A era já era. A estação 91 tem mais um ponto de fim e início de ciclo, o mundo e os mundos estão sendo redesenhados. Tomem seus lugares, o trem já vai partir.
- Tudo pronto,
gente? Tom, afinou? Legal! Vai, Rê!
- I was searching ways for tell to you, darling!
But have only one way for to say... Be in love is so good! Be in love is so
good... I can live without you, my love, but is so good up in morning and see
your face by my side...
O jovem casal
inspirou a banda. Apressou algumas canções em gestação e fizeram outras
brotarem por todo o jardim musical do Dead Train. Renata (...) voltou a ver o marido com aqueles
mesmos olhos adolescentes de quase vinte anos antes. Novamente experimentam
sonoridades recentes, acrescentam seu tempero e mandam ver. Patrícia se concentra
para se sentir apenas a líder da banda, nada além de líder da banda.
Ensaiam do fim da
manhã até o início da noite, quando encontram os tons que queriam (...) Eles atravessam a
razoável distância que separa o centro de convenções da casa de solteira de
Patrícia, conversando alegres e radiantes sobre os planos para a próxima
década. Os carros sem graça que têm aparecido só aumentou o tom nostálgico dos
dezoito. Mesmo que precisem colocar baterias no porta-malas e um motor
eléctrico em cada roda dianteira, mas seus charmosos e elegantes carrões não
darão espaço a tranqueiras padronizadas recheadas de plástico barato. Nada
contra o plástico (...) mas material de segunda só pra reduzir custos não lhe desce de jeito nenhum.
O vento
subitamente fica mais forte, enchendo os amigos de folhas (...) uma delas tem um ingrediente digno de filmes de terror.
Patrícia tira da gola uma folha de amoreira enrolada em uma resistente teia,
sacode, abre e vê uma aranha morta. Rita dá um grito e um salto para trás, mas
depois acompanha os outros e se aproxima...
- Patty, o que é
isso?!
Ela (...) Poderia explicar
bioquímica, botânica ou mesmo meteorologia, mas tem uma explicação mais
metafórica e sombria para aquela folha tão bonita, que escondia uma cena tão
feia...
- Meus amigos, eu
lhes apresento a década de oitenta... Vamos pra casa.
Mostra a folha
aos pais. Brain compreende o que ela quis dizer e concorda plenamente. Decide
photographar e guardar aquilo, talvez seja necessário para uma palestra mais
didática.
&
E os aiatolás
tomam o poder. Aparentemente é uma democracia, mas eles podem aceitar ou não a
vontade popular. A embaixada americana se torna um cárcere e mais um paradigma
cai (...) com tantos reféns e a
mentalidade tribal no comando de tudo, fica acertado que devem esperar o tempo
que for necessário, com o mínimo possível de intervenções (...) mesmo que isso os faça acreditar que são muito mais poderosos
do que realmente são (...) Claro,
a censura começa a correr solta e o Dead Train é um dos primeiros cortes. Onde
já se viu uma mulher comandando homens? Só pode mesmo ser obra do império de
satanás!
A coisa não foi
repentina, há anos que se arrastava (...) mesmo assim o mundo olha absorto, se perguntando como isso
aconteceu. Todos olham para Patrícia, porque tem coisas que mesmo a diplomacia
que dois deles dominam bem não explica a contento...
- Vocês dois
sabem sim, só não ligaram os pontos ainda. A pior coisa que um opressor pode
fazer é deixar o povo acreditar que não tem mais nada perder e que pior não
fica. Foi o que aconteceu lá, é o que está acontecendo em muitas partes do
mundo e nós não estamos livres de isso acontecer na América. Sacaram? Well...
What can we do about this? Nothing. O melhor que fazemos é continuar
trabalhando na programação para as comemorações dos vinte e cindo anos da
banda. O mundo está desabando e mesmo assim estamos prestes a entrar para a
maioridade. Let’s work?
É o que Josephine
aconselha a todos (...) porque o que está acontecendo não pode mais ser
parado, precisam estar fortes e felizes para enfrentar dignamente o abominável
mundo novo (...) Nancy se recusa a assoprar velinhas, então seu aniversário
será uma amostra grátis do festival da saudade. A francesa vê Anita se
admirando com a Brasília quatro portas, marrom claro com tudo o que a fábrica
oferece ao modelo de exportação. É um carro muito espartano para os padrões
americanos, mas no Brasil é carro de classe média. Ser derivada do Beetle foi o
que pesou na escolha do presente.
Uma mulher
madura, linda, bem tratada, bem relacionada, de bem com a vida e realizada com
a vida que leva. Nancy exibe na plástica e na cinturinha tudo o que sua
história e seu estilo de vida conseguiram produzir (...) Vai ao Brook’s
de jeans boca de sino, todo decorado com flores de crochê, camisa amarela e
jaqueta preta com estampas de Fusquinhas coloridos. Adora esse carro. Cabelos
soltos ao vento (...) volta rápido com
uma sacola cheia de gotas de chocolate ao leite, com que fará as guloseimas da
semana, com a ajuda de suas caçulas serelepes. A pistola está atada à perna
esquerda, pronta para sair pelo bolso vazado, se for necessário. É parada por
turistas que reconhecem a Mamãe Broto, tira algumas photos com eles e retoma
seu caminho.
Vê Arthur
caminhando com Richard e Amilton, a explicar-lhes dos melindres de se conviver
com celebridades, ou pior, com gente que pensa que é celebridade (...) Uma canastrona chegou a divulgar
que seria a legítima sucessora de Jose de Lane, que procurada a respeito
respondeu simplesmente “Já ouviram falar de Patrícia Petty Gardner?”. Entram na
casa, onde as gêmeas já estão com a massa quase pronta para os coockies. Encontrou
a caixa de correios lotada, como sempre. Ainda tem gente escrevendo para
Patrícia usando o endereço de solteira. Os dias passam nessa toada mansa de
trabalho árduo, até chegar o dia de seu aniversário.
O dia começa com
mordomias. Richard a carrega para o banheiro, onde se higienizam juntos e fazem
coisas de casal, não sejam enxeridos. Audrey e Melinda terminam de arrumar o
desjejum, enquanto Patrícia e Josephine arrumam a sala com presentes (...) Todas vestidas
como nos anos cinqüenta, que é o tema do dia. Patrícia a vê descendo com o pai,
grita “MOMMY!” e corre para abraçar, sacolejar e acariciar a genitora (...) Photos, vídeos, revistas, roupas guardadas e muitos elementos de decoração são
das três fases da época. Fester chega e estranha aquele carro com jeito de
aquário, todo cheio de vidros. Mary Ann o puxa para dentro e a festa começa.
A casa fica cheia
rapidamente, alguns artistas aproveitaram o tema da festa para passarem
incógnitos pela população de paparazzi que praticamente mora na cidade. Vai
durar o dia inteiro, então todo mundo levou algo para a ceia (...) A abertura dos presentes é recheada de
pegadinhas, como várias caixas sucessivamente encaixadas guardarem presentes
pequenos. O último é o de Josephine. Nancy abre uma caixa cheia de palha,
cavouca até encontrar um chaveiro estranho...
- Oh! Chave de
carro! É uma chave de carro! É de um Volkswagen!
Repete atônita
até ser levada ao jardim, onde uma mistura de Corvair com hatch europeu
compacto reluz ao sol do meio dia. Ela se aproxima do carro, prega o rosto nos
vidros, olhando o interior de todos os ângulos possíveis (...) Reconhece o cheiro de Volkswagen, o assoalho e a posição
de dirigir. Liga o motor e reconhece o som, fica eufórica, rindo feito criança
dentro daquele carro. Agora vai dar um descanso ao seu veterano, o deixará para
passeios e eventos.
Nos dias
seguintes a região precisa se acostumar àquele carro estranho, com motor no
porta-malas e... Bem, a história se repete (...) As gêmeas gostam de ter duas
portas a mais para acessar e alguns centímetros a mais para usufruir. Nancy está
feliz com seu brinquedo novo, a ponto de muita gente se esquecer do perigo que
ela representa.
&
Aqueles
executivos viram os seis agirem desde garotos (...) não ousam mais desafiá-los. O escritório central
administra a pequena multidão de jornalistas e paparazzi (...) Rebeca encara sem disfarce um deles, foi uma pedra no sapato da banda (...) Ninguém ali está
confortável, mas eles estão em vantagem. O investimento da Dead Train
Corporation em microprocessadores chamou a atenção do mercado, foi vultuoso (...) até mesmo a alimentação
dos motores começa a ser computadorizada.
Ao fim de uma
tarde de trabalho (...) os executivos saem aliviados, mas com uma extensa lista de exigências a
ser executada imediatamente. Os seis se olham...
- Poderia ter
sido pior, sim, mas foi horrível – diz Patrícia.
- Se esconder
detrás dos empregados foi triste – exclama Renata! Eles não dão a mínima!
- Mas nós damos e
eles sabem disso – diz Ronald... Chantagistas baratos!
- Ragazze! Podem
desligar esse computador, já vamos sair. Pelo menos agora terão que comer em
nossas mãos, se não quiserem virar empregados de suas empresas.
Marina e Victória
encerram a maratona da semana. Sentem falta de Lucille, que hoje está em Paris (...) Descem e a imprensa tem a boa notícia, assim como uma mensagem subliminar
aos que ainda tentam bancar os espertos com eles...
- O que há com
elas?
- Saudades da
Lucy – diz Enzo. Eram inseparáveis, até ela começar a carreira.
- Aliás – diz o
paparazzo – a esta hora ela deve estar indo para o estádio!
- Obrigado por
falar baixo, o Ron também sente muita falta dela. Ele ajudou a educar a irmã.
Saem para o
Jose’s Hotel. A emergência já foi atendida e tem gente querendo chorar de
saudades da irmã (...) Ela também sente
falta da companhia do irmão, mas já é adulta e sabe que precisa abrir mão de
muitas coisas na vida (...) Aguarda nos bastidores como aprendeu com o irmão, silente, concentrada (...) Tem uma surpresa para o
público, presente justo do irmão que lhe fala à saudade. Hora de entrar. Ela
sobe ao palco, agradece o público e...
- T'aime donc je suis allé...
O estádio vai ao
delírio ao ouvir uma canção no seu idioma. Corações partidos, apaixonados não
correspondidos, tímidos que temem pela rejeição, todos se identificam naquela
canção que, ao contrário do jazz em inglês, um Martini seco, tem sabor de vinho
tinto. É o último show da turnê européia (...) Mulher feita, segura de si, dona de seu nariz (...) mas toda a altivez
nobresca que passa ao público é uma muralha. Está ansiosa por deitar a cabeça
no colo da mãe e receber carinho. Depois quer tirar sua Vespa da garagem e ir
buscar as amigas.
Volta coroada de
glórias e com uma carteira crescente de fãs. A aeronave inteira se debruça para
cumprimentar, conhecer e paparicar a jovem musa de ébano (...) Assim que o avião pousa em Los Angeles, assim
que ela passa pelas lentes profissionais, assim que ela entra no Impala preto que
Josephine mandou para buscá-la...
- Ron?! RON!!!
Ela abraça, beija
e se debulha em lágrimas nos braços do irmão (...) respira ofegante, como quando ele a
entretia no quintal de casa e ela voltava correndo, após ser encontrada em
alguma brincadeira. Os dois vão abraçados até a residência da diva, onde...
- Mère... Père...
Não quer saber
quem está filmando e photographando, corre para os pais como uma criança. La
Maison Canard Noir recebe festiva e carinhosamente sua caçula tão preciosa (...) Não importa que aquela não seja sua residência, a família inteira está
lá, então é o seu lar.
&
Matthew encerra
as aparições oficiais do Dead Train na imprensa, por este ano (...) A banda, por sua vez, vai se dedicar aos negócios
e aos assuntos internos, como os eventos que inauguraram e se incorporaram às
tradições de Sunshadow. As cinco Brasílias da cidade circulam serelepes pela
região, ajudando a aprontar o Festival da Saudade (...) Gerald vai estrear um raro Minerva AF Limousine 1925
bordeau, com o que vai compor o visual da família, exceto os filhos ingratos (...) Ele olhou para os três, os encarou e agradeceu por não irem atrapalhar
a festa.
Richard, Patrícia
e Arthur combinam os últimos detalhes com algumas agências internacionais de
inteligência (...) como já se tornou comum neste
festival...
- Ok, vamos ver.
Os envolvidos na primeira operação virão de bélle époque, os da segunda de anos
vinte e assim por diante. Os sinais serão os mesmos, só acrescentando os três
alertas. Alguma dúvida?
- Não. Para mim
está claro!
- Pourmoi, c'est bon !
- Jeg stemme.
- Perfeito.
Então, arrumem seus figurinos, bom trabalho e bem-vindos a Sunshadow!
Patrícia encerra
a videoconferência (...) Vão cuidar de suas particularidades, porque por hora o mundo está salvo.
Abrem as portas da biblioteca e vêem Nancy cuidando dos garotos...
- Muito bem,
crianças, eles já salvaram o mundo, podem se divertir na biblioteca. Vocês não
se esqueceram de nenhum segredo lá dentro, esqueceram?
- No, mom. Na
verdade a gente acha que já é hora de vocês conhecerem algumas coisas legais.
Os três os levam
para dentro e fazem descer o monitor que eles nunca tinham visto. Explicam o
que é aquilo, como funciona e causam frenesi, pois até parece ter saído dos Jetsons! (...) Ligam para Josephine, que há meses insistia para que liberassem a
videophonia decodificada (...) A meia hora de ligação
é uma festa. Quando desligam, a mulher está eufórica...
- Posso usar de
vez em quando?
- Todos os dias,
mommy. Basta estar livre e você pode usar. Já vocês quatro... Só com a
supervisão de um adulto. Venham, vamos apresentar-lhes a internet.
É uma tarde
descobrindo que o futuro já tinha chegado há muito tempo e eles nãos sabiam.
Paralelamente, Elisa se desentende com Dick e Louis, logo em seguida também com
o marido, por mudar de idéia e decidir ir ao festival. A idéia dos três era
aproveitar o socorro do pai e desaparecer de novo (...) ...
- Pai? Será que
podemos conversar?
- Podemos. O que
houve entre vocês? Por que aquela discussão?
- Porque eu
decidi ir pro festival.
- Só por isso?! A
sua menina vai?
- Acho que não.
Tem lugar no carro pra mais um?
- Tem – diz
Deborah. Mas vai ter que vestir o figurino, pra não destoar.
Ela aceita. Lhe é
dado um conjunto de praia de época, com camisa listrada de marinheira,
pantalonas azuis e um chapéu bem largo.
Na cidade, os
hotéis já começam a receber os turistas, imprensa e agentes secretos
disfarçados. Os que podem estão ansiosos por conhecer as instalações
subterrâneas, onde há um festival particular da saudade, com mostras de
equipamentos antigos e documentos que já podem ser divulgados.
Os três dias do
festival têm três efeitos drásticos. Mais da metade dos agentes que
participaram se torna simpatizante da organização (...) Josephine causou frisson após quase um ano sem
aparecer em público (...) Elisa chorou de
joelhos em público, pedindo perdão ao pai (...) Feliz fim de década.
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