segunda-feira, 4 de março de 2019

Dead Train in the rain CLXXVI

    Rockabevelyn. A estação 176 tira o véu da invisibilidade que cobria a jovem fidalga. Todos a bordo, o trem vai partir.


A neve finalmente começa a derreter de verdade (...) Beef acompanha a dona até a Máquina de Costura, onde pega as bisnetas e trisnetas, e leva para a fundação. O gato fica por lá mesmo. A altivez da matriarca ainda impressiona, ela demonstra vigor e curiosidade pelo mundo. As marcas da idade não a incomodam, incomodam aos vigilantes da vida alheia, mas sabe mandar alguém se ferrar apenas olhando. Entrega as pequenas às suas professoras e vai ver como sua neta está lidando com a filha aluna...

- Ela é muito manhosa.

- Como sua mãe. Fora isso, algum problema?

- Não, às vezes eu gosto dessa manha... Mas ela precisa aprender a ficar sem mim.

- Ela vai aprender. Vamos?

Deixam Caroline com as cuidadoras e vão cuidar de seus alunos. Alguns novatos começam hoje, dois deles são de outras cidades (...) precisarão de mais atenção. O desespero da mãe as comoveu, “Eu pensava que estivessem aprendendo alguma coisa, mas estavam só seguindo um protocolo para passar de ano” (...) Há iniciativas pelo país, mas são muito pontuais e as escolas normais parecem ter medo de aplicar as soluções encontradas. Sempre pensa “Não somos só nós, o mundo inteiro está desabando”, que não consola, mas evita que odeie o próprio país. Vê a primogênita chegar com um sorriso largo, passos leves e um envelope nas mãos.

Veio entregar pessoalmente o convite para a noite de autógraphos de suas meninas. Elas já entregaram o primeiro livro da série para Glenda...

- Convertendo pro formato, dá trezentos e quinze páginas, sem as ilustrações, com elas são trezentos e quarenta.

- Menos do que a gente pensava. Vamos detalhar mais nos próximos.

- Fazer menções ao primeiro livro, quem sabe...

Combinam (...) Elvira perambula entre as pernas dos adultos, puxando saias, trombando em todo mundo, até ser pega pela mãe, que a chama de “minha pequena assombração”. Alguns calafrios, sussurros estranhos, um perfume campestre bem sutil e inspirações inesperadas acompanham a menina...

- Ela vive em dois mundos, terei que ensinar a controlar isso e não comentar a respeito com qualquer um.

- Sinistro! Se ela já pudesse falar!

- Nem quero pensar nisso – responde, do fundo, o pai preocupado. Vocês duas sabem o que o mundo faz com pessoas fora dos padrões. Não quero sofrer antes da hora.

As irmãs sorriem. Se olham, dão tchau e rumam para o Corvair Monza branco 1967, abrem a capota e conversam pelo caminho sobre a nova inspiração. De quem é o carro? Das duas. Fora os maridos, elas dividem tudo (...) Vão decepcionar os fãs de filmes de espionagem, mostrando como realmente é a vida de um agente secreto em serviço, e como o serviço pode ser sonífero para quem o acompanha, por isso apelaram para o humor e as implicações históricas.

Pensam em abranger mais coisas, mas isso será no decorrer da novela, com calma, com algumas outras obras entre cada lançamento, para não se bitolarem nela. Vão ver suas pequenas e ganhar uns afagos da avó. Nancy é elogiosa com as meninas, mas se preocupa com a sensibilidade de Natasha (...) as pessoas não vão se importar em magoá-la, se estiverem armadas de suas certezas. Aconselha ensiná-las agora a lidar com o mundo insensível que habitam. As suas se olham, está na hora de colocar essas meninas no caratê. As levam para casa assim que terminam seu turno, iniciam de imediato os primeiros passos. A avó materna das meninas toma conhecimento...

- É o melhor que elas fazem. Quanto menos elas agirem como caça, menos serão vistas e tratadas assim.

- Eu ainda fico besta de saber disso, Patty. Uma menina tã linda, tão educada, tão fina...

- Para o mundo, Luppy, tudo isso são características de caça. Vai um conselho: ponha seus pequenos também para lutar. Uma menina albina não vai ser mais bem vista do que minha neta.

Enquanto o mundo desaba, eles tocam suas vidas como podem. E o mundo não deixa de bisbilhotar a vida alheia só porque está desabando. Aqueles anéis já tinham chamado atenção, agora o casal dividindo um sundae confirma as especulações, Giovanni Crepaldi e Sandra Monteiro estão noivos (...) Enya volta de um ensaio, vai ao marido e os dois são interceptados por paparazzi, o mesmo acontece com Enzo e Silvia, mas abusam e abordam também Karen e Claudett...

- Eu não entendi ainda o motivo dessa chatice toda. Me expliquem.

- Seu irmão vai se casar, ele tem praticamente a idade de suas filhas.

- Além de estar me chamando de velha, o que há de extraordinário nisso? Apesar das carinhas juvenis, eles são adultos.

- E as Lices, quando vão se casar? Nós nunca as vimos com ninguém!

- Glória a Deus por isso! Sinal de que elas ainda conseguem alguma privacidade neste mar de bisbilhoteiros desocupados!

As duas entram no De Soto e rumam para a academia, seguidas de perto por um enxame que sabe que não poderá entrar (...) E por falar em De Soto, É o carro que Patrícia achou a cara da afilhada, um Sedan De Luxe 1951 azul, aparentemente impecável, que está vistoriando agora, com a ajuda de seu pai, seu filho e sua neta. Havia um Sedan 1948, muito estiloso, mas seu aspecto é muito pesado para o gosto de Carly. Aprovam, esperam que ela aprove...

- WEEEEEEEEEEEEEEE!

Ela aprovou. Entra e sai por todas as portas, abre o capô, vasculha o porta-malas, se vê nas calotas e faz o cheque para o vendedor. De blusa branca e saia marrom mescla, chama Phoebe e vai buscar os outros comparsas para a estréia de sua novidade antiga. Pelo smartphone ela toca algo de The Postmodern Jukebox (...) voltam à Máquina de Costura com uma sugestão, fazer shows conjuntos e, quem sabe, até um álbum com bandas e cantores retrô que pipocam pelo mundo. Patrícia convoca os comparsas, a casa é preenchida com “woohoooo” e se põe a planeja (...) com a leveza dos primeiros dias da carreira.

Praticamente todos aceitam de imediato, alguns precisam jogar água fria na fronte para acreditar, outros acordar do desmaio (...) alguns de big bands que resgataram a boa tradição da música americana. Irônico isso ter começado na Holanda. Vêem os melhores lugares para os vinte e poucos shows que isso vai render. Discutem tudo lá mesmo e mandam os resultados para Melinda se virar (...) E a imprensa divulga, nem esperam o Cibertrain Actualizar a agenda, o que gera alguns foras e obriga a editar várias chamadas.

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Com a experiência acumulada, o website das irmãs Petty Prado divulga o início da novela, e lançamento do primeiro de doze livros. As livrarias já começam a receber suas encomendas (...) Tudo corre bem, os fóruns de literatura prosperam com especulações sobre o tema da novela e os motivos de ela ser tão longa. As duas são seguidas por paparazzi, que descobrem que cérebro tem um público cativo, mas no caso a photo vende também para os amantes de fofocas e beleza feminina.

A primeira e obscura big band chega a Sunshadow, sugestão de Bart, para conhecer ao vivo os ídolos com que dividirão um palco. Aproveitam para a noite de autógraphos de “The Spy Novel” (...) Mil teorias conspiratórias nascem e florescem, grupos de leigos e especialistas em filmes de espionagem se reúnem para debater o conteúdo, que nem conhecem ainda. Mas babam assim que começam e vêem a quantidade de referências históricas e citações notórias dos membros da Dead Train, fundadores e auxiliares, e algumas de seus avós que só agora o grande público conhece. George Gran Ville, pseudônimo desconhecido de sua amada bisavó, torna-se personagem dos dois primeiros livros.

Quando elas aparecem no hall do shopping (...) é como se fossem duas estrelas de televisão iniciando o novo episódio. Pelas roupas, uma sitcom dos anos sessenta. E é claro que a Dead Train está lá, para prestigiar e providenciar a música ao vivo. Alguns figurões do governo ficam de cabelos em pé logo no primeiro capítulo, percebem que a organização deu uma aula de conspiração e espionagem para as duas (...) por isso mesmo...

- É uma ordem! Vocês todos vão ler esses livros e procurar os sinais secretos que eles certamente colocaram neles! Não desprezem uma vírgula estranha sequer!

E há mensagens ocultas, mas só os membros plenos da organização saberão reconhecer. O humor por vezes sutil, por vezes escrachado, faz o tema normalmente tenso ficar leve, a intenção delas é o cidadão perder o medo do mundo da espionagem (...) As ilustrações têm o estilo da época retratada, e será assim com todos os tomos. Os leitores mais rápidos postam suas resenhas no mesmo dia, inclusive alguns agentes secretos, do governo e da organização.

Evelyn ciceroneia a banda visitante, às vezes olhando mais interessadamente para um saxofonista de barba densa e muito bem feita. O rapaz, de colete dourado, gravata borboleta e mangas longas, é bastante interessado, mas para sua tristeza, é gay (...) Não é questão de envolvimento por impulso ou sem compromisso, para isso qualquer um deles serviria. Ele parece interessado em Elias, mas sabe que é hétero e casado. A maestrina brilhante é uma pessoa quase apagada, atida à vida doméstica e assuntos de família, ele é baladeiro e tem horror a quatro paredes, mas fica intrigado com a dupla personalidade da moça (...) tinha outra imagem dela.

O penteado simples ao extremo, a blusa de tricô com uma tulipa no peito, a saia plissada azul, as sapatilhas pretas sem absolutamente nada, a maquiagem que faz lembrar sua mãe em visita de família, os gestos mínimos e o tom de voz baixo. Pergunta-se se ela existe fora do palco, se hiberna, anda no piloto automático na vida civil ou simplesmente faz gênero para surpreender a quem interessa (...) A curiosidade o impele...

- Legal a sua mãe ter te respeitado, quando você não sabia que era esse monstro da batuta. Conheço artista que força os filhos e ainda belisca, para sorrirem em público.

Fica tímida, rubra e sem conseguir soltar mais do que “Minha mãe é incrível”. Rebeca e Ronald confirmam, a filha é de uma timidez extraordinária, especialmente quando há gente de fora por perto (...) Outro detalhe: ela só bebe em casa, então não adianta oferecer algo para relaxar...

- Neste mundo de hoje, como ela convive com as pessoas?

- Só em Sunshadow ou entre amigos. Temos um casal amigo em Dallas, na propriedade deles ela fica à vontade, mas se retrai quando um desconhecido aparece – diz Ronald.

- Tão gatinha... Se eu fosse hétero... Posso tentar ajudar?

- Vá em frente – autoriza Rebeca.

Vai contar uma pequena e inofensiva mentira para ver se consegue. Diz ao ouvido que o batom está um pouco borrado, depois de ter tomado tanta limonada, mas por sorte ele sempre traz um ou dois para ajudar amigas (...) Ela escolhe um vermelho intenso aveludado, que é o menos sexy, vai ao toilette e volta com o rosto todo iluminado por aqueles lábios flamejantes. Aquela moça quase invisível torna-se chamativa por causa de um simples batom. Ela não se solta mais por ser o centro das atenções, na verdade fica mais tempo perto dos pais, até os irmãos a tirarem e levarem para o meio da muvuca.

Marie coloca um rockabilly original na jukebox e Jean Pierre cuida de embalar a irmã (...) Ela pega no tranco e só acorda na manhã seguinte, com os pais comentando à mesa...

- Eu???

- Espere até ver o vídeo!

- Filmaram???

- Claro que filmaram, tinha mais paparazzi lá do que na noite do Oscar!

Ela se encolhe. Se encolhe ainda mais quando o pai lhe mostra o que já circula pela internet, e o apelido “Rockabevelyn” já pegou. Ela sai para o trabalho normal na orquestra, nota olhares (...) e percebe que está sendo seguida. Corre e entra na Caixinha de Música...

- Olá, roqueira! Bom dia! A que devo essa visita tão assustada?

- Estão me seguindo!

Marcia vai à janela e vê paparazzi em frente. Nada de anormal, se sua vítima preferida não estivesse em Detroit. Depois da exibição de dança de ontem, esperava que estivesse mais solta...

- São só paparazzi. Chute os bagos de um e os outros mantém distância.

- Eles nunca me seguiram antes!

- O mesmo mal da Steph... Vem comigo, eu te acompanho. Spark, guarde a casa!

A acompanha mostrando como agir. Nunca agir como caça é a primeira lição, o que inclui não dar satisfações (...) Happy Moon está esperando por sua maestrina maior, imagina o motivo de ter chegado com menos de uma hora adiantada...

- Estava bom demais para ser verdade... Ouça, Sea Turtle, vamos ter que radicalizar com você. Se abrir só quando mergulha no oceano da orquestra, não vai te dar a vida que eu sei que você quer; Já perdeu dois namorados por causa disso, lembra-se? Vá se preparar, depois conversamos... O que conversou com ela?

- Dei um guia de sobrevivência para o mundo real, que no caso dela é o mundo das celebridades de primeira grandeza. Ela tá ruim, Moon!

- Eu sei... Ela não se adaptou à vida sem privacidade do século XXI. Depois vou falar com os seis e ver o que fazemos por ela, mas terá que ser drástico desta vez. Você, sua mãe e sua tia fiquem de prontidão, ela vai precisar.

Vai falar com a mãe (...) Dizer que está pior do que pensava, é chover no molhado, o caso recalcitrante de timidez aguda não seria tão problemático se ela não quisesse uma vida normal (...) Agradece e pede que pense am algo, até ela sair da reunião e ir buscar Eddie. Conta aos amigos a respeito...

- Então era ela a vítima dessas piranhas de tabloides?

- Vocês precisavam ver ela se encolhendo toda, enquanto via um vídeo que postaram da performance de ontem.

- O que sobrou em você, faltou nela, Mascote.

- Então a gente vai ter que fabricar um pouco, porque desse jeito ela não pode ficar.

- Podemos combinar com os rapazes, já que com rock anos cinqüenta ela se soltou tanto...

Falam com eles. Decidem ensaiar com a orquestra (...) Hoje os seis vão ensaiar de frente para a orquestra, para verem o resultado na maestrina. Ela está tímida, ainda mais com a presença do cavalheiro que não gosta da fruta, tenta se concentrar na regência para se distrair do mundo.

Combinam a canção, afinam vozes e instrumentos, a orquestra sob a supervisão rigorosa de Evelyn, sincronizam e o rockabilly começa. A transformação é espantosa (...) brilha forte e rouba o espetáculo privativo. Happy Moon observa. Assim que têm uma pausa, ela entra em cena, empunha uma batuta e manda Evelyn para a pista de dança...

- Você. Dance com ela.

Sem meias palavras. O rapaz obedece como se a ordem fosse de sua mãe. Os olhos dela brilham, quase fica com medo. Lidia é enérgica em sua regência (...) vê o casal se acabando na dança, então não faz a mínima questão de interromper a execução. Os pais da roqueira enclausurada aplaudem, incentivam e a filha só sente cansaço e dor quando para (...) só gente próxima viu o espetáculo, ele não vai alimentar mais comentaristas bobos. Renata agradece pela ajuda...

- Por nada. Só cuidem para ela não se recolher na carapaça de novo.

Farão. Orquestra dispensada por hoje, vão à Máquina de Costura, comemorar o feito. De quebra já sabem o que tocar em New Orleans, no dia do show conjunto.

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