Começo e um recomeço. A estação 183 traz dois dramas de matizes opostas, como os com que a vida real costuma nos pregar peças. Leiam com atenção e embarquem, o trem vai partir.
- Sandra, é a tia. Tá bem, filha? Tem uns
negócios acontecendo aqui, apareceu um casal dizendo que são seus pais, e uma funcionária
antiga da creche falou que são mesmo.
A moça tem um baque. Aquilo era a última
coisa que esperava ouvir na vida (...) já é
adulta, então talvez queiram ajuda financeira. Pede à tia que não comente com
seu pai, vai falar com a madrinha. A cara de contrariedade é nítida. Vai da
BYOP à Máquina de Costura a passos largos, de camisa psicodélica e espessa
malha preta. Patrícia está com Arthur, vendo um vídeo estranho para a coleção
de maluquices da cidade, que Lady Spy trouxe de sua ronda (...) Vê
Sandra e sua expessão severa (...) Luppy vai ver o motivo do silêncio súbito e volta para a área de serviço,
não quer receber estilhaços. Pede para falar em particular com eles, na
biblioteca. Ela é concisa...
- Não terem ido logo à televisão me soa
estranho, seria mais fácil te localizar.
- Também estranhei. Eles sumiram, mas
disseram que voltariam. Por que, depois de tantos anos?
- Eu poderia dizer que é por dinheiro, mas
seria leviana se dissesse.
- Kalango ainda opera em Goiânia, podemos
pedir que ele investigue.
Fazem. Enquanto isso, Elias não precisa
saber. A investigação é rápida, não há qualquer problema sofisticado no caso.
Moram na região noroeste, a mais violenta da cidade, em uma casa simples, têm
um Chevette Hatch 1984 com motor de Monza 1.8 a álcool, e os proventos de uma
pastelaria itinerante (...) A princípio gente
honesta, apenas padece da escassez cultural típica. Enquanto Klauss se
estabelece e conversa com outros jornalistas na cidade, Sandra conversa com
Carly sobre seu drama...
- Meu pai! O que me preocupa é meu pai! Eu
era um protótipo de monstro e ele me impôs limites; me educou, me protegeu, me
amou tanto que eu não consegui mais ver ninguém fazendo o mesmo! Se ele chorou
tanto quando Kurt foi embora, imagina isso.
- Poutz! Meu, você tá numa enrascada! Mas
vamos por partes, o que eles querem, exactamente?
- Então, é esse o problema... A gente não
sabe. Sabemos tudo a respeito deles, exceto o que se passa em suas cabeças...
Tenho mais três irmãos... Todos sumiram no mundo e nunca mais deram notícias...
Oh...
- Aha! Pode ser isso! Será que não foram
rejeitados pelos outros porque são humildes e tudo mais? A mídia tem medo de
você, mas fala muito bem, eles podem ter esperanças que você seja diferente dos
outros.
- Sacanagem não, cara! Sacanagem não! Valeu
pela luz, vou cuidar disso agora!
Aventa a hipótese com Patrícia. Roberto
“Kalango” Madeira tem um alvo e acerta em cheio. O casal (...) incidiu nos erros que praticamente todos incidem, os mesmos
que Sunshadow há décadas evita. Agora ela conta com a sabedoria da madrinha
para saber o que fazer, porque está confusa. Quer ajudar, mas não quer
atropelar o andamento das coisas...
- Eu até tenho idéias do que fazer, mas vou
falar com mamãe. Vem comigo.
Klauss flagra as duas indo à casa de solteira
de Patrícia e manda para a revista seu primeiro resultado. Elas são acolhidas
pela matriarca com o amor e os cuidados costumeiros...
- Deixem que eu conto ao seu pai. Você se
sente obrigada a ajudar?
- Não, obrigada não. O que me deixa puta é a
covardia dos outros com eles.
- Você pode ajudar, mas precisa saber como e
não alimentar muitas esperanças, ao menos não por agora. Você tem uma vida
aqui!
- Tô me lembrando do meu pai com os dele...
Apesar de tudo, ele dá tudo pra eles viverem bem... Acho que posso fazer o
mesmo... Chevette com motor de Monza deve andar legal, mas deve estar cheio de
gambiarras!
E eles se preparam para mais uma jornada de
trabalho. Os tios de Elias estão na Feira da Lua, torcendo para eles
aparecerem. Lá vem aquele Chevette branco, com tantas manchas de massa plástica
que mais parece um dálmata motorizado. Estacionam e finalmente o farol esquerdo
pifa (...) Eles se aproximam. A mulher pede que esperem um pouco, que os
pastéis já saem. Vão dois de queijo com bacalhau e uma coca cola. Conversam com
eles (...) enquanto atendem
outros poulares. A falta de cultura é evidente, terminaram o antigo segundo
grau na marra (...) A conversa foi
transmitida, discretamente pelo smartphone, para Sunshadow. Eles se afastam
para perto de uma viatura policial, por questões de segurança...
- Ouviu?
- Ouvi, tia... Eles têm muita mágoa entalada
na garganta, deu pra perceber. Como eles estão?
- Bem... Meio acabados pra idade, falta de
cuidados, mas aparentemente bem.
- Tá... Queria passar uma grana boa para sua
conta, mas a receita federal ia comer vocês, então vou pagar daqui mesmo as
contas de água, luz e telephone deles. Já vai aliviar.
- A gente conta?
- Podem contar.
Feira quase terminando na madrugada que se
anuncia. Não é seguro voltar para casa muito tarde, então serão directos...
- Moema, me fala uma coisa... vocês têm uma
quarta filha, não têm?
- Vocês deixaram ela no orfanato, não é?
- Como ceis sabe disso?
- Vocês é da creche?
- Somos tios do Elias. A Sandra já sabe de
vocês e mandou um recado. Ela vem em Junho com a banda, para shows no Rio e em
Curitiba, mas vai dar um jeito e aparece por aqui.
- Ela é moça boa, foi bem educada, não vai
abandonar vocês. Aqui estão as contas pagas por ela.
A felicidade é tamanha, que o farol do
Chevette volta a funcionar. Felicidade que não aparece no rosto de Elias. Enya
o acolhe, ele fica com o chão instável. Sandra volta com Giovanni (...) vê Nancy e deduz o que está estampado na cara do
pai. O abraço é longo. Ela faz questão de deixar claro quem realmente é seu
pai, nessa história. Norma novamente fica encantada com o amor que ele dedica
aos filhos (...) No dia seguinte, ela assume os negócios e o deixa em casa, não
está em condições de chutar traseiros sem conter excessos de chutes.
Moema e Valdomiro acordam cedo para mais um
dia de trabalho, felizes (...) Estão indo para o
próximo ponto, quando um Mercedes-Benz 914 azul para diante da casa e
descarrega três toneladas de material de alta qualidade, para fazerem seus
pastéis. Eles não têm dúvida de quem providenciou aquilo. No momento ela mostra
que teria sido melhor os picaretas terem aceitado a primeira proposta de Elias (...) porque agora têm que negociar com Sandra
Pancada. Traseiros chutados, ela vê a quantas anda o projecto da loja. Quer que
a Vintage Way of Life já tenha uma filial, quando se casar.
&
Um intervalo para a música. O ensaio de
rotina com a orquestra inclui músicas tradicionais do cancioneiro brasileiro (...) Vão agora conversar sobre o que cantarão nos shows,
lembrando a todos que Sandra tem um compromisso em Goiânia e não querem que vá
só (...) Saem da orquestra cercados de
paparazzi, como sempre, mas Carly reconhece de pronto um deles...
- Ora, ora, ora! Vejam quem deu as caras!
Ele é cercado de sorrisos maliciosos e
piadinhas matrimoniais. Patrícia já avisa que é madrinha da donzela e terá que
se reportar a si (...) Jack chama Matthew, quer
ver o que vai dar a conversa com quem já passou pela experiência...
- Meu amigo, você ainda é jovem, tem um mundo
inteiro pela frente. Por que quer se meter nessa encrenca tão cedo?
- Bem, eu... Na verdade... Não adiantou eu
disfarçar?
- Não conseguiu. Tá na cara! Vem comigo vou
enumerar os problemas que você vai levar no pacote.
Começa pela inveja na redação, o assédio dos
colegas e a vulnerabilidade da figura da cônjugue. Antes que o alemão negue,
Matthew segura seu queixo e olha bem nas pupilas dele (...) Carly é uma garota encantadora, depois que descobriu o seu
estilo ficou fácil se apaixonar por ela. O novaiorquino aconselha a se reportar
o quanto antes aos pais da moça e se deixar à disposição. Enquanto ele
aconselha, Josephine toma conhecimento desse flerte e ordena...
- Tragam-no a mim, se possível agora.
O renano é levado ao ERJ 190 de Matthew e vai
com ele a Los Angeles (...) chega a pensar que
é um seqüestro. Um Chrysler 300 bege igual ao de Enzo os espera (...) Chegam, os portões se abrem e o coração dispara. Ao lado do velho
herói de guerra, lá está ela, a diva de bilhões, a musa de gerações, o ícone
hollywoodiano de uma era que ainda sustenta o cinema, aquela que silencia
qualquer ambiente em que entra, a indescritível...
- Jose De Lane!
- Jose, Klauss Von Bismark.
- Bievenue, monsieur Bismark. Vamos entrar,
aqui estamos acessíveis a lentes indiscretas.
Ele sente isso como uma indirecta, mas não
foi. O calor californiano ajuda a disfarçar o desconforto do suor frio, mas só
até entrarem na residência (...) Entrevistar
aquela mulher seria o ápce de sua carreira, mas percebe que é ela a
entrevistadora aqui. O decorrer da conversa o deixa mais calmo (...) Quando ele se sente minimamente seguro, ela dá o bote...
- Por que o interesse por uma garota que o
senhor, na prática, não conhece?
Fim do conforto (...) Ele busca palavras adequadas, fala do porte, da
postura, do modo como ela interage com os amigos. Consegue ser convincente, mas
não o bastante...
- Tudo o que disse é verdade, mas não basta
para iniciar e tampouco manter um relacionamento sólido. O senhor está se
baseando em expectativas, elas são traiçoeiras. Matthew precisou esperar alguns
anos até poder ter um namoro adulto, se é que me entende...
A fala mansa, calma e compassada não esconde
o tom de autoridade. Os quase dez anos de diferença (...) podem dificultar até mesmo conversas cotidianas. Ela conhece seu histórico,
poderia esfrega-lo na cara dele, se tivesse mentido uma só vez (...) passa a impressão de que ele não
estaria disposto a corresponder à confiança da moça. Ela deixa claro o que ele
pode conseguir se corresponder ao que pleiteia, mas deixando claro que o
inferno seria uma casa de repouso, perto do que uma traição lhe causaria...
- Eu só peço três coisas, monsieur: Sigilo, responsabilidade
e lealdade. Está entrando terreno minado, qualquer vacilo e Carly será exposta
a gente que não se importa nem um pouco com a carreira dela, quanto mais com os
sentimentos.
Agora ele sente o peso do fardo. É
aconselhado a dar tempo para ver se é realmente isso o que quer (...) A conversa dura até o fim da tarde, quando Matthew
traz de volta um Klauss um pouco trêmulo, mas com material photographico que
vai justificar seus salários pelo resto do ano. A revista recebe imagens cada
vez mais raras de Jose De Lane, com “conheci as pessoas certas” como explicação (...) Agora ele vai falar com
os pais da moça, como lhe foi aconselhado.
Eles são taxativos, ela já é adulta, mas é jovem
e sua filha única. Não vão perdoar uma lágrima sequer. Ele sai para espairecer
e topa com ela, levando algumas crianças da fundação para passear (...) aquela é uma matéria excelente, mas teme ser visto como
aproveitador (...) Ela o vê, enquanto é
photographada, e joga os petizes em cima dele...
- E aí, falou com eles?
- Falei... Você é muito bem protegida!
- Um pouco demais, às vezes. Gosta de
criança? Porque eu gosto muito.
- Bem, se eu não gostasse teria me matado,
quando era uma.
- Ra, ra, ra, ra, ra, ra...
- Você costuma passear com crianças?
- Eu sei que você tá doido pra mandar isso
pra sua revista. Pode mandar, desde que me ajude com elas. Joan, tira o dedo do
nariz...
- Não posso enfiar o nariz no dedo.
- Ah, ah, ah, ah, ah, ah, ah...
- Mas menina! Hey, para de rir e vem
ajudar...
Ele ajuda e consegue a matéria. A revista
recebe material de um assunto que o Coast to Coast já tinha publicado há trinta
anos, mas agora é com a nova geração da banda.
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