sexta-feira, 22 de março de 2019

Dead Train in the rain CXCIV

    A americanização tem início. A estação 194 dá início à encrenca herdada por Patricia, mas pensam que ela se lamenta? Embarquem, o trem vai partir.

Ela entra majestosa dentro de um vestido caramelo com corte chinês, calando e fazendo babar mais de duas centenas de repórteres, paparazzi e blogueiros autorizados. Matthew, Klauss, Mikomi, Fester e Mary Ann estão na primeira fila (...) Logo atrás estão Arthur e Richard, eles foram com ela e terão que ajudar também a dar conta daqueles bisbilhoteiros. São seguidos dos companheiros de banda, todos eles. As marroquinas estão em seu novo lar, vendo tudo pela televisão, porque os patrocinadores não perderam a chance de bancar seus fofoqueiros preferidos, bem como alguns repórteres sérios de assuntos internacionais...
- Bom dia. Antes de mais nada, eu estou a par das notícias que circulam. Bem, é tudo verdade e, prevendo o que vão perguntar, Arthur ficou sim com ciúmes, mas ele é adulto e sabe se controlar.
- As moças que vieram com vocês, eram mesmo esposas e filhas dele?
- E agora são minhas afilhadas. Eu não poderia deixar elas lá, sozinhas e à própria sorte.
- Foi mesmo um caso de amor não correspondido, presumo.
- Sim, minha amiga, foi...
- Como o Estado marroquino vê essa adoção, por assim dizer?
- Eles respeitaram a vontade de Hassam. As coisas lá são mais simples de se resolver.
- Qual vai ser o destino delas?
- O que cada uma quiser. Mas todas manifestaram desejos matrimoniais.
- Com muçulmanos?
- Não disseram isso, mas pelo que me contaram, você também teria chances.
- Woohoo!
As onze também fazem a festa, acompanhadas de Luppy e Lady Spy (...) A entrevista dura a manhã inteira, todos fizeram ao menos uma pergunta cada um.
A volta para casa é um misto de alívio e dúvidas. Ela não sabe realmente o que fazer com elas, só tem uma possibilidade, que é educá-las e ajuda-las a arranjar casamento, mas maridos para mulheres assim são mais difíceis do que o foram para as mulheres cativas. As leva à tarde para conhecerem a fundação (...) são facilmente convencidas a ajudar voluntariamente, o que corroborará muito na adaptação à nova vida, além de aprenderem coisas novas todos os dias.
Entre protestos de apoio e de repúdio (...) elas se adaptam bem. Hassam aparentemente já tinha em mente justamente o que está acontecendo, é como se Patrícia tivesse sido sua esposa e hoje cuidasse das filhas e netas. Seis shows iniciam o ano musical da banda, nas duas Carolinas e no Mississipi. Três comboios de locomotivas chegam a Sunshadow no primeiro intervalo, quando Sandra e Giovanni anunciam oficialmente a data do casamento (...) A movimentação é intensa, dezenas dos maiores caminhões que a indústria americana pode oferecer, cada um com pelo menos seis apoiadores, além de motorista e auxiliar, fazem várias viagens para transportar parte da herança.
Três Bugatti Veyron, um McLaren F1, vinte Lotus de vários modelos, quinze Morgans, treze Alfa Romeo, doze Ferrari, oito Maserati, quatro Maybach, seis Rolls Royce, oito Bentley, dezessete Cadillac, quinze Mercedes-Benz, quinze BMW, doze Aston Martin, dez Jaguar, vinte Porsches, oito Healey... A lista e o desfile de máquinas dos sonhos não parecem ter fim, e isso só os de uso diário, feitos a partir dos anos quarenta (...) as verdadeiras raridades também seguem para o museu de Patrícia, à vista e apreciação pública. Precisou ampliar seu galpão para cima e para os lados, mesmo assim já tem engenheiros e arquitetos trabalhando na sede de seu próprio museu (...) Um concidadão se aproxima da amiga e diva, que mescla encanto com preocupação, monitorando a operação...
- Patty, esse Hassam era maluco? Deixar herança, tudo bem, mas isso...
- Não, ele sabia muito bem o que estava fazendo. Sabia e cultivou tudo por mais de quarenta anos até o que temos hoje. Aqueles caminhões com contêineres estão levando as jóias e obras de arte para o subterrâneo que aluguei, até o museu ficar pronto... E ainda tem umas roupas que ele mandou fazer, absurdamente luxuosas... Ele tinha minhas medidas, dá pra acreditar?
- Eu não duvido mais nem se encontrarem o primo do Nessie no Michigan Lake. Como foi que você se meteu nessa encrenca?
- Sei lá! Eu só queria ganhar a vida cantando neste mundão de meu Deus! Mas Ele tinha outros planos e eu não estava em condições de recusar. Suas meninas ainda estão procurando empregos de auditoria? Eu estou precisando.
- Elas já têm algumas propostas, mas não vão recusar a da madrinha.
Elas começam a trabalhar no mesmo dia, conferindo e dando fé no acervo que desembarca no museu e no depósito. As coisas começam a voltar devagar aos eixos (...) As marroquinas são integradas nos treinos matinais, querem que elas saibam se defender sem precisar de ajuda para qualquer emergência (...) Na data marcada chega Zigfrida com Ingrid, para avaliar melhor as onze. A sobrinha decidiu seguir a carreira de psiquiatria. A primeira avaliação é a da recepção, por agora não quer que saibam que é sua psicóloga.
Estão sendo mantidas ocupadas e estudando, é ponto pró. A movimentação natural da casa ajuda na sociabilização, mas a cultura em que cresceram é muito diferente da americana. Estarem em Sunshadow é um fator positivo nessa equação...
- So?
- Sabe que gostei delas? Você já conversou com elas sobre a relação com o Hassam?
- Temos conversado muito, mas no momento estou concentrada no futuro delas... Agora fiquei com medo, o que elas disseram?
- Aquele mascate fanfarrão as preparou a vida inteira para aquele dia, sabia?
- Oh, no...
- Ele dizia a elas que se um dia faltasse, você iria tomar conta delas, que seria mãe delas, ele as preparou desde que nasceram pra te respeitarem! Pra elas, você é a mãe adoptiva.
- E legalmente eu sou... Claro, ele simpatizava com Arthur e... Temos mais três filhas e oito netas incidentais! Sanaa, Suha, Amina! Tragam as meninas, mamãe que conversar com vocês.
As três (...) atendem como se fosse um toque de alvorada. Apresenta Zigfrida como sua psicóloga, amiga, confidente e pessoa da mais alta confiança. Pede que não se assustem com o linguajar, é sueca, ela não tem muitos pudores para falar de partes pudorosas, se achar necessário (...) O problema que Patrícia vê, e deixa claro, é que elas estão acostumadas a um padrão de vida muito alto, em uma cultura que gosta de ver as pessoas usufruindo de tudo o que têm. Embora possa oferecer confortavelmente esse padrão, Patrícia é muito mais comedida, na maioria das vezes é bastante frugal em seu cotidiano...
- O próprio jeito americano de se vestir no dia a dia é muito despojado, às vezes até demais para o meu gosto. Não quero mudar vocês, mas eu me acostumei a dar duro todos os dias e não ando arrumada todos os dias e o dia todo. Eu farei uma concessão, falarei com as irmãs, primas e a sobrinha de vocês, para que se produzam um pouco mais, mas vocês terão que aprender a andar mais como se estivessem no mundo e menos como se estivessem no céu. As roupas que Hassam me deixou eu raramente vou usar, aqui são para noites de gala e eventos muito especiais...
- Você pode usá-las em shows!
- Sim... Talvez, no fim do outono teremos os últimos e já fará bastante frio...
- Eu queria ver você vestida como uma rainha, nos shows.
- Essa carinha de súplica, Aisha, eu conheço de antes de sua mãe nascer, pequena chantagista. Elizabeth é bem pior do que você, amadora. Vovó promete que vai usar uma daquelas roupas, mas não será em qualquer lugar.
A adolescente recebe isso mais como uma vitória do que como uma reprimenda. Elizabeth toma conhecimento, chama Prudence e (...) Topam com Joephine e Nelson, ela (...) Ela entra luminosa e espalha seu vento estrelar na Máquina de Costura...
- Bonjour, chérrie! Vim reclamar minhas afilhadas.
Ela vai para o abraço antes que a histeria se instale, porque quando se instala precisa ser firme para conter a gritaria. Só que ela não fica brava com isso, só firme. Na verdade está adorando ter que controlar aquelas moças (...) Ela anuncia em tom solene “Parem com essa baderna, a madrinha de vocês está cansada” e as moças vão ao delírio. Estão recebendo mais do que Hassam lhes prometeu. Ele sabia que a amada superaria suas expectativas, ela sempre as superou, mesmo quando a morte parecia certa ela ressurgia impávida.
Arthur volta da Culture Train e vê a festa formada, vê que é tarde para evitar qualquer influência de Elizabeth nas novatas. Lady Spy observa tudo placidamente do alto da escadaria, achando tudo aquilo muito normal (...) À noite estão todos cansados. Sandra chega com Giovanni, trazendo (...) um panelão que tiram da Pontiac 1969. É uma receita de arroz-com-tudo que sacia e repõe as energias das marroquinas, e reconstrói os outros. Onze moças de nove a quarenta anos que parecem ter todas a idade da caçula, agora que estão sob a guarda de uma que, às vezes, parece ter mais de cem.
&
Amina conversa com amigos e parentes que deixou no Marrocos. Fala da vida mais austera e do voluntariado, mas também desmente algumas propagandas antiamericanas, diz que se pode conviver com eles em seu território e sob suas leis, só demanda uma adaptação de hábitos. Perguntada se “austera” seria o mesmo que privação...
- Não, de jeito nenhum! Mamãe está acostumada a dar duro, ela gosta dessa vida e as pessoas desta região parecem compartilhar disso :-). Na fundação eu compreendi essa philosophia de vida e vi que não precisamos parecer ricas o tempo todo, aqui não é necessário e pode ser visto como ostentação.
- Mas te proibiram ou te obrigaram a alguma coisa a que não estamos acostumados?
- Absolutamente nada... É essa a mágoa que alguns ocidentais têm do oriente; aqui nós podemos levar nossas vidas bem próximo do que levamos aí, mas eles não podem fazer o mesmo nem em sonhos, especialmente naqueles países mais esnobes, que me fariam vomitar só de citar os nomes ):<.
- Melhor não falar! Vamos falar de coisas boas! Jose De Lane!
- =D Minha madrinha e protetora! Nós quase desmaiamos quando ela chegou...
Ela conversa com Zigfrida e Patrícia sobre as novatas, terem sido preparadas para se submeterem à autoridade da nova mãe é quase cômico (...) Patrícia tem se empenhado em instruir as marroquinas e sua família americana, esta para que as vigie e ampare sempre que for necessário (...) Algumas Street Warriors e Beasties se prontificaram a acompanha-las pela cidade, qualquer incursão além disso só na companhia da nova família.
Saem da biblioteca com prognósticos melhores do que antes da conversa e exposição de impressões. Nancy e Carolina estão mimando as novas netas e bisnetas, com Ana Clara, Elisa, Phoebe e as gêmeas ajudando a entreter as mais jovens. Rose e Serena as assustam...
- Não se intimidem por isso, elas sabem brincar como qualquer criança.
- “Qualquer criança” conhece a relatividade especial?
- Qualquer criança que estude conhece. Vou mostrar como pode ser simples.
E a explicação é tão didática e ilustrativa, que elas se sentem ainda mais burras por não terem entendido até hoje. Ela vai à biblioteca e pega o livro de parábolas, vendo que estão interessadas. Até a despedida, quando voam para o Maine, as onze já estão devorando sozinhas os dois livros eliasianos.

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