Rebeca chegam
correndo, pulando e se desvencilhando com a agilidade de boas caratecas que
são. Pedem que o povo se afaste e vêem como estão os dois (...) As ambulâncias não tardam, mas os três
correm risco real de óbito. Rebeca se faz de forte, acolhendo os pais até
pararem de chorar, mas se recusa a olhar para o irmão em um leito de UTI.
Josephine (...) é informada de que foi
feita a cesariana de emergência, mas é pouco provável que a criança sobreviva.
Patrícia deixa a diva cuidando de Robert e Norma, leva Rebeca para sua casa
onde pode soltar o berreiro (...) Chora como nunca
chorou na vida. Sente culpa por não ter protegido o irmão, como se pudesse
tê-lo feito. Adormece envolvida pela amiga (...) Robert acorda uma semana depois, zonzo, sem saber onde está e o que
faz lá...
- Miko? Miko! Rebby, onde está a Mikomi??
Ela derruba todos pela frente e invade a
UTI...
- Bobby... Fique quieto, você está
convalescente. A Miko já está fora de perigo.
- “Fora de perigo”?? A moto! O que
aconteceu...
- Shhhh! Ela está bem, em outro quarto. Vocês
dois vão ficar bem... Podem entrar, mas se assustarem ele vão se ver comigo!
Os enfermeiros entram, examinam o rapaz e
chamam o médico. Ele já pode ir para um apartamento bem aparelhado, mas Mikomi
ainda está sob efeito de sedativos pesados (...) Os outros chegam para a primeira visita do dia e têm a boa notícia, mas entram
dois de cada vez. Norma e Robert quase se desmancham em lágrimas, abraçados ao
filho. Pelo mundo as balzaquianas declaram guerra aos paparazzi, afirmam que
ele não deveria ter morrido tão rápido e talvez sem dor. Querem ressuscitá-lo
para poderem mata-lo com a devida calma.
Mais uma semana e ele pode se levantar, com o
braço direito ainda engessado. Após muita insistência (...) é levado para ver a esposa. Ele chora. Tentou protegê-la,
mas (...) só conseguiu se ferir mais. Os pais e a
irmã o abraçam, ele nunca se sentiu tão frágil. Os aparelhos acusam uma
alteração de quadro, uma enfermeira entra, confirma a melhoria e se apressa em
dar a boa notícia...
- Amanhã eu volto, meu amor...
É levado um pouco menos triste para seu
leito. Mais uma semana e ela é transferida para a CTI, mas Robert tem a amarga
notícia da perda de seu filho, que já tinha registrado como Soishiro Spring.
Enterram o bebê no mesmo dia (...) mas a vontade de
Robert é de se jogar no túmulo com ele. Chuck providenciou camuflagens para os
policiais poderem evitar novas tragédias assim, e para que a dor do irmãozinho não
seja desrespeitada pelos abutres da imprensa. A praça foi cercada de robustas grades
nas ruas de acesso (...) para prevenir novas estupidezes de
aventureiros. Voltando para casa, são avisados de que Mikomi acordou e está desesperada.
Alguém não soube dar a péssima notícia e não esperou que o marido a desse.
Disparam para o hospital para acudirem a japonesa, que quer morrer com o filho.
Vai mais de um mês até ela estar em condições físicas e psicológicas de voltar
para casa. Zigfrida está lá à espera dos dois, os recebe com um abraço terno e
um silêncio confortador (...) mas não
vai agir sozinha, um Dead Train nunca está por sua conta. As visitas são
diárias, Patrícia e Renata levam seus rebentos e suas irmãs para ajudar alegrar
a casa. Zigfrida quer tirar da moça o medo de ter uma nova gravidez (...) Em um mês os resultados começam a aparecer, Mikomi já
pega os bebês sem medo de derrubá-los (...) Patrícia é levada para um canto no jardim, enquanto eles se
distraem com as crianças...
- O que houve?
- Elias nasceu.
- Quem é Elias?
- O neto do Quimbim. E foi tudo como ele
temia... Temos aqui um pai que chorou sangue pela morte do filho que mal
conheceu, lá há um que xinga aos berros que teria sido melhor o dele ter sido
abortado!
- Como assim? O que o menino fez? Não é um
recém-nascido?
- É, Frida. O mundo horroroso de que me
falaram já começou.
&
Robert quer trabalhar (...) É feito o mesmo esquema de quando Patrícia era a convalescente,
para ele poder se dedicar a Mikomi e acelerar sua recuperação. Aos poucos ela
volta a cuidar do jardim, onde faz um altar para rezar pelo filho. Nisto
Richard vê um mínimo de bem em uma religiosidade, não necessariamente na
religião (...) A
lojinha de variedades e presentes começa a fornecer os incensos e logo mais
gente se interessa em deixar a casa perfumada.
Apesar de tudo, Robert fica apto em tempo
hábil a receber os brasileiros que ganharem as férias. Os sorteios já começaram
e muita gente já começou a ganhar as bicicletas, que têm rádios AM-FM integrados
no guidão, com baterias e um dínamo de fábrica, para diferenciá-las. As
cobiçadas Lambrettas Cynthia não demoram a serem sorteadas (...) A popularidade dos seis cresce, mas o
retorno maior foi expor a fragilidade da política brasileira, que seus
integrantes insistiam em alardear como dominadora suprema da população. Não
conseguiram censurar a banda, não conseguiram punir Renata e agora terão que
engolir uma turnê pelo Brasil. Não foi à toa que o senador Brownie acreditou
que a Dead Train fosse um braço da organização (...) uma
colabora com a outra, sutilmente, convergindo os interesses e, sendo Patrícia
um membro da organização, ela ajuda a mantê-la.
Aos poucos a vida do jovem casal volta quase
ao normal. Quase. A perda do filho e o motivo de terem-no perdido são
cicatrizes que terão que levar pela vida (...) Para ajudar a curar,
Rebeca e Zigfrida estão sempre por perto. Aliás...
- Frida, cê tá sozinha?
- Há anos! Não dou muita bola pra
relacionamento, sou feliz sozinha.
- Nunca rolou?
- Uma vez, quase... Mas o bundão deu pra
trás... É aquele caso que vocês conhecem. Chamei ele pra gente se casar em
qualquer lugar, desde que aceitasse sair daquele vale de zumbis...
- Homem frouxo é um porre!
- Frouxo e apegado aos cadáveres que, se
brincar, já viraram ossadas, todos eles.
- Esse cara é um boiola! Fosse eu, teria
mandado todo mundo pra puta que pariu e te acompanhado pra qualquer lugar do
mundo!
- Foi do que chamei ele! Nem assim o bundão
reagiu!
- Ainda sente alguma coisa?
- Nojo! Cara, sem falsa modéstia! Eu sou
bonita, boa de corpo, sou ruiva autêntica, boa de papo, não onero ninguém, o
que mais o cara queria? Que eu contraísse a mesma doença e ficasse com ele
bajulando retratos na parede? Ah, vá se foder... O Ron, por outro lado...
- Ainda pouco mais do que uma criança,
encarou um assassino da própria filha e não arredou pé nem levando um tiro de
raspão! Quando eu perguntei “Fica comigo?” ele ficou, quando eu disse “Mostra
que é homem e vem mostrar p’raqueles babacas o que pensamos da moralzinha
deles” ele veio! Foi o único cara da minha vida, mas acertei de primeira!
- Wow! Não tem outro onde encontrou esse?
- Difícil, cara! Muito difícil!
- Ora, ora, ora! Será que consegui uma
paciente de pedigree?
Olham para trás, nem tinham percebido Renata
se aproximar (...) Chama as duas para dentro, Mikomi fez bolinhos de arroz, que serão
um bom pretexto para tocar no assunto. Ninguém tem nojo do que já não incomoda.
Começa a tirar leite de pedra, sendo psicóloga de sua psicóloga.
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