quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Dead Train in the rain XCVIII

    Um fantasma apaixonado. A estação 98 mostra que mesmo os mais fortes podem ter feridas que não se atrevem a tocar. Deixem-se curar e embarquem, o trem vai partir.


- Oi, Bart!

- Oi, Abram! O que traz de novo?

- Nada, exactamente... Só aquelas idéias de novo, você sabe... Wow, Homer está ficando a sua cara, só um pouco com o nariz da mãe, mas...

- E não é? Trouxe ele pra trabalhar com a gente, parece que está gostando! Meio desastrado, mas desde que o Greg foi promovido é o melhor assistente que eu já consegui.

- E aquela namorada de cabelo esquisito?

- Por que acha que eu trouxe ele? O rapaz quer se casar, naqueles empreguinhos de adolescentes ele nunca iria conseguir sustentar uma casa!

A conversa dura até o rapaz bater a cabeça umas quinze vezes na grua e terminar de organizar a fiação (...) O filme é uma comédia romântica, um bolo de queijo que vende fácil e reforça o caixa (...) ele providencia para que as mensagens cifradas e subliminares sejam transmitidas a contento (...) Ouve gritinhos de garotas que passam pelo set, figurantes que suspiram pelo que vêem em uma revista, elas páram e ele se aproxima...

- Que menino lindo!

- Tomara que ele goste de coroas, porque a gente já vai estar nos trinta e tantos, quando ele estiver no ponto!

É pelo pequeno Richard que suspiram. O menino já tem altura e feições de adolescente, tem nos músculos o que muitos garotos com a mesma idade acumulam em gordura. A imagem (...) mostra o pequeno galã com sua afortunada namorada, solenemente ignorada pelas seis moças em questão. Depois avisa aos pais do petiz, agora tem muito o que fazer e paixões impossíveis não são exactamente a sua alçada.

O menino lindo está ministrando suas aulas semanais de iniciação científica. Até Amilton e Eddie fazem parte da turma. Os dois, aliás, já planejam o noivado. Ele quer dar netos decentes ao pai, netos que não vão morder e arranhar sua mãe por uma contrariedade. Ele a acompanha até o portão de casa, onde ambos se demoram na despedida, observados por Eduarda e Renato, que já vêem as asas da moçoila se abrindo e fechando, para poder ir construir seu próprio ninho (...) hora de planejarem a velhice, que não tarda muito mais, pensam em se dedicar mais à fundação e ao centro, que de vez em quando parecem ser extensões um do outro (...) Os pombinhos olham para trás e acham oportuno dar a notícia, vão marcar o noivado como manda o figurino, para todo mundo ter tempo de se programar para o casamento (...) o noivado é uma festa, raras pessoas podem dizer que realmente têm muitos amigos de verdade, eles têm e a casa fica cheia até tarde da noite. Em breve haverá mais uma moradora.

&

Zigfrida Termina o terceiro livro (...) Em um deles, fala dos nomes suecos e das contradições que têm com seus portadores. Ela, por exemplo, quase foi baptizada como Karin, logo ela que de pura só tem a pele imaculada pelos cuidados que toma. Beatrix Bridge chama à porta, avisa de um estranho com sotaque alemão que tenta conseguir seu endereço na cidade...

- O nome dele é Solveig Andersson. Conh... É, pela cara conhece e preferia não conhecer.

- PUTA QUE PARIU, BUZZY! Como foi que aquele bundão me encontrou?! Vou dar um basta nisso agora! Onde ele está?

Lá vai a esbelta figura da neta de noruegueses e finlandeses até a confeitaria da praça central. Cidadãos distraem o branquelo, enquanto a fera ruiva balança o vestido vermelho com seus passos largos e rápidos. Ele vira seus olhos castanhos para a esquerda e vê um andado familiar(...) tenta se explicar pelo que fez a Lennart, levando um gancho de direita antes de conseguir dizer a segunda frase. Ele se levanta devagar, ainda tonto...

- Fridinha...

- É o cacete!

- Eu larguei daquela cidade!

- Hein... Não que isso agora adiante, mas meus parabéns! Agora se manda!

Eles discutem sem perceber o fenômeno messiânico que se dá, a população abre passagem graciosamente para uma Dead Train se aproximar. Renata fica a menos de dois metros dos dois, acompanhada da filha (...) até ele arregalar os olhos e ficar sem palavras diante de um ídolo mundial do pop rock...

- Rê... Desculpe pela cena...

- Oi, Frida. É esse o bundão? O que ele está fazendo tão longe do cemitério?

- Dá pra acreditar? Ele se livrou daquilo!

- Então não é mais tão bundão!

- Não, não é. Para quem come pão amanhecido, é uma boa pedida.

- Eu faço torradas com pão amanhecido.

- Truque de cupido não funciona comigo.

- Eu sei que não, assim como sei que você detesta se expor, como está fazendo agora. Vamos levar esse quebra-pau para um lugar onde vocês possam se digladiar com privacidade?

São levados para sua casa, cercada pela imprensa que lamenta não poder registrar mais baixarias. Serve-lhes café e pão de queijo quentinhos, os deixa à vontade e leva Pirata para passear. Ele se vicia rápido na iguaria goiana (...) Aos poucos, aproveitando a atmosphera pacífica da casa, ele mostra que não é o imenso banana de outrora, pelo contrário, consegue ser um banana até bem firme! Ela está amolecendo e percebe que está amolecendo, se odeia por estar amolecendo, vai contra as regras do jogo fingir que é dura quando está amolecendo! Zigfrida permite que ele fique na cidade, como se fosse dela, desde que não a atrapalhe seu trabalho, no qual investiu os mais de vinte anos em que acompanha os Dead Train...

- Mas, que mal pergunte, o que você tem feito na vida?

- Corretor de imóveis. Tenho um escritório em Leipzig, onde estou morando. De lá eu trabalho com uma rede de corretores pela Europa e Ásia.

- Wow... Então faça um passeio por Sunshadow, o mercado imobiliário daqui é bastante endêmico!

Ele sai para ver, mas assim que põe os pés para fora encontra Patrícia Petty tricotando com Bonnie Tyler, passeando com sua caçula. Mais adiante vê Michael Jackson em um Mustang 1966 conversível, com Diana Ross de carona, alguns passos mais e dá de cara com Harrison Ford (...) Imagina que qualquer muquifo na cidade deva valer uma fortuna. Mas dá de cara com gente que não dá muita pelota para isso. Os imóveis em Sunshadow encareceram muito, mas ainda são bem mais baratos do que nas metrópoles (...) assim um apartamento médio de dois quartos é perfeitamente factível para um casal jovem em início de vida a dois. Não vê nenhum escritório imobiliário, com tantas preciosidades disponíveis...

- A gente não quer estranhos se metendo em nossas vidas, sem ofensas, claro. Imóvel nós vendemos quando é necessário e só para gente próxima ou indicada, pelo preço justo.

- Por quê?

- A gente não quer, precisa de mais motivos?

O casal não o convence, na verdade o confunde bastante (...) Mostra-lhe sua casa na cidade velha, um sobrado enorme erguido em 1913. Na garagem há um Crosley Sedan 1949 preto, um Franklin Airman 12A 1928 verde e um Thunderbird 1985 vermelho, o carro de uso diário da família (...) rádios, televisor, móveis e decoração antigos convivem com seus pares hi-tech. Solveig faz um cálculo rápido e avalia a casa em mais de um milhão de dólares (...)Tudo junto pode passar de um milhão e quinhentos mil, fácil, fácil...

- Wow! Mas me fala, e quando as pessoas simplesmente não quiserem mais pagar esses preços absurdos?

- Muita gente vai à falência, senhora. Muita gente mesmo! Inclusive eu.

- Então, meu amigo, vou te dar um conselho de graça. Tivemos uma crise em 1929 justamente por causa da especulação desenfreada. Diversifique seus investimentos e invista um pouco em produção e serviços. Quem vive em uma perna só é saci!

E lá vai ela explicar sobre o folclore brasileiro (...) Ele volta à casa onde foi aceito como hóspede, arrasado, Renata o leva para ver Zigfrida, prometendo que ele não vai apanhar. Lá ele encontra Patrícia e Enzo (...) É muita celebridade por metro quadrado (...) A sueca sai da biblioteca, após digitar mais de cem páginas e encontra seu pretendente como esperava que estivesse...

- Gostou, Sol?

- Frida, este lugar não é normal!

- Quantas avaliações você fez e quantos “Não” você recebeu?

- Tô arrasado! Eu passaria fome aqui!

- Ow, que fofo! Acho que agora você entende o que eu te disse em 1958, palerma. As pessoas não são outros “você” em corpos diferentes, elas são únicas e com valores próprios. Uma oferta que você considere irrecusável pode ser uma ofensa grave a alguém, não só nos negócios. Em tempo, ninguém passa fome em Sunshadow. Trabalho decente não falta aqui.

Os maquinistas observam os dois falando em sueco (...) Richard olha para a mãe, faz um dos sinais que o pai pediu que evitasse ao máximo fazer, diz que está entendendo e depois conta. No fim da tarde, Zigfrida fica pasma ao saber que seu paciente lindinho aprendeu sueco sozinho (...) está se tornando quase um oniglota, manja bem até de mandarim (...) Ele relata tudo o que os dois conversaram, inclusive alguns termos coloquiais...

- Hey, Shazam! Posso fazer três pedidos? Menino, onde você guarda tanta coisa? Quantas cabeças de cima você tem?!

- Minha bisavó dizia que um segundo idioma é uma segunda alma. Comecei a aprender mais rápido quando aprendi vários.

- Então você é um coro inteiro, uma consciência sozinha não dá conta de tanto!

- É o meu menino! Você já conhece a relatividade, não conhece?

- Conheço, me correspondo com Carl Sagan sobre astrofísica e sempre tocamos no assunto.

- Wo-hoooooo! Mais um gênio na linhagem... Ele sabe que você ainda é um garoto?

- Não tenho certeza... Acho que ele me trata como se fôssemos da mesma idade!

- Ele acha que tá falando com o meu pai!

- Boa noite! Recebi uma carta dele... Agora sei quem é o Richard Gardner a quem ele se refere como “vovô de espírito jovem”. Garoto, você anda se passando por mim??

- Não, eu até assino meu nome completo!

- Ok, vou responder convidando ele para uma visita, na próxima convenção da banda. Eu quero ver a cara dele! Mas antes me inteire do que vocês já trataram.

De fluxos de matéria hiper aquecida jorrada de buracos negros a estrelas de neutros que espiralam de dentro de anãs brancas, eles falaram de tudo, passando pela correção da anatomia dos dinossauros, a fuga da lua, o Bóson de Higgs, o fluxo pantidirecional do tempo e o emaranhamento atômico (...) Aprendeu direitinho tudo o que já conversaram...

- Daddy... Sorry... Can you translate for us, please?

&

- Jose, você sabe de alguma novidade que Abram esteja preparando?

- Non... Nada além daquela inspiração que ele teve e para a qual procura um canal. Pourquoi?

- Porque eu acho que ele está de sacanagem comigo. Conheço o velhaco!

- Você se preocupa demais! O que ele poderia fazer, além das trapalhadas em que já te meteu... É, você tem razão de se preocupar. Ele sabe que você foi um diabinho, na infância?... Então espere que é só o que pode fazer, esperar e se armar de paciência.

- Do que está rindo, Nelson?

- De você, Simpson! Ah, meu Deus... Tem uma coisa que eu aprendi com o fim da guerra e cabe direitinho no seu caso; O passado pode ser redimido, mas nunca pode ser apagado.

- Oh, d’oh!

Encerram o assunto quando o piloto anuncia os procedimentos para aterrissagem. Somente a presença realesca de Jose De Lane para acalmar os ânimos que rondam Sunshadow. Os jornais moderaram as maledicências assim que souberam de sua visita (...) Mas o foco dela, desta vez, é a velha amiga Zigfrida Fälkstaden. Ela não pode mentir neste caso (...) Foi Solveig finalmente tomar uma atitude na vida e ela se desmanchar novamente...

- Por que não conta para ele, Frida?

- Ele não está pronto! Ele ainda é um banana egoísta! Precisa aprender a ver em si uma extensão das dores dos outros, pra deixar de lado essa mentalidade de “Nada pessoal, só negócios”. Isso é conversa de bandido pra atenuar a pena!

- Até lá?

- Até lá eu acompanho os progressos dele.

- Mon ami, você está se maltratando muito. Do que tem medo, que ele dê para trás de novo?

- Tenho. Sou gata escaldada. No final das contas as minhas feridas não estavam bem curadas. Começo a sentir falta dele, mas com aqueles vícios de caráter, não dá mesmo.

- Eu vou conversar com ele, posso?

Ela atravessa a rua e tudo para em um raio de pelo menos cem metros. A diva de milhões, a musa de gerações, a indescritível Jose De Lane está caminhando e absolutamente nada tem o direito de ficar no seu caminho. Aquela deusa, aquela mulher absolutamente olímpica toca no pequeno portão e ele está destravado (...) Assim que chega à porta, Renata está para ir vê-la...

- Jose!

Aquela mulher alta, de proporções perfeitas e rosto épico a abraça como se fosse sua mãe. Elas entram, ofuscando tudo ao redor. É tanta luz que queima, e Solveig não resiste à presença da deusa, desmaia (...) Quando ele acorda, a conversa séria tem início, sempre em tons bemóis e andamentos lentos, para não assustar o banana. Ela explica o tipo de vida que a sueca leva, a reputação que construiu e os grandes serviços que presta não só à clientela, mas também à coletividade (...) deixando claro que se a fizer chorar de novo, vai ter que se explicar para muita gente...

- Ela gosta de você, monsieur Andersson, mas está disposta a abrir mão desse amor para não ter mais decepções do que ele vale. Se quer realmente ver sua amada feliz e compartilhar dessa felicidade, terá que abrir mão de muita coisa.

- Eu abro...

- Não é tão simples. Terá que abrir mão de uma visão de mundo que está muito arraigada nas suas convicções, como a de que as pessoas perdem a importância depois de pagarem pelos seus serviços...

Esfrega diplomaticamente na cara dele o egoísmo que ainda carrega (...) Quem sabe agora, com Sua Majestade Estrelar a Deusa Jose De Lane tocando na ferida, ele não a trata? Ela sempre achou exagero essa autoridade informal, mas não hesita em se valer dela, quando necessário (...) No início da noite ele atravessa a Avenida Nova, fica por alguns segundos diante da casa e dá um passo à frente. Richard, com Elizabeth e Evelyn nos braços, o vê e acena para Zigfrida. Renata estica o pescoço para a parede de vidro e sorri, convida-o a participar de uma das poucas reuniões de lazer que a banda tem conseguido nos últimos anos. Estão os seis com seus rebentos e cônjugues (...) Bart e Nelson o reconhecem, ele já foi investigado, mas era só um banana que não soube dizer “não” a um malandro com crachá corporativo. A ruiva em um vestidinho verde intenso, brilhante como se fosse encerado, o encara...

- Bem-vindo... Beslutate?

- Ja, jag bestämde mig... Você sabe que no mundo corporativo não existem bonzinhos, é uma guerra... Por isso eu gostaria que me desse uma luz. Você tem alguma alternativa ou uma sugestão? Eu adopto, seja qual for.

Ela passa as mãos pela seda que lhe reveste o corpo bem esculpido, estica um sorriso e se aproxima. Passa o braço esquerdo ao redor do seu pescoço...

- Não há bonzinhos em lugar nenhum deste mundo, meu querido, mas já ouviu falar em fraternidade? Rê, pode me fazer dois favores? Explica por que eu ainda amo esse cara?

- Pessoas sábias aprendem a amar quem precisa delas, ele precisa muito de você.

- Ok, cupido, você venceu. Mas ensina este banana a tratar as pessoas como pessoas? Se ele aprender, eu caso. E você vai ficar só olhando ou vai usufruir do material?

Ele abre um sorrisão abobalhado, agarra a moça e lasca-lhe um beijo. A farra tem início e os dois são carregados pela casa.

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