Um fantasma apaixonado. A estação 98 mostra que mesmo os mais fortes podem ter feridas que não se atrevem a tocar. Deixem-se curar e embarquem, o trem vai partir.
- Oi, Bart!
- Oi, Abram! O que traz de novo?
- Nada, exactamente... Só aquelas idéias de
novo, você sabe... Wow, Homer está ficando a sua cara, só um pouco com o nariz
da mãe, mas...
- E não é? Trouxe ele pra trabalhar com a
gente, parece que está gostando! Meio desastrado, mas desde que o Greg foi
promovido é o melhor assistente que eu já consegui.
- E aquela namorada de cabelo esquisito?
- Por que acha que eu trouxe ele? O rapaz
quer se casar, naqueles empreguinhos de adolescentes ele nunca iria conseguir
sustentar uma casa!
A conversa dura até o rapaz bater a cabeça
umas quinze vezes na grua e terminar de organizar a fiação (...) O filme é uma comédia
romântica, um bolo de queijo que vende fácil e reforça o caixa (...) ele providencia para que as mensagens cifradas
e subliminares sejam transmitidas a contento (...) Ouve gritinhos de garotas que passam pelo set,
figurantes que suspiram pelo que vêem em uma revista, elas páram e ele se
aproxima...
- Que menino lindo!
- Tomara que ele goste de coroas, porque a
gente já vai estar nos trinta e tantos, quando ele estiver no ponto!
É pelo pequeno Richard que suspiram. O menino
já tem altura e feições de adolescente, tem nos músculos o que muitos garotos
com a mesma idade acumulam em gordura. A imagem (...) mostra o pequeno galã com sua afortunada namorada, solenemente
ignorada pelas seis moças em questão. Depois avisa aos pais do petiz, agora tem
muito o que fazer e paixões impossíveis não são exactamente a sua alçada.
O menino lindo está ministrando suas aulas
semanais de iniciação científica. Até Amilton e Eddie fazem parte da turma. Os
dois, aliás, já planejam o noivado. Ele quer dar netos decentes ao pai, netos
que não vão morder e arranhar sua mãe por uma contrariedade. Ele a acompanha
até o portão de casa, onde ambos se demoram na despedida, observados por Eduarda
e Renato, que já vêem as asas da moçoila se abrindo e fechando, para poder ir
construir seu próprio ninho (...) hora de planejarem a velhice, que não tarda muito mais, pensam em se
dedicar mais à fundação e ao centro, que de vez em quando parecem ser extensões
um do outro (...) Os pombinhos
olham para trás e acham oportuno dar a notícia, vão marcar o noivado como manda
o figurino, para todo mundo ter tempo de se programar para o casamento (...) o
noivado é uma festa, raras pessoas podem dizer que realmente têm muitos amigos
de verdade, eles têm e a casa fica cheia até tarde da noite. Em breve haverá
mais uma moradora.
&
Zigfrida Termina o terceiro livro (...) Em um deles, fala dos nomes suecos e das
contradições que têm com seus portadores. Ela, por exemplo, quase foi baptizada
como Karin, logo ela que de pura só tem a pele imaculada pelos cuidados que
toma. Beatrix Bridge chama à porta, avisa de um estranho com sotaque alemão que
tenta conseguir seu endereço na cidade...
- O nome dele é Solveig Andersson. Conh... É,
pela cara conhece e preferia não conhecer.
- PUTA QUE PARIU, BUZZY! Como foi que aquele
bundão me encontrou?! Vou dar um basta nisso agora! Onde ele está?
Lá vai a esbelta figura da neta de
noruegueses e finlandeses até a confeitaria da praça central. Cidadãos distraem
o branquelo, enquanto a fera ruiva balança o vestido vermelho com seus passos
largos e rápidos. Ele vira seus olhos castanhos para a esquerda e vê um andado
familiar(...) tenta se explicar pelo que fez a Lennart, levando um gancho de
direita antes de conseguir dizer a segunda frase. Ele se levanta devagar, ainda
tonto...
- Fridinha...
- É o cacete!
- Eu larguei daquela cidade!
- Hein... Não que isso agora adiante, mas
meus parabéns! Agora se manda!
Eles discutem sem perceber o fenômeno
messiânico que se dá, a população abre passagem graciosamente para uma Dead
Train se aproximar. Renata fica a menos de dois metros dos dois, acompanhada da
filha (...) até ele arregalar
os olhos e ficar sem palavras diante de um ídolo mundial do pop rock...
- Rê... Desculpe pela cena...
- Oi, Frida. É esse o bundão? O que ele está
fazendo tão longe do cemitério?
- Dá pra acreditar? Ele se livrou daquilo!
- Então não é mais tão bundão!
- Não, não é. Para quem come pão amanhecido,
é uma boa pedida.
- Eu faço torradas com pão amanhecido.
- Truque de cupido não funciona comigo.
- Eu sei que não, assim como sei que você
detesta se expor, como está fazendo agora. Vamos levar esse quebra-pau para um
lugar onde vocês possam se digladiar com privacidade?
São levados para sua casa, cercada pela
imprensa que lamenta não poder registrar mais baixarias. Serve-lhes café e pão
de queijo quentinhos, os deixa à vontade e leva Pirata para passear. Ele se
vicia rápido na iguaria goiana (...) Aos poucos, aproveitando a atmosphera
pacífica da casa, ele mostra que não é o imenso banana de outrora, pelo
contrário, consegue ser um banana até bem firme! Ela está amolecendo e percebe
que está amolecendo, se odeia por estar amolecendo, vai contra as regras do
jogo fingir que é dura quando está amolecendo! Zigfrida permite que ele fique
na cidade, como se fosse dela, desde que não a atrapalhe seu trabalho, no qual
investiu os mais de vinte anos em que acompanha os Dead Train...
- Mas, que mal pergunte, o que você tem feito
na vida?
- Corretor de imóveis. Tenho um escritório em
Leipzig, onde estou morando. De lá eu trabalho com uma rede de corretores pela
Europa e Ásia.
- Wow... Então faça um passeio por Sunshadow,
o mercado imobiliário daqui é bastante endêmico!
Ele sai para ver, mas assim que põe os pés
para fora encontra Patrícia Petty tricotando com Bonnie Tyler, passeando com
sua caçula. Mais adiante vê Michael Jackson em um Mustang 1966 conversível, com
Diana Ross de carona, alguns passos mais e dá de cara com Harrison Ford (...) Imagina que qualquer
muquifo na cidade deva valer uma fortuna. Mas dá de cara com gente que não dá
muita pelota para isso. Os imóveis em Sunshadow encareceram muito, mas ainda
são bem mais baratos do que nas metrópoles (...) assim um apartamento médio de dois quartos é perfeitamente
factível para um casal jovem em início de vida a dois. Não vê nenhum escritório
imobiliário, com tantas preciosidades disponíveis...
- A gente não quer estranhos se metendo em
nossas vidas, sem ofensas, claro. Imóvel nós vendemos quando é necessário e só
para gente próxima ou indicada, pelo preço justo.
- Por quê?
- A gente não quer, precisa de mais motivos?
O casal não o convence, na verdade o confunde
bastante (...) Mostra-lhe sua casa na cidade velha, um sobrado enorme erguido em
1913. Na garagem há um Crosley Sedan 1949 preto, um Franklin Airman 12A 1928
verde e um Thunderbird 1985 vermelho, o carro de uso diário da família (...) rádios, televisor, móveis e decoração
antigos convivem com seus pares hi-tech. Solveig faz um cálculo rápido e avalia
a casa em mais de um milhão de dólares (...)Tudo junto pode passar de um milhão e quinhentos mil,
fácil, fácil...
- Wow! Mas me fala, e quando as pessoas
simplesmente não quiserem mais pagar esses preços absurdos?
- Muita gente vai à falência, senhora. Muita
gente mesmo! Inclusive eu.
- Então, meu amigo, vou te dar um conselho de
graça. Tivemos uma crise em 1929 justamente por causa da especulação
desenfreada. Diversifique seus investimentos e invista um pouco em produção e
serviços. Quem vive em uma perna só é saci!
E lá vai ela explicar sobre o folclore
brasileiro (...) Ele volta à casa
onde foi aceito como hóspede, arrasado, Renata o leva para ver Zigfrida,
prometendo que ele não vai apanhar. Lá ele encontra Patrícia e Enzo (...) É muita celebridade
por metro quadrado (...) A sueca sai da biblioteca, após digitar mais de cem
páginas e encontra seu pretendente como esperava que estivesse...
- Gostou, Sol?
- Frida, este lugar não é normal!
- Quantas avaliações você fez e quantos “Não”
você recebeu?
- Tô arrasado! Eu passaria fome aqui!
- Ow, que fofo! Acho que agora você entende o
que eu te disse em 1958, palerma. As pessoas não são outros “você” em corpos
diferentes, elas são únicas e com valores próprios. Uma oferta que você
considere irrecusável pode ser uma ofensa grave a alguém, não só nos negócios.
Em tempo, ninguém passa fome em Sunshadow. Trabalho decente não falta aqui.
Os maquinistas observam os dois falando em
sueco (...) Richard olha para a mãe, faz um
dos sinais que o pai pediu que evitasse ao máximo fazer, diz que está
entendendo e depois conta. No fim da tarde, Zigfrida fica pasma ao saber que
seu paciente lindinho aprendeu sueco sozinho (...) está se tornando quase um oniglota, manja bem até de
mandarim (...) Ele relata
tudo o que os dois conversaram, inclusive alguns termos coloquiais...
- Hey, Shazam! Posso fazer três pedidos?
Menino, onde você guarda tanta coisa? Quantas cabeças de cima você tem?!
- Minha bisavó dizia que um segundo idioma é
uma segunda alma. Comecei a aprender mais rápido quando aprendi vários.
- Então você é um coro inteiro, uma
consciência sozinha não dá conta de tanto!
- É o meu menino! Você já conhece a
relatividade, não conhece?
- Conheço, me correspondo com Carl Sagan
sobre astrofísica e sempre tocamos no assunto.
- Wo-hoooooo! Mais um gênio na linhagem...
Ele sabe que você ainda é um garoto?
- Não tenho certeza... Acho que ele me trata
como se fôssemos da mesma idade!
- Ele acha que tá falando com o meu pai!
- Boa noite! Recebi uma carta dele... Agora
sei quem é o Richard Gardner a quem ele se refere como “vovô de espírito
jovem”. Garoto, você anda se passando por mim??
- Não, eu até assino meu nome completo!
- Ok, vou responder convidando ele para uma
visita, na próxima convenção da banda. Eu quero ver a cara dele! Mas antes me
inteire do que vocês já trataram.
De fluxos de matéria hiper aquecida jorrada
de buracos negros a estrelas de neutros que espiralam de dentro de anãs brancas,
eles falaram de tudo, passando pela correção da anatomia dos dinossauros, a
fuga da lua, o Bóson de Higgs, o fluxo pantidirecional do tempo e o
emaranhamento atômico (...) Aprendeu direitinho tudo o que já conversaram...
-
Daddy... Sorry... Can you translate for us, please?
&
- Jose, você sabe de alguma novidade que Abram
esteja preparando?
- Non... Nada além daquela inspiração que ele
teve e para a qual procura um canal. Pourquoi?
- Porque eu acho que ele está de sacanagem
comigo. Conheço o velhaco!
- Você se preocupa demais! O que ele poderia
fazer, além das trapalhadas em que já te meteu... É, você tem razão de se
preocupar. Ele sabe que você foi um diabinho, na infância?... Então espere que
é só o que pode fazer, esperar e se armar de paciência.
- Do que está rindo, Nelson?
- De você, Simpson! Ah, meu Deus... Tem uma
coisa que eu aprendi com o fim da guerra e cabe direitinho no seu caso; O
passado pode ser redimido, mas nunca pode ser apagado.
- Oh, d’oh!
Encerram o assunto quando o piloto anuncia os
procedimentos para aterrissagem. Somente a presença realesca de Jose De Lane
para acalmar os ânimos que rondam Sunshadow. Os jornais moderaram as
maledicências assim que souberam de sua visita (...) Mas o foco dela, desta vez, é a velha amiga
Zigfrida Fälkstaden. Ela não pode mentir neste caso (...) Foi Solveig finalmente
tomar uma atitude na vida e ela se desmanchar novamente...
- Por que não conta para ele, Frida?
- Ele não está pronto! Ele ainda é um banana
egoísta! Precisa aprender a ver em si uma extensão das dores dos outros, pra
deixar de lado essa mentalidade de “Nada pessoal, só negócios”. Isso é conversa
de bandido pra atenuar a pena!
- Até lá?
- Até lá eu acompanho os progressos dele.
- Mon ami, você está se maltratando muito. Do
que tem medo, que ele dê para trás de novo?
- Tenho. Sou gata escaldada. No final das
contas as minhas feridas não estavam bem curadas. Começo a sentir falta dele,
mas com aqueles vícios de caráter, não dá mesmo.
- Eu vou conversar com ele, posso?
Ela atravessa a rua e tudo para em um raio de
pelo menos cem metros. A diva de milhões, a musa de gerações, a indescritível
Jose De Lane está caminhando e absolutamente nada tem o direito de ficar no seu
caminho. Aquela deusa, aquela mulher absolutamente olímpica toca no pequeno
portão e ele está destravado (...) Assim que chega à porta, Renata está para
ir vê-la...
- Jose!
Aquela mulher alta, de proporções perfeitas e
rosto épico a abraça como se fosse sua mãe. Elas entram, ofuscando tudo ao
redor. É tanta luz que queima, e Solveig não resiste à presença da deusa,
desmaia (...) Quando ele acorda, a conversa séria tem início, sempre
em tons bemóis e andamentos lentos, para não assustar o banana. Ela explica o
tipo de vida que a sueca leva, a reputação que construiu e os grandes serviços
que presta não só à clientela, mas também à coletividade (...) deixando claro que se a fizer
chorar de novo, vai ter que se explicar para muita gente...
- Ela gosta de você, monsieur Andersson, mas
está disposta a abrir mão desse amor para não ter mais decepções do que ele
vale. Se quer realmente ver sua amada feliz e compartilhar dessa felicidade,
terá que abrir mão de muita coisa.
- Eu abro...
- Não é tão simples. Terá que abrir mão de
uma visão de mundo que está muito arraigada nas suas convicções, como a de que
as pessoas perdem a importância depois de pagarem pelos seus serviços...
Esfrega diplomaticamente na cara dele o
egoísmo que ainda carrega (...) Quem sabe agora, com Sua Majestade Estrelar a
Deusa Jose De Lane tocando na ferida, ele não a trata? Ela sempre achou exagero
essa autoridade informal, mas não hesita em se valer dela, quando necessário (...) No início da noite ele atravessa a
Avenida Nova, fica por alguns segundos diante da casa e dá um passo à frente.
Richard, com Elizabeth e Evelyn nos braços, o vê e acena para Zigfrida. Renata
estica o pescoço para a parede de vidro e sorri, convida-o a participar de uma
das poucas reuniões de lazer que a banda tem conseguido nos últimos anos. Estão
os seis com seus rebentos e cônjugues (...) Bart e Nelson o reconhecem, ele já foi investigado, mas era só um
banana que não soube dizer “não” a um malandro com crachá corporativo. A ruiva
em um vestidinho verde intenso, brilhante como se fosse encerado, o encara...
- Bem-vindo... Beslutate?
- Ja, jag bestämde mig... Você sabe que no mundo
corporativo não existem bonzinhos, é uma guerra... Por isso eu gostaria que me
desse uma luz. Você tem alguma alternativa ou uma sugestão? Eu adopto, seja
qual for.
Ela passa as mãos pela seda que lhe reveste o corpo
bem esculpido, estica um sorriso e se aproxima. Passa o braço esquerdo ao redor
do seu pescoço...
- Não há bonzinhos em lugar nenhum deste
mundo, meu querido, mas já ouviu falar em fraternidade? Rê, pode me fazer dois
favores? Explica por que eu ainda amo esse cara?
- Pessoas sábias aprendem a amar quem precisa
delas, ele precisa muito de você.
- Ok, cupido, você venceu. Mas ensina este
banana a tratar as pessoas como pessoas? Se ele aprender, eu caso. E você vai
ficar só olhando ou vai usufruir do material?
Ele abre um sorrisão abobalhado, agarra a
moça e lasca-lhe um beijo. A farra tem início e os dois são carregados pela
casa.
0 comentários:
Postar um comentário