sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Dead Train in the rain LXXXIV

    A dor transforma. A estação 84 mostra como uma decepção pode mudar o mundo e um mundo íntimo. tenham sensibilidade e embarquem, o trem vai partir.


Os militares estão contrariados, mas a maioria deles não imagina o que ralmente precipitou a retirada do Vietnã, quando começavam a conseguir resultados e virar o jogo. O pessimismo começa a se alastrar pelo país e o consumo de drogas segue em seu vácuo. Em Sunshadow as coisas estão um pouco melhores (...) a tranqüilidade da cidade lhe dá um ar meio anacrônico.

Os seis trabalham para planejar a nova turnê, com shows inicialmente previstos para Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo e Curitiba (...) Lucille, precoce com um anel de noivado reluzindo, termina de fazer e imprime uma planilha bastante complexa (...) A planilha é bem clara, o Brasil concentrou demais a infraestrutura e muitas cidades não têm condições sequer de receber uma visita, quanto mais um show com o porte dos que fazem. Sem falar que poucos aeroportos brasileiros podem receber seu avião.

Richard coordena os preparativos para o desembarque de um bom contingente de agentes no Brasil, quando a turnê começar. Alguns estiveram lá como turistas e trouxeram muito material para análise (...) No tocante à política as notícias até poderiam ser piores, mas isso não significa que não possam ficar. A organização estima que em menos de um século, os brasileiros não viverão em um país digno. Não podem interferir a ponto de torna-lo uma extensão dos Estados Unidos (...) Um deles trouxe uma notícia de Goiânia que Richard hesitou em dar, porque ela faz Patrícia chorar...

- Ele está com o maxilar torto?

- Só um pouco, mas vai agravar os problemas respiratórios.

Ela abraça o filho, em prantos, imaginando a agonia de um bebê que leva um murro de um brutamonte. O evento foi há muito tempo, só veio à tona quando o menino precisou de cuidados médicos. A indignação é generalizada, Rebeca já seleciona mentalmente duas espadas de sua coleção. Renata fica taciturna, em outros tempos os Queixadas teriam tirado satisfações da pior forma, não sabe se gostaria disso, mas alguém bater em um bebê a deixa revoltada (...) Autorizam o roteiro e mandam para o escritório, querem urgência nos estudos de viabilidade. Saem contrariados para o jardim (...) Pensam no equilíbrio delicado que têm com a educação de seus filhos. É muito difícil educar e cuidar de uma criança, mas infelizmente é muito fácil ter uma. Chegam as três mosqueteiras, Melinda e Audrey puxam Eddie pelas mãos, o que é uma esperança de alívio cômico para os seis...

- Explique isso direito, maluquinha – Pede a irmã da menina.

- É que a textura da voz de quem está resfriado é mais áspera. Quanto mais doente, mais aspereza.

- E você acertou o diagnóstico de Mr. Harold só de ouvir a tosse dele? O que o médico disse?

- Chamou ela pra dentro e fez um teste – diz Melinda.

- Ela acertou tudo! Até antecipou o resultado de um exame!

Os seis se entreolham, olham para a adolescente, abrem sorrisos enormes e a levam para a fundação. Encontraram uma utilidade para a sinestesia que até agora só tinha lhe causado transtornos. Ela percebe pela voz o estado das vias aéreas, detecta uma criança em início de resfriado em meio a centenas, uma voluntária com pigarro em meio a dezenas, uma unha encravada em meio a dúzias de passos tortos. Não é só indício de doença que ela nota em anomalias vocais, empostar a voz não disfarça a assinatura de uma emoção, ela identifica várias pessoas no ambiente com mágoa entalada na garganta, inclusive Patrícia (...) Ela ainda identifica alguns com transtorno obsessivo compulsivo, pela repetição irritante das notas musicais de seus movimentos, lhe dá vontade de amarrar mãos e pés com fita adesiva.

Convocam as famílias para tratar do assunto, o que inclui o Dartanhan do quarteto. Amilton e as três são grandinhos o suficiente para compreenderem as recomendações que receberão agora (...) decidem que sua sinestesia tão acentuada ficará em segredo dentro de Sunshadow, pelo menos até os quatro terem idade e maturidade para... Hm... Já vi esse filme! Enfim, os quatro são devidamente orientados e serão amparados para a responsabilidade que têm agora. Eddie é uma peça muito delicada do grupo, como Renata também era, no início de sua mediunidade. Aliás...

- Nós?

- Eh... Não... Quer dizer...

- É hora de começar a pensar na vida adulta, irmãs. Isso vale para vocês dois também. Vocês duas já manjam um pouco de mecânica, não vão passar fome.

- Amilton gosta do museu, ele nos ajuda muito, especialmente quando eu encontro mais cacarias do tempo da vovó em algum alçapão perdido na propriedade. Acho que até se decidirem, já têm algo que podem fazer para ocupar seu tempo.

- Já é um caminho. A Maluquinha seria uma médica perfeita.

- Concordo, pelo menos até terem segurança do que querem da vida – diz Renata.

- Na verdade a gente tava pensando...

- Então vocês têm algo em mente?

- É, temos... Em trabalhar com vocês, mas só nos bastidores.

Nancy põe a filha no colo (...) Audrey explica o encantamento que aquele monte de detalhes detrás dos shows lhes causou...

- Então, meu amor, vocês quatro já sabem o que fazer.

- Sabemos?

- Sim, sabem. Estão vendo aqueles cadernos? Sim, aqueles. Já para os estudos, mocinha!

Manda os quatro para a mesa de estudos, ovacionada.

&

Os últimos preparativos para a turnê são acrescidos dos cuidados com um coração partido. Lucille rompeu o noivado. O rapaz se rendeu aos apelos da tal revolução sexual, acreditou que a convenceria de que é normal ter casos extraconjugais (...) A imprensa (...) faz parecer que o jovem americano típico tem um zíper secreto para facilitar aventuras sexuais de última hora, todos os amigos dele estranharam e alguns até se indignaram com a reação da moça. Ela trabalha normalmente, mas sua tristeza é tão visível quanto dolorosa para sua família. Rebeca toma uma iniciativa, pega duas espadas leves e a chama para o quintal, lhe entrega uma, diz “Ataque!” e a faz extravasar a raiva que sente em uma luta campal. A proposta da baixinha não é uma disputa, é uma terapia para fazer a cunhada enxergar o mundo sem a lente de vítima (...) Fosse uma peleja, a fidalga não teria conseguido dar o primeiro golpe.

Matthew avisa a Ronald antes que saia a próxima edição, os tabloides já estão sabendo do rompimento e agora exploram todos os aspectos possíveis do drama...

- Não, não foi ele. Foi um grupo de amigos dele que procurou essa imitação de imprensa e fez a caveira da sua irmã.

- Valeu, Matt. Vou tomar providências agora mesmo... Alô? Boa tarde, aqui é Ronald de Marselha, quero falar com Josephine.

Manda a irmã para a proteção da diva, até irem buscá-la para a turnê. Isso acontece antes de os programas de celebridades começarem a malhar a “garota anacrônica de nariz empinado”, coisa que a precoce Lucille não é (...) agora torna-se famosa. Lucille de Marselha é discreta, às vezes passando a impressão de ter um coração frio, mas os anos assessorando a banda lhe ensinaram a manter dentro de casa o que não for da conta do público (...) por isso a divulgação do rompimento (... lhe soou como uma segunda traição. Ela gostaria de chorar, mas não consegue. Zigfrida sugere que cante...

- Não, eu não tenho tino para isso. O cantor da família é o Ron.

- Você só consegue fazer as coisas buscando a perfeição?

- Desculpe se não acredita em astrologia, mas é mania de virginiana. Eu não vejo graça na minha voz, não para soltar acordes.

- Try.

A sueca lhe mostra os instrumentos da sala de música e insiste (...) Se interessa por uma viola de doze cordas, presente brasileiro de Renata para Josephine. Ela dedilha, tenta encontrar o tom e começa...

- Some time you saidme good evening... I believed in your treacherous mount... As I was a stupid... Today I cry alone in this huge bed... Vowing don’t give again my broken heart...

Quando Josephine volta (...) ouve uma voz melancólica e cristalina saindo da sala de música. De início pensa ser Ella Fitzgerald, aquela tratante, mas o timbre é muito jovem, e aqueles agudos inacreditáveis lhes são novos. Entra e vê Zigfrida gravando a performance da moçoila magoada. Pensa “Ron precisa saber disso!” e liga imediatamente para ele. Ele voa com a família e os pais, para conferir isso de perto com testemunhas...

- Meu D’us... Minha irmã é uma diva! Lucy, você não é mais nossa secretária, eu não vou deixar você desperdiçar essa voz maravilhosa e essa capacidade de improvisação nos bastidores.

- Desta vez você viaja com a gente na turnê, mas vai pro nosso coral, pra treinar e se preparar para sua carreira.

Ela fica confusa. Muito feliz, mas confusa. Não viu porcaria nenhuma em sua apresentação, nada além de ter conseguido chorar pela voz o que já lhe causava dores de cabeça (...) até a turnê começar, ela fica em Los Angeles. Chamam Tobby e Julia para iniciar sua preparação. Ele também fica encantado...

- O Deus de vocês! Menina, como foi que você conseguiu esconder isso de nós por tanto tempo? Julia, esta é a sua primeira missão solo, você vai acompanhar o desenvolvimento dela e preparar um material para a estréia profissional.

Em Sunshadow, Marina e Victoria lamentam a perda da companheira de fim de tarde, porque sabem que agora ela será submetida a uma rotina rigorosa (...) Por ouro lado a tietagem fala alto, ouviram a gravação e a melhor amiga pode se converter em ídolo.

&

A primeira reunião da banda completa para tratar da turnê, tem a novidade em caráter oficial, Lucille vai sair dos bastidores e cantar com as vocalistas (...) Ronald pede que elas treinem exaustivamente a irmã, até estar apta aos imprevistos a que já se habituaram.

A parte chata vem com as advertências. Ser negro no Brasil ainda é ser previamente suspeito de delito, com risco real de detenção arbitrária, então os negros da banda precisarão andar sempre acompanhados de um branco, por mais imbecil que isso seja. A criminalidade é alta, talvez nem vejam, mas ela está lá e pode vitimar um membro displicente. As leis são um detalhe, segui-las muitas vezes é uma opção do cidadão, principalmente as leis de trânsito. Brasileiro é um humorista sem noção, então devem praticar a contagem até dez, vinte, trinta (...) As estações são invertidas, quando forem o verão estará começando por lá, e o verão por lá é muito quente. Principalmente: Nunca, jamais, sob hipótese alguma ponha a mãe no meio de uma discussão, isso pode transformar um desentendimento em um homicídio.

Tudo entendido, agora vão aos detalhes profissionais. A banda utilizará gente própria para quase tudo (...) profissionalismo lá ainda não é valorizado e tampouco levado em conta. Levam a tarde inteira e invadem parte da noite. Vão para suas casas, os músicos de apoio vão com Deborah para sua hospedagem (...) Ainda precisam ter certeza de que suas reservas não foram e não serão vendidas novamente para terceiros, com a conversa de que “é só uma noite” que acabaria virando uma semana e comprometeria o cronograma da turnê. Por hoje podem e devem esquecer o trabalho. Patrícia se volta para sua pequena família, Richard faz perguntas sobre o que todo mundo estava fazendo lá e por que foram embora. É hora de explicar ao menino que (...) vão ficar alguns dias sem se ver. Ele não gosta nem um pouco da notícia. Neste momento recebe uma ligação de Renata, Márcia chorou quando soube da viagem. Mikomi liga em seguida, pedindo para pagar a passagem e ir com a banda, para Sakura parar de chorar. Silvia liga logo depois, avisando que Karen grudou em Enzo e não sai nem com dinamite. Liga preventivamente para Rebeca e Ronald...

- Puxa vida, é mesmo! A gente se esqueceu desse detalhe, todos temos filhos pequenos! Dá pra levar numa boa ou precisa mudar muita coisa?

- Não muita coisa, mas precisaria. Espaço no avião não é problema... Por mim tá legal, mas tem mais coisas envolvidas...

- Ah, entendi, você e seu pai vão salvar o mundo entre um show e outro. Fala com a Jose, vou trocar idéias com o Ron a respeito.

A diva acha lindo, mas precisariam de uma estrutura à parte só para cuidar dos bebês. Dinheiro não é problema (...) o maior problema é eles serem músicos internacionais e extremamente visados, mega stars da pop music mundial não podem evitar o assédio nem perto de suas próprias casas. Rebeca e Ronald, enquanto isso, falam com Richard a respeito, ele gosta muito da idéia de viajar com o neto. Vai falar pessoalmente com a filha sobre isso...

- Eu não vejo tantos problemas assim, Princess.

- Acho que temos uma luz, Star. Brain acaba de chegar com aquela cara cínica que só ele sabe fazer. Porei no som ambiente. Then...

- Não se trata só de haver espaço no avião e podermos arcar com isso, a presença das crianças vai ajudar vocês a relaxar e esquecer um pouco dos revezes da turnê; principalmente você, que precisa da companhia desse menino mais do que ele da sua. Fora isso, eles ajudarão a atenuar o tom da conversa, durante as entrevistas. Também não precisaremos de uma equipe para cuidar deles, nenhuma de vocês é solteira e temos moças de confiança conosco.

- Genius! Genius! Genius! Beyond, você vem com a gente, alguém precisa cuidar do Ricky enquanto eu trabalho e salvo o mundo. Hey, boy, you come with us to Brazil.

Liberam a viagem em família (...) Richard volta feliz para casa, enquanto os outros integrantes festejam a solução. Apenas tratam de avisar ao restante da organização, serão três agentes viajando na mesma aeronave e um monte de crianças de colo a bordo.

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