Rockabevelyn. A estação 176 tira o véu da invisibilidade que cobria a jovem fidalga. Todos a bordo, o trem vai partir.
A neve finalmente começa a derreter de
verdade (...) Beef acompanha a dona até a Máquina de Costura, onde pega as
bisnetas e trisnetas, e leva para a fundação. O gato fica por lá mesmo. A
altivez da matriarca ainda impressiona, ela demonstra vigor e curiosidade pelo
mundo. As marcas da idade não a incomodam, incomodam aos vigilantes da vida
alheia, mas sabe mandar alguém se ferrar apenas olhando. Entrega as pequenas às
suas professoras e vai ver como sua neta está lidando com a filha aluna...
- Ela é muito manhosa.
- Como sua mãe. Fora isso, algum problema?
- Não, às vezes eu gosto dessa manha... Mas
ela precisa aprender a ficar sem mim.
- Ela vai aprender. Vamos?
Deixam Caroline com as cuidadoras e vão
cuidar de seus alunos. Alguns novatos começam hoje, dois deles são de outras
cidades (...) precisarão de
mais atenção. O desespero da mãe as comoveu, “Eu pensava que estivessem
aprendendo alguma coisa, mas estavam só seguindo um protocolo para passar de
ano” (...) Há iniciativas pelo país, mas são muito pontuais e
as escolas normais parecem ter medo de aplicar as soluções encontradas. Sempre
pensa “Não somos só nós, o mundo inteiro está desabando”, que não consola, mas
evita que odeie o próprio país. Vê a primogênita chegar com um sorriso largo,
passos leves e um envelope nas mãos.
Veio entregar pessoalmente o convite para a
noite de autógraphos de suas meninas. Elas já entregaram o primeiro livro da
série para Glenda...
- Convertendo pro formato, dá trezentos e
quinze páginas, sem as ilustrações, com elas são trezentos e quarenta.
- Menos do que a gente pensava. Vamos
detalhar mais nos próximos.
- Fazer menções ao primeiro livro, quem
sabe...
Combinam (...) Elvira perambula entre as pernas dos adultos, puxando saias,
trombando em todo mundo, até ser pega pela mãe, que a chama de “minha pequena
assombração”. Alguns calafrios, sussurros estranhos, um perfume campestre bem
sutil e inspirações inesperadas acompanham a menina...
- Ela vive em dois mundos, terei que ensinar
a controlar isso e não comentar a respeito com qualquer um.
- Sinistro! Se ela já pudesse falar!
- Nem quero pensar nisso – responde, do
fundo, o pai preocupado. Vocês duas sabem o que o mundo faz com pessoas fora
dos padrões. Não quero sofrer antes da hora.
As irmãs sorriem. Se olham, dão tchau e rumam
para o Corvair Monza branco 1967, abrem a capota e conversam pelo caminho sobre
a nova inspiração. De quem é o carro? Das duas. Fora os maridos, elas dividem
tudo (...) Vão decepcionar os fãs de filmes de espionagem, mostrando como realmente é a
vida de um agente secreto em serviço, e como o serviço pode ser sonífero para
quem o acompanha, por isso apelaram para o humor e as implicações históricas.
Pensam em abranger mais coisas, mas isso será
no decorrer da novela, com calma, com algumas outras obras entre cada
lançamento, para não se bitolarem nela. Vão ver suas pequenas e ganhar uns
afagos da avó. Nancy é elogiosa com as meninas, mas se preocupa com a
sensibilidade de Natasha (...) as
pessoas não vão se importar em magoá-la, se estiverem armadas de suas certezas.
Aconselha ensiná-las agora a lidar com o mundo insensível que habitam. As suas
se olham, está na hora de colocar essas meninas no caratê. As levam para casa
assim que terminam seu turno, iniciam de imediato os primeiros passos. A avó
materna das meninas toma conhecimento...
- É o melhor que elas fazem. Quanto menos
elas agirem como caça, menos serão vistas e tratadas assim.
- Eu ainda fico besta de saber disso, Patty.
Uma menina tã linda, tão educada, tão fina...
- Para o mundo, Luppy, tudo isso são
características de caça. Vai um conselho: ponha seus pequenos também para
lutar. Uma menina albina não vai ser mais bem vista do que minha neta.
Enquanto o mundo desaba, eles tocam suas
vidas como podem. E o mundo não deixa de bisbilhotar a vida alheia só porque
está desabando. Aqueles anéis já tinham chamado atenção, agora o casal
dividindo um sundae confirma as especulações, Giovanni Crepaldi e Sandra Monteiro
estão noivos (...) Enya volta de um ensaio, vai ao marido e
os dois são interceptados por paparazzi, o mesmo acontece com Enzo e Silvia,
mas abusam e abordam também Karen e Claudett...
- Eu não entendi ainda o motivo dessa chatice
toda. Me expliquem.
- Seu irmão vai se casar, ele tem praticamente
a idade de suas filhas.
- Além de estar me chamando de velha, o que
há de extraordinário nisso? Apesar das carinhas juvenis, eles são adultos.
- E as Lices, quando vão se casar? Nós nunca
as vimos com ninguém!
- Glória a Deus por isso! Sinal de que elas
ainda conseguem alguma privacidade neste mar de bisbilhoteiros desocupados!
As duas entram no De Soto e rumam para a
academia, seguidas de perto por um enxame que sabe que não poderá entrar (...) E por falar em De Soto, É o carro
que Patrícia achou a cara da afilhada, um Sedan De Luxe 1951 azul,
aparentemente impecável, que está vistoriando agora, com a ajuda de seu pai,
seu filho e sua neta. Havia um Sedan 1948, muito estiloso, mas seu aspecto é
muito pesado para o gosto de Carly. Aprovam, esperam que ela aprove...
- WEEEEEEEEEEEEEEE!
Ela aprovou. Entra e sai por todas as portas,
abre o capô, vasculha o porta-malas, se vê nas calotas e faz o cheque para o
vendedor. De blusa branca e saia marrom mescla, chama Phoebe e vai buscar os
outros comparsas para a estréia de sua novidade antiga. Pelo smartphone ela
toca algo de The Postmodern Jukebox (...) voltam à Máquina de Costura com uma sugestão, fazer shows conjuntos e,
quem sabe, até um álbum com bandas e cantores retrô que pipocam pelo mundo.
Patrícia convoca os comparsas, a casa é preenchida com “woohoooo” e se põe a
planeja (...) com a leveza dos primeiros dias da
carreira.
Praticamente todos aceitam de imediato,
alguns precisam jogar água fria na fronte para acreditar, outros acordar do
desmaio (...) alguns
de big bands que resgataram a boa tradição da música americana. Irônico isso
ter começado na Holanda. Vêem os melhores lugares para os vinte e poucos shows
que isso vai render. Discutem tudo lá mesmo e mandam os resultados para Melinda
se virar (...) E a imprensa
divulga, nem esperam o Cibertrain Actualizar a agenda, o que gera alguns foras
e obriga a editar várias chamadas.
&
Com a experiência acumulada, o website das
irmãs Petty Prado divulga o início da novela, e lançamento do primeiro de doze
livros. As livrarias já começam a receber suas encomendas (...) Tudo corre bem, os fóruns de
literatura prosperam com especulações sobre o tema da novela e os motivos de
ela ser tão longa. As duas são seguidas por paparazzi, que descobrem que
cérebro tem um público cativo, mas no caso a photo vende também para os amantes
de fofocas e beleza feminina.
A primeira e obscura big band chega a
Sunshadow, sugestão de Bart, para conhecer ao vivo os ídolos com que dividirão
um palco. Aproveitam para a noite de autógraphos de “The Spy Novel” (...) Mil teorias conspiratórias
nascem e florescem, grupos de leigos e especialistas em filmes de espionagem se
reúnem para debater o conteúdo, que nem conhecem ainda. Mas babam assim que
começam e vêem a quantidade de referências históricas e citações notórias dos
membros da Dead Train, fundadores e auxiliares, e algumas de seus avós que só
agora o grande público conhece. George Gran Ville, pseudônimo desconhecido de
sua amada bisavó, torna-se personagem dos dois primeiros livros.
Quando elas aparecem no hall do shopping (...) é como se fossem duas estrelas de televisão
iniciando o novo episódio. Pelas roupas, uma sitcom dos anos sessenta. E é
claro que a Dead Train está lá, para prestigiar e providenciar a música ao
vivo. Alguns figurões do governo ficam de cabelos em pé logo no primeiro
capítulo, percebem que a organização deu uma aula de conspiração e espionagem
para as duas (...) por isso mesmo...
- É uma ordem! Vocês todos vão ler esses
livros e procurar os sinais secretos que eles certamente colocaram neles! Não
desprezem uma vírgula estranha sequer!
E há mensagens ocultas, mas só os membros
plenos da organização saberão reconhecer. O humor por vezes sutil, por vezes
escrachado, faz o tema normalmente tenso ficar leve, a intenção delas é o
cidadão perder o medo do mundo da espionagem (...) As ilustrações têm o estilo da época retratada, e será assim com
todos os tomos. Os leitores mais rápidos postam suas resenhas no mesmo dia,
inclusive alguns agentes secretos, do governo e da organização.
Evelyn ciceroneia a banda visitante, às vezes
olhando mais interessadamente para um saxofonista de barba densa e muito bem
feita. O rapaz, de colete dourado, gravata borboleta e mangas longas, é
bastante interessado, mas para sua tristeza, é gay (...) Não é questão de envolvimento por impulso ou sem compromisso, para
isso qualquer um deles serviria. Ele parece interessado em Elias, mas sabe que
é hétero e casado. A maestrina brilhante é uma pessoa quase apagada, atida à
vida doméstica e assuntos de família, ele é baladeiro e tem horror a quatro
paredes, mas fica intrigado com a dupla personalidade da moça (...) tinha outra imagem dela.
O penteado simples ao extremo, a blusa de
tricô com uma tulipa no peito, a saia plissada azul, as sapatilhas pretas sem
absolutamente nada, a maquiagem que faz lembrar sua mãe em visita de família,
os gestos mínimos e o tom de voz baixo. Pergunta-se se ela existe fora do
palco, se hiberna, anda no piloto automático na vida civil ou simplesmente faz
gênero para surpreender a quem interessa (...) A
curiosidade o impele...
- Legal a sua mãe ter te respeitado, quando
você não sabia que era esse monstro da batuta. Conheço artista que força os
filhos e ainda belisca, para sorrirem em público.
Fica tímida, rubra e sem conseguir soltar
mais do que “Minha mãe é incrível”. Rebeca e Ronald confirmam, a filha é de uma
timidez extraordinária, especialmente quando há gente de fora por perto (...) Outro
detalhe: ela só bebe em casa, então não adianta oferecer algo para relaxar...
- Neste mundo de hoje, como ela convive com
as pessoas?
- Só em Sunshadow ou entre amigos. Temos um
casal amigo em Dallas, na propriedade deles ela fica à vontade, mas se retrai
quando um desconhecido aparece – diz Ronald.
- Tão gatinha... Se eu fosse hétero... Posso
tentar ajudar?
- Vá em frente – autoriza Rebeca.
Vai contar uma pequena e inofensiva mentira
para ver se consegue. Diz ao ouvido que o batom está um pouco borrado, depois
de ter tomado tanta limonada, mas por sorte ele sempre traz um ou dois para
ajudar amigas (...) Ela escolhe um vermelho
intenso aveludado, que é o menos sexy, vai ao toilette e volta com o rosto todo
iluminado por aqueles lábios flamejantes. Aquela moça quase invisível torna-se
chamativa por causa de um simples batom. Ela não se solta mais por ser o centro
das atenções, na verdade fica mais tempo perto dos pais, até os irmãos a
tirarem e levarem para o meio da muvuca.
Marie coloca um rockabilly original na
jukebox e Jean Pierre cuida de embalar a irmã (...) Ela pega no tranco e só acorda na manhã seguinte, com
os pais comentando à mesa...
- Eu???
- Espere até ver o vídeo!
- Filmaram???
- Claro que filmaram, tinha mais paparazzi lá
do que na noite do Oscar!
Ela se encolhe. Se encolhe ainda mais quando
o pai lhe mostra o que já circula pela internet, e o apelido “Rockabevelyn” já
pegou. Ela sai para o trabalho normal na orquestra, nota olhares (...) e percebe que está sendo seguida. Corre e
entra na Caixinha de Música...
- Olá, roqueira! Bom dia! A que devo essa
visita tão assustada?
- Estão me seguindo!
Marcia vai à janela e vê paparazzi em frente.
Nada de anormal, se sua vítima preferida não estivesse em Detroit. Depois da
exibição de dança de ontem, esperava que estivesse mais solta...
- São só paparazzi. Chute os bagos de um e os
outros mantém distância.
- Eles nunca me seguiram antes!
- O mesmo mal da Steph... Vem comigo, eu te
acompanho. Spark, guarde a casa!
A acompanha mostrando como agir. Nunca agir
como caça é a primeira lição, o que inclui não dar satisfações (...) Happy Moon está esperando por sua maestrina
maior, imagina o motivo de ter chegado com menos de uma hora adiantada...
- Estava bom demais para ser verdade... Ouça,
Sea Turtle, vamos ter que radicalizar com você. Se abrir só quando mergulha no
oceano da orquestra, não vai te dar a vida que eu sei que você quer; Já perdeu
dois namorados por causa disso, lembra-se? Vá se preparar, depois
conversamos... O que conversou com ela?
- Dei um guia de sobrevivência para o mundo
real, que no caso dela é o mundo das celebridades de primeira grandeza. Ela tá
ruim, Moon!
- Eu sei... Ela não se adaptou à vida sem
privacidade do século XXI. Depois vou falar com os seis e ver o que fazemos por
ela, mas terá que ser drástico desta vez. Você, sua mãe e sua tia fiquem de
prontidão, ela vai precisar.
Vai falar com a mãe (...) Dizer que está pior do que pensava, é chover
no molhado, o caso recalcitrante de timidez aguda não seria tão problemático se
ela não quisesse uma vida normal (...) Agradece e pede que pense am algo, até ela sair da reunião e ir
buscar Eddie. Conta aos amigos a respeito...
- Então era ela a vítima dessas piranhas de
tabloides?
- Vocês precisavam ver ela se encolhendo
toda, enquanto via um vídeo que postaram da performance de ontem.
- O que sobrou em você, faltou nela, Mascote.
- Então a gente vai ter que fabricar um
pouco, porque desse jeito ela não pode ficar.
- Podemos combinar com os rapazes, já que com
rock anos cinqüenta ela se soltou tanto...
Falam com eles. Decidem ensaiar com a
orquestra (...) Hoje os seis
vão ensaiar de frente para a orquestra, para verem o resultado na maestrina. Ela
está tímida, ainda mais com a presença do cavalheiro que não gosta da fruta,
tenta se concentrar na regência para se distrair do mundo.
Combinam a canção, afinam vozes e
instrumentos, a orquestra sob a supervisão rigorosa de Evelyn, sincronizam e o
rockabilly começa. A transformação é espantosa (...) brilha forte e rouba o espetáculo privativo. Happy Moon
observa. Assim que têm uma pausa, ela entra em cena, empunha uma batuta e manda
Evelyn para a pista de dança...
- Você. Dance com ela.
Sem meias palavras. O rapaz obedece como se a
ordem fosse de sua mãe. Os olhos dela brilham, quase fica com medo. Lidia é
enérgica em sua regência (...) vê o casal se acabando na dança, então não faz a mínima questão de
interromper a execução. Os pais da roqueira enclausurada aplaudem, incentivam e
a filha só sente cansaço e dor quando para (...) só gente próxima viu o espetáculo, ele não vai alimentar mais
comentaristas bobos. Renata agradece pela ajuda...
- Por nada. Só cuidem para ela não se
recolher na carapaça de novo.
Farão. Orquestra dispensada por hoje, vão à
Máquina de Costura, comemorar o feito. De quebra já sabem o que tocar em New
Orleans, no dia do show conjunto.
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