quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Dead Train in the rain XC

    A volta de quem deveria ter ficado lá. A estação 90 marca o início de algo lindo, precipitado por algo feio. Ignorem os malas e embarquem, o trem vai partir.


Decidem que Lucille está pronta. Rebeca e Ronald voam com ela para Los Angeles, levando Marie e Jean Pierre a tiracolo. A imprensa já dava como certa a estréia da fidalga, mas criticava a demora, ignorando o que os seis (...) passaram anos no anonimato se preparando para a carreira. Não é porque ela revelou uma voz potente e uma interpretação visceral, que poderia se destrambelhar de qualquer jeito no show business.

A recepção é festiva; Josephine, Bartholomew, Tobby, Julia, alguns artistas de primeira linha e produtores da confiança deles. Lucille Canard Noir será seu nome artístico. O primeiro show será com Frank Sinatra e Tonny Bennet, com cujo público fez mais sucesso. Julia em especial sente um sabor mais doce (...) tem um dossiê completo a seu respeito. Como o irmão, ela também já tem desafetos pela pura e simples tomada de suas decisões (...) Acusá-la de ser reacionária e socialmente irrelevante é uma das principais e mais infundadas acusações, Lucille é filantropa e lida desde criança com as obras sociais do irmão.

Após a leitura cuidadosa ela assina o contracto, então as providências para shows solo e o primeiro álbum têm início. Designam uma jornalista para ser sua porta voz, e ela já tem trabalho, lá fora há uma horda de repórteres, paparazzi e outras criaturas bizarras, que aguardam por novidades...

- Senhoras e senhores, bom dia. Sou Olívia Patrizei, assessora de Lucille Canard Noir. Ela acaba de assinar contracto com a nossa corporação e os preparativos para sua estréia oficial já começaram.

- Ela vai dar uma entrevista?

- Sim, mas não agora. Há uma agenda extensa e ela, como o irmão e seus parceiros, é empresária de sua carreira, nós somos apenas seus prestadores de serviço. Mas descerá em breve para vocês poderem tirar photos e talvez ela responda a alguma pergunta. O primeiro show ainda será marcado, mas foi confirmado com Frank Sinatra e Tonny Bennet. Com licença.

Os cotovelos doloridos adoram saber disso. Os pais da cantora mais ainda, estão ansiosos por verem de perto a caçula estrear com dois mitos da música mundial. A banda providenciou o repertório para seu primeiro álbum (...) Vão para o Jose’s Hotel, celebrar o início da carreira em ambiente privativo. Amanhã à noite dará uma entrevista no Boa Noite Mundo, para o que Tobby está preparando um encontro de divas do jazz, elas estão ansiosas por conhecer uma legítima perpetuadora da linhagem.

E na noite da entrevista, lá está ela, com irmão e cunhada, mas vai sozinha para o palco (...) Terá ajuda, quando precisar, mas o leme é dela...

- A nossa convidada para esta noite foi uma revelação, uma grata surpresa que Julia acompanhou por quase dois anos, até ela estar pronta para o estrelato. Não sei que mais surpresas os garotos do Dead Train nos reservam, sei que esta vai abalar os corações dos amantes do jazz e do bom blues. Com vocês, direto dos braços do irmão babão, Lucille Canard Noir.

Ela entra cantando a canção que tinha improvisado e Robert refinou. Comove o público, que há pouco estava entretido com notícias de discotecas e grupos cada vez mais esquisitos, agora aquela jovem lhes vem falar de amor, coração partido e decisão de continuar (...) Durante a entrevista ela fala pouco, mede bem as palavras, se expõe minimamente, mas é sempre muito solícita com a platéia. De casa, Diana e David vêem sua caçula desabrochar e dar um rumo positivo à sua decepção. Lhes vem a sensação de que já podem descuidar um pouco dos filhos e cuidar de si...

- Vamos acompanhar o Ritchie a uma dessas provas de arrancada? Elas costumam ser feitas em lugares deslumbrantes.

- Com você eu vou para qualquer lugar, querida.

Namoram enquanto Lucille é ovacionada (...) Julia sente o prazer da missão cumprida. A jovem decide acompanhar a carreira da amiga, fará disso uma de suas bases. Olha para trás, vê alguns artistas que olham de forma mais meiga para ela. Olha para o relógio e vai dar continuidade ao trabalho, incluindo os olhares meigos que testemunhou.

&

Ana Clara volta das férias que passou com a mãe em Detroit. Se fixou em Sunshadow, na casa do irmão, não havia melhor lugar no mundo para ela. A boa notícia é que passou pelas antigas turmas e não só não foi reconhecida, pela mudança que sofreu nestes anos, como não se importou com as presenças delas (...) Perdeu o medo de ficar para titia, até porque adora ser tia...

- Senhor Spock, traga a Tenente Uhura de volta, urgente!

- Não posso, Capitão, ela está tendo relações ilógicas com nativos...

Brinca com o sobrinho, dramatizando um enredo maluco que criam na hora para os bonecos. Patrícia e Arthur rolam de rir. A brincadeira termina quando a nave fura um pneu em um prego estrelar, sinal de que é hora de ir tomar banho (...) Daqui a pouco os outros cinco chegam e as conversas sobre os negócios da banda terão início, por agora namoram...

- Não, eu prefiro deixar neste comprimento mesmo. Quando quiser mais curto, faço um coque.

- E as nossas férias, já decidiu?

- No. Ainda estou sem cabeça pra isso, tem muita coisa para resolver até lá.

- E desde quando problema pra resolver é desculpa para adiar férias, mulher?

Rebeca e Ronald são os primeiros a chegar. Enzo é o último, se atrasou um pouco por ter ajudado um turista que caiu de um caminhão (...) Nada de grave, mas ele ficará com a perna engessada por pelo menos três meses...

- Como era mesmo esse turista?

- Reconhece a descrição?

- Quero estar enganada mas... Daddy, pode ir ao hospital da cidade velha, ver uma coisa para mim?

Ele vai, vê e confirma. É um antigo assessor do senador que foi flagrado no prostíbulo onde Deborah sobrevivia, mas não parece significar ameaça nem para uma bomba de chocolate...

- Eu juro que não sabia de nada do que o senador fazia! Vi a sua irmã com ele algumas vezes, mas a gente não pode se meter na vida dos congressistas, você sabe!

- Aham, sei... Mas quem te deu essa idéia estúpida de subir no teto de um caminhão? Não lhe ocorreu que ele poderia sair a qualquer momento?

- Na verdade eu não sou muito bom em prevenção de acidentes, eu trabalho com eventos sociais, você deve compreender.

- Compreendo. Veio sozinho?

- Não, eu... MEU DEUS, ESQUECI MINHA MÃE NO HOTEL!

- Oh, big!

Liga para o hotel e pede que acompanhem a mulher até o hospital, depois liga para a filha e avisa que ele é um completo pateta, só oferece risco à própria integridade física. Volta para casa pensando na irmã. Faz alguns dias que não a vê (...) Ela e Gerald estão repassando para Amilton o que sabem da vida e a lida com o museu. A cada mês, pelo menos uma peça de época é encontrada em algum lugar da propriedade. O rapazote acaba de encontrar um gramophone de 1899, com dois discos de época e algumas photos, estava tudo dentro de um tonel (...) Deborah vai ligar para o irmão, pedir novamente que Amilton possa catalogar mais algumas peças no computador, mas o aparelho toca assim que ela se senta. Acha de um atrevimento enorme interromperem o que iria fazer...

- Hello?... É a esposa dele quem fala, quem quer falar com ele?

Passa para Gerald, é um dos filhos fujões. O homem chora do outro lado da linha, pede perdão, diz que foram estúpidos e egoístas, mas agora precisam da ajuda do pai como nunca...

- A gente faliu, estamos todos prestes a ser despejados, não nos restou nem os carros. Só por uns tempos, pai! Por favor!

- Venham. Mas estejam cientes de que serão hóspedes, não moradores... Debby, Amilton, tenho uma notícia que talvez possa trazer desdobramentos desagradáveis. Meus filhos, seus meios-irmãos, levaram um calote do banco onde fizeram a besteira de enterrar tudo o que tinham, agora o banco foi fechado pelo governo e eles não têm como saldar suas dívidas. Quando eles chegarem com suas famílias, vou deixar claras as regras e quem é que manda aqui, hoje. Filho, não ceda uma polegada sequer do seu espaço, você trabalha duro com a gente e parte da prosperidade do nosso empreendimento está nos seus ombros, você tem direitos adquiridos nesta casa.

- Mas nós temos muitos quartos, eles não vão precisar do meu.

- Acredite, eles são muito folgados! Vão usar as famílias como escudos para se fazerem de vítimas. De hoje em diante, tranque seu quarto sempre que precisar sair.

Deborah liga para Richard, ele passa a mão na testa e confessa que (...) ajudou o governo a desbaratar o esquema de lavagem de dinheiro do crime organizado internacional, que era realmente aquele banco. Também confirma a disponibilidade do computador para o sobrinho (...) Ele avisa aos outros e Patrícia, prevendo encrencas avisa Daniel e Chuck, para que fiquem atentos e não tenham pena deles, não são flores que se cheire. Chegam os três em dois dias, com cônjuges e filhas (...) Gerald precisou pagar o translado também. Os cidadãos de antes do renascimento da cidade os reconhecem, pensavam e desejavam que os ingratos nunca mais voltassem. Pelo menos cada um teve uma só filha, menos mal.

Elisa, Dick e Louis vão com seus pares e filhas em uma Suburban 1954, para a casa que deixaram e chegaram a esquecer por muitos anos (...) Sabiam que poderiam contar com o bom coração do pai, mas também sabem que não podem tocar nesse coração, ele ainda dói. Passam inevitavelmente pela cidade nova, que lhes causa espanto pelo arrojo e urbanização (...) Na entrada da propriedade há um enorme letreiro luminoso anunciando o museu e suas lojas. Ele é visto de longe, não lembra o galpão improvisado que lhe deu origem.

À entrada de casa estão Deborah e Amilton, a dona soberana da casa e o braço direito do casal. Os nove descem, cada casal tem seu quarto, as meninas ainda são pequenas e compartilharão um bem grande. Quando voltam as regras são ditadas em tom moderado, mas imperativo (...) habitarão quartos distantes da suíte e do rapaz, isso por si já diz como será a convivência. Avisam que não têm empregados domésticos nem pretendem ter (...) Tudo posto em pratos limpos, vai cada um cuidar do que lhe cabe. Amilton tem compromissos na cidade, um deles é rápido, o outro é contar à família sobre o que aconteceu (...) fica feliz quando suas ocupações coincidem com as das primas e da amiga. Felizmente estão todos na casa de tia Nancy, ele pode fazer as duas coisas ao mesmo tempo...

- Eu não gostei do jeito como me olharam, como se eu fosse um intruso na casa, mas meu pai disse para eu não ceder, que eu tenho direitos adquiridos lá dentro...

- E tem mesmo – conclui Patrícia. Você trabalha pra caramba, faz o serviço de dois empregados, não precisa nem hesitar em dar ordens na casa. E essas três meninas?

- Sem querer falar mal, mas sem escolha, me parecem mimadas. Posso estar enganado, mas elas não estão acostumadas a obedecer e nem a pegar no pesado!

É o que Deborah está vendo (...) Os pais estão com Gerald, procurando trabalho. Sua contabilidade é interrompida por um “Não tem algo para comer?” e retruca com “Vocês têm pernas e braços para irem buscar”, voltando ao trabalho. Termina e elas ainda estão lá, com fome, vendo anúncios de fast food. Simplesmente desliga o televisor e manda irem brincar, o que lhe rende agressões físicas devidamente revidadas com sonoros tapas em suas faces macias.  Amilton fica muito irritado quando volta e vê a mãe com uma saia rasgada nas mãos. Ela trata de acalmá-lo, falará a respeito com os pais das fedelhas.

Apesar da vontade de bater nela, os seis precisam ficar calados. As regras foram colocadas de forma clara e bastante antecipada. Gerald alerta os filhos sobre uma coisa...

- Assim como Naomi dava as cartas, hoje é Patrícia quem realmente manda em Sunshadow. Uma das diretrizes que ela incutiu na cidade foi a da educação das crianças, cuidado que suas filhas parecem não ter recebido...

Não delonga, diz qual é a mentalidade vigente na cidade e que eles se darão mal se não se portarem a contento. Terminam e vão acolher o caçula, que se sentiu ultrajado ao ver uma marca de unha na perna esquerda da mãe. Ele nunca tinha conhecido crianças mimadas, ficou chocado (...) Queriam lhe dar um computador no natal, mas vêem que seu presente agora seria totalmente contraindicado; felizmente pretendiam fazer uma surpresa, será uma frustração a menos.

Os dois meses seguintes são muito difíceis. Às vezes os seis amigos aparecem, não só para estreitar laços, mas também para explicitar o apoio à dona da casa. Às vezes o irmão da dona da casa aparece não só para mimá-la, mas também para intimidar (...) não chegam a atrapalhar os negócios, até porque sabem que dependem deles. Vêem passivamente Amilton correndo de um lado para o outro, com papéis, dinheiro, mercadoria, insumos, livros de estudos, memorabilia, crianças perdidas, mães desesperadas e pedidos de visitantes cadeirantes, que não podem simplesmente correr até a lanchonete para tomar um sorvete (...) mas prefere não ter certas ajudas.

Eduarda e Renato chegam com Eddie, trazendo dezenas de revistas e jornais brasileiros (...) A garota olha para o amigo, ele sorri, mas o sorriso destoa bastante da geometria e das cores costumeiras...

- Tom, vem aqui... Por que essa raiva?

- Eu ainda não perdoei eles por terem agredido minha mãe logo no primeiro dia!

- A sua voz também está áspera, tem muitos losangos irregulares nela! Vem comigo.

A acompanha até detrás de um belo caminhão Mack 1920 verde, do acervo externo. Ela (...) pede que não pense besteiras e não reaja, segura carinhosamente seu rosto e o beija. Como previu, ele começa a relaxar e a tensão some. Ao contrário do que previu, ela também relaxa e o beijo se prolonga (...) A sinestesia dela entra em parafuso, mas desta vez não a incomoda. Deborah os encontra, arregala os olhos, pensa em gritar, se controla e vai eufórica contar ao marido e aos pais da menina. Não é que Renato faz o mesmo papelão que tinha feito com Renata?! Desta vez os três o controlam (...) Eduarda repete o tempo todo que o tio Quimbim está vendo e não vai perdoar uma besteira dessas. Os encontram (...) se olhando como se fossem seres de planetas distintos. Renato até sente vergonha da bronca que iria dar à filha. Alisa o rosto, o bigode espesso (...) e espera os dois terem alguma reação...

- Tom... Desculpa... Eu não quis...

- Eu gostei... Desculpe eu ter te metido...

- Eu gostei também... Mas vou ter que falar pros meus pais, não sei o que vão...

- Pois eu te digo, mocinha...

Os dois se viram assustados. A posição do sol deixou a sombra dos casais para o lado oposto, impedindo que os percebessem...

- Se vocês estiverem pensando em alguma coisa séria e tiverem o juízo que eu lhe ensinei, você não podia ter escolhido melhor, minha filha.

Os dois ficam tímidos, ele enrubescido. Ela, mesmo de pele acanelada, começa a ficar cor de rosa, acanhada e a ouvir flautas azuis tocadas por faunos apaixonados. Os dois não conseguem disfarçar (...) São levados para a casa, de onde Deborah começa a espalhar...

- O Tom, Ritchie! Ele está apaixonado! Meu menino começou a desabrochar pra vida! Ah, eu estou feliz, não me agüento em mim! VOU EXPLODIR DE FELICIDADE!!

Por alguns minutos ele se lembra de quando eram jovens, e ela o procurou para dizer que estava apaixonada pelo rapaz da série seguinte, mas esse rapaz também não voltou do front. Desta vez (...) um dos gatilhos de sua loucura não existe mais. Richard cuidou para que outra guerra mundial não aconteça pelos próximos vinte anos. Ele fica feliz, tão feliz que a deixa tagarelar até se cansar...

- Eu tenho que ver isso! Nos espere, já chegaremos aí.

Pega a robusta e impecável Corvair Greembrier, põe esposa e filhas nela, vai buscar Renata, Márcia e Matthew, então ruma para a casa da irmã (...) Vêem os dois pombinhos ainda tentando entender como tudo aconteceu, como se não soubessem (...) Marcia ainda é menina, mas Audrey e Melinda também estão na idade de verem os garotos com outros olhos. Elas suspiram ao verem o primo certinho e a amiga maluquinha de mãos dadas. Os adultos nunca imaginaram que se sentirem velhos seria tão bom (...) De então em diante Amilton consegue ignorar os irmãos malas, os cunhados sem alça e as sobrinhas fedelhas. Se limita aos cumprimentos protocolares (...) mas só conversa mesmo com mãe e pai, a quem dedica seu carinho e sua juventude.

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