quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Dead Train in the rain LXXXIII

    Transformações. A estação 83 traz mudanças catalisadas pela turbulência crescente dos anos 70; chora-se agora para não perecer depois. Enxuguem as lágrimas e embarquem, o trem vai partir.


O retorno da lua de mel é o aguaceiro que previram. Estiveram no antigo castelo da família, que hoje é um hotel. Os dois fizeram de tudo, sofrendo horrores para gerar a primeira descendência, que penúria fazer amor à vontade durante uma semana sem ninguém para atrapalhar! A choradeira aumenta quando Rebeca se dá o direito de imitar Patrícia, e leva algumas peças para o seu quarto...

- Se a Patty pode ter o quarto dela na casa dos pais, então eu também posso! Ah, mais uma coisa... Estou grávida!

É carregada pelos pais, o mesmo acontecendo com Ronald (...) Josephine suspende as filmagens por um dia e voa para Sunshadow, do jeito que está mesmo, caracterizada como sua personagem, de blusão, calças justas de couro e camisa social preta (...) é como photographar a jovem Jose De Lane quando arrancava suspiros de desejo dos marmanjos pelas telas; agora os marmanjos e os jovens se unem nos suspiros de desejo (...) A população se sente à beira de um ataque do coração, vendo a diva ao vivo naqueles trajes copiadores. Ela está se lixando, corre de um lado para o outro, para ajudar a planejar e já dar suporte à gestação.

Volta para Hollywood na mesma noite, no avião da banda, extasiada, vendo flores em todos os lugares. Tinha aceitado voltar às telas por insistência de Bart e Tobby, não exactamente porque desejava (...) Rebeca vai para a cama abraçada a Ronald (...) O caratê agora é feito com mais cuidado, com supervisão rígida de Patrícia e Richard, como foi com a própria líder da banda (...) Na hora de fazer um show é cercada pelos músicos de apoio, para assegurar sua integridade e seu bom humor, que ficou mais apimentado com a gestação.

Este show tem uma particularidade, é transmitido ao vivo e Tobby entrevista a banda entre as canções. A curiosidade do público sobre os procedimentos matrimoniais ainda é grande...

- Você fala? Ok. Olha, toda essa cerimônia refinada e meio excêntrica, foi desenvolvida para defender a família de que agora eu faço parte. Se vocês pensam que é perigoso sair sozinho à noite, em local ermo, não imaginam como era sair sozinho de dia na idade média, especialmente se fosse uma mulher.

Ela esclarece as dúvidas dos fãs, enquanto é paparicada pelo trio back vocal (...) Aproveitam para anunciar a criação da marca filantrópica oficial da banda, a Canard Noir for Children, cujo mascote é um pato preto iniciando a decolagem. Os artigos são sortidos, mas principalmente gêneros alimentícios de curta validade, pela ausência de conservantes.

Enquanto isso, em uma igreja radical no subúrbio de Summerfields, um ex-colega dos seis leva a esposa, empacotada do pescoço aos pés, para o culto, com os seis filhos; cada um a cara de seu próprio pai. Praga de Rebeca pega! As diferenças gritantes de pele, cabelo, olhos e estatura foram atribuídas pelo pastor a um prodígio do espírito santo (...) O sétimo ninguém sabe como será e ela não sabe quem é o pai. Importa?

Rebeca volta para casa cercada e amada pelos seus, especialmente pelo marido, pai do rebento em gestação. Os assuntos da corporação não representam perigo, mas tratam de deixar os malas-sem-alça longe dela.

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Arthur atende ao telephone. Patrícia, enquanto entretém o filho, observa a mudança no semblante do marido. Ele é discreto, mas percebe que emposta a voz com firmeza, ela até imagina os motivos, se for quem está pensando...

- Patty, Claire vem passar um tempo conosco.

- Eu sabia... Foi abandono ou traição?

- Ela descobriu que a Judith abortou, logo ela a traiu.

- A Mascote avisou que aquela cidadã não se importa com ninguém!

- Não é impressionante como eu sempre chego quando falam do que me interessa? Cara, eu odeio estar sempre certa! A Claire não merecia isso!

Adentra na sala de braços com Ronald, já ajeitando a barriga e se senta (...) Ana Clara chega no início da noite, só com a roupa do corpo; bem pouca roupa, diga-se de passagem. É recebida pelo irmão, pela cunhada, o sobrinho, Rebeca e Ronald. Por isso foram buscá-la no Fleetwood. Bastante magra, pela vida boêmia que vinha levando (...) Arthur vai providenciar uma boa refeição, antes de qualquer outra coisa...

- Não, Greg, deixa comigo. A cozinheira da banda sou eu.

Mal entram e ela vai com Ronald para a cozinha, enquanto a brasileira é levada para a suíte que vai ocupar por algum tempo (...) Assim que descem, a refeição já está na mesa da cozinha. Lasanha de ovos com legumes e folhas. Acabam gostando da iguaria, após o estranhamento pela descrição, inclusive Richard.

À noite, sozinha na suíte (...) “Wildflower” toca sem parar em sua mente. Se sente estúpida por ter acreditado que ela a respeitaria. Rebeca a tinha advertido, detalhou os sinais (...) estavam todos lá, na sua frente, mas não queria ver. Queria acreditar que não eram importantes, e querendo acreditou que não seriam. Chora até adormecer. Sonha com os momentos que passaram juntas no banco da praça, que já estava ganhando o formato de seus traseiros, as flores de chocolate que comiam juntas até se beijarem no último pedaço. Agora compreende, foi apenas uma utilidade, uma diversão para ela preencher seu vazio (...) estava realmente apaixonada por aquela aventureira, que a esta hora está chegando a New York.

Acorda às quatro horas e vai para a cozinha. Quando Patrícia desce para o treino diário, a encontra se empanturrando com tudo o que consegue enfiar na boca...

- Claire, largue isso e venha comigo.

Richard e Rebeca, levada por Ronald, chegam e ela conta o drama. Vai fazer exercícios básicos enquanto eles treinam. Entre uma rotina e outra, entre um soco e uma torção, eles monitoram a desenvoltura da moça (...) Carolina liga para saber como a filha está. Está se empanturrando feito uma esfomeada, responde Arthur. Ela avisa que mandou uma mala de roupas pelo correio. Só o que o preocupa é que todos têm compromissos profissionais para hoje...

- Então vou deixar Claire com a Nancy, mas ligarei de vez em quando para saber como ela está.

- É... Suspira – pelo menos ela não engravidou. A tristeza dela ia ser ainda maior... Como é que ela me saiu tão bobinha, meu Deus?

A romântica é deixada na casa de solteira de Patrícia (...) A anfitriã se assustou com a esqualidez em progresso que ela apresenta. Trata de lhe enfiar comida.

Os seis vãos ao auditório reservado, no centro de convenções (...) Entram no auditório com melhor tratamento acústico, começam a afinar os instrumentos enquanto conversam sobre as canções para o próximo álbum, enfim, trabalham. As canções já foram escolhidas, mas todas precisam ser trabalhadas (...) Só saem de lá no meio da tarde, azuis de fome.

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Richard brinca com seus blocos de montar, assistido por Ana Clara. Fester e Mary Ann se inteiram da situação, lamentando por um lado, mas talvez tenha sido melhor isso ter acontecido agora, antes que ela fosse levada para uma vida realmente barra pesada. O casal de colunistas fala rapidamente sobre alguns artistas que estão fazendo isso, para parecerem modernos e adequados à profissão...

- Conhecemos alguns deles.

- Muitos deles – acrescenta Arthur. Sífilis e gonorreia se tornaram lugar comum em Hollywood.

- Sabemos, é mais fácil encontrar alguém com uma doença venérea do que com um resfriado. Este mundo ficou louco, transar com qualquer um, de qualquer jeito, em qualquer lugar e sem proteção virou paranóia.

- Dá para ver com nitidez que ela não é mulher para esse tipo de vida! Dêem licença, vou falar com ela.

A mulher se levanta, tira a camisa sobre a regata e vai (...) mostra sinceramente interessada pelo menino, mas quer é estudar o comportamento da goiana. Claire (...) mal tira os olhos daqueles seios enormes, embora interaja bem com Mary Ann. Aquele grande par de seios sempre foi alimento para a timidez da mulher, até conhecer Fester e passar a defendê-lo da implicância dos outros garotos. O advento da série A Família Adams só aumentou a implicância, mas então já estavam casados e logo conseguiriam empregos novos e bem remunerados, graças aos seis garotos que ajudaram a maturar.

Richard está muito parecido com o avô. Grande e forte para a tenra idade (...) As duas jovens tias costumam fazer saladas sortidas para ele se deleitar. A tia ex-aprendiz de porra louca também começa a se afeiçoar àquele meninão serelepe. As duas conversam, enquanto ele monta estruturas cada vez mais complexas (...) Ao fim da brincadeira, Ana Clara o ajuda a guardar os bloquinhos, com aqueles seios povoando sua mente. Mary Ann volta aos três com seu veredicto...

- O que essa aquela mulher estava fazendo com a sua irmã, Greg? Ela não tem absolutamente nada a ver com essa vida louca, ela é muito romântica, gosta de se arrumar para alguém, gosta de arrumar a casa e leva o maior jeito com crianças! Deixe ela aqui, com vocês, por um bom tempo. O suficiente para as turmas barra pesada que ela conheceu se esquecerem dela.

Arthur raciocina, decide arranjar um emprego para a irmã (...) Uma semana basta para ela ficar cansada demais para choramingar pelos cantos, mais uma (...) semana e começa a ser vista com um rapaz nas horas de folga. Nunca pensou que voltaria a se interessar por rapazes, mas foi até melhor, evita comparações saudosistas com quem já a esqueceu.

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Ele dedicou oitenta anos de sua vida a Sunshadow (...) Oitenta anos sempre adiando a aposentadoria. Morreu em serviço, entregando a última carta a Richard e depois enfartando. Foi rápido e com pouco sofrimento que Julian Blosson se despediu deste mundo. O velho Chevrolet 490 1919 leva a filha e um neto, o corpo do carteiro vai à frente, em um furgão que o U.S. Post mandou para a última homenagem. Como ele amava o que fazia! Como amava esta cidade! (...) Alguns moradores mais antigos (...) se perguntam quem será o próximo. Dentro do caixão vão cartas de sunshadowers, para serem entregues aos entes que já se foram. O velho Chevrolet ferve pela primeira vez em mais de cinqüenta anos de uso diário, pedindo reposição para o radiador. Foi deixado para Richard, seu médico e muitas vezes sua babá.

Não há delongas. Daniel se despede de um dos carteiros mais antigos do mundo, em nome da cidade, a única filha viva agradece pela solidariedade e o caixão desce ovacionado. Ele fazia serviços leves (...) por ruas que já provou poder percorrer de olhos vendados, literalmente. Vejam só que malandro! Morreu em serviço para não ter que assinar o ponto de saída, vai ganhar hora extra eterna! Todas as cartas que levou, foram entregues em mãos.

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Os seis conversam com a antiga professora, que tem escandalizado muita gente por ter se casado com um de seus antigos alunos, quinze anos mais jovem. Helen chegou a pensar que fosse lésbica, mas odiou a experiência, acreditou que fosse ficar para a titia até encontrar o rapaz no mesmo prostíbulo... Que constrangimento, mas também que gargalhadas deram ao terem percebido que estavam ambos quebrando as regras! (...) Só os fundamentalistas de algumas igrejas continuam gritando contra seu matrimônio. Helen alisa a barriga de Rebeca, já bastante proeminente, experiência que viveu há quase um ano...

- A qualquer momento?

- Duas semanas, não mais do que isso, e estarei amamentando.

- Deixe eu ver sua carinha... Não mudou nada! Eu cheguei a temer pelo seu futuro, por causa do seu pavio curto.

- A preocupação não era infundada, em condições normais eu teria mesmo me dado mal, mas eu sou uma mafiosa e jamais seria deixada por minha conta.

Chega um Volkswagen 1303 amarelo 1973, de onde sai um jovem senhor com expressão desolada (...) A esposa, com o rebento nos braços, imagina o motivo, mas quer estar errada...

- Gente, desculpe chegar desse jeito, mas não estou bem mesmo. Helen, aconteceu; fui demitido... E todos os currículos que mandei preventivamente foram recusados.

- Explique seu problema, Jim.

- Aquele cara que tentou te bater e apanhou do seu pai, Patty. Ele iniciou uma perseguição e está pressionando todas as empresas a se livrarem de “empregados ímpios”, trocá-los por gente da igreja dele. Faz mais de um ano que eles boicotam e sabotam a empreiteira, não se importando com escrúpulos para o “marido da pecadora ser punido por sua afronta ao Senhor” bla, bla, bla... Agora vou ter que peregrinar por Michigan atrás de emprego.

- Não, não vai. Você vai ficar aqui mesmo. Enzo, encaminhe nosso amigo. Deixe que nós cuidemos daqueles palhaços, Jim!

- Con piacere! Você é arquiteto, certo? Deixe seu Fusquinha aqui, o escritório fica aqui perto.

- Meu o quê? “Fusquinha”?

- Ou Fusca. É como a gente chama o seu carro no Brasil.

- “Phoos-Ka”?... Mas é sério? Vocês têm trabalho pra mim?

- Nunca falta ajuda para um amigo, nunca falta trabalho para um bom profissional; você é ambos.

Helen vai com eles, emocionada (...) Os cinco se entreolham visivelmente irritados, com caras de “isso não fica assim”. Mandam alardear que James Stevens trocou de emprego e vai começar uma carreira internacional (...) O primeiro efeito é uma histeria coletiva, com o pastor conclamando seus fiéis a uma cruzada santa contra o trem satânico. Um grupo chega a descer em Sunshadow (...) mas bastou uma deles gritar “Vamos exterminar o sexteto do diabo” para a população e turistas os cercarem...

- Vocês vão o quê?

- A gente ainda não engoliu o atentado à Patty. Você quer ser o bode expiatório?

A velha tradição de proteção mútua emerge (...) O vandalismo, as agressões, a intimidação e as ameaças que se acostumaram a fazer, não terão vez nesta cidade...

- Estão nos procurando?

Se viram para trás e vêem os seis, com eles seus cônjuges, seus pais e alguns agentes (...) Do alto de quase dois metros, Patrícia os encara...

- Não adiantou Ele ter absolvido o samaritano, não adiantou Ele ter dito aos apóstolos para respeitarem as outras cidades, não adiantou Ele pedir para não julgarem; Vocês O contrariam em tudo. Onde está o covarde que mandou vocês?

A resposta vem em forma de gritos histéricos que só reproduzem sua doutrinação, enfurecendo Richard, mas dura pouco. O mecânico dá três tiros para o chão e os cala (...) Ela aproveita a providência intempestiva para dar seu recado...

- Eu sei que aquela ameba não sairá de sua gotícula suja, então vocês darão o recado por nós. Não somos os coitados que vocês intimidam, nós sabemos nos defender e se for preciso vamos revidar à altura. Vocês não passam de palhaços de um circo de horrores, regido por um picareta que enriquece a custa de sua ingenuidade e sua ganância. Nós conhecemos ameaças de verdade, perto delas vocês não significam nada e não sabem com quem estão se metendo; não somos o que parecemos e nem de longe somos o que vocês pensam que somos. Não importa o quanto vocês tentem, suas mentes fechadas não podem conceber o quanto somos fortes. Tentem bater de frente conosco e os atropelaremos, tentem barrar nosso avanço e serão arrastados, tentem tocar em um de nós e todos vocês caem. Jesus não virá em socorro de quem engana seus empregados e embolsa o seguro saúde. Devolva-o!

Um deles engole seco, é para ele que Patrícia olha (...) Entram em seus carros e voltam com os rabinhos entre as pernas, após terem desperdiçado uma gasolina preciosa. Patrícia (...) É ovacionada pelo público, mas sabe que essa guerra de dogmas está no começo e varará décadas pelo próximo século. Às vezes acredita que sabe demais, para sua saúde mental.

No dia seguinte, milhares de discos de bandas famosas são queimados em público, a maioria do Dead Train. Pastores (...) pedem ajuda para manterem a cruzada santa, fazendo com que gente humilde raspe suas economias em plena crise energética. Aliás, é derivado de petróleo o que estão queimando. Olham para Patrícia e ela confirma, é parte da época horrorosa em que entraram, ela já está mostrando suas garras...

- Cara, meu filho vai nascer num mundo muito babaca! Como foi que tudo isso começou?

- Sabe aquelas rusgas entre judeus e romanos? Nunca foram realmente resolvidas, depois disso quase todos os conflitos foram resolvidos pela metade, só com aparência de solucionados. É como ingerir diariamente uma substância cancerígena, como o tabaco, o efeito é cumulativo e nem sempre tem sintomas. O que vivenciamos neste século são apenas as primeiras convulsões.

- Você está mais parecida com o seu pai do que eu com o meu – diz Ronald.

Richard sabe disso, está ouvindo detrás da porta. Às vezes pensa se não foi um erro colocar a filha dentro do caldeirão das conspirações internacionais, mas ela é tão útil e especular a respeito é tão inútil (...) As conclusões dela estão rigorosamente certas, são milênios de problemas empurrados para debaixo do tapete, que hoje dificultam muito caminhar sobre ele. Sai para a oficina, quer testar alguns protótipos (...) Fabricará, a pedidos, kits compactos de hibridação automotiva.

Ainda alheias a tudo isso, as crianças brincam no jardim da frente. Richard, Sakura, Karen, Marcia, Greta e Myrtle fazem esculturas de areia, quando Ronald leva Rebeca apressadamente para o carro (...) Robert e Mikomi pegam Sakura e vão buscar os avós. Não tem drama, Jean Pierre nasce com calma (...) então é a vez de Marie desocupar o ventre e Rebeca cair para trás, esgotada. Os dois primeiros chocolatinhos prometidos. Josephine novamente interrompe uma filmagem e voa como está, em um vestido de noiva (...) Audrey não se furta o direito de rir dela, quando a encontra. Matthew avisa que desta vez não tem colher de chá, terão que esperar pela photographia oficial da família.

Já em casa os quatro são cercados pelos avós, especialmente por Diana e David, que vêem a primeira geração da nova fase da família (...) Os bebês dormem cansados, após terem enfrentado a gravidade sem a ajuda do líquido amniótico. Rebeca já está com os cabelos quase chegando aos ombros, não quis cortar desde a metade da gestação. Quando sai a photographia os fãs esgotam a primeira edição, é um troféu para eles, o casal foi muito atacado quando o casamento entre negros e brancos era proibido.

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