terça-feira, 12 de março de 2019

Dead Train in the rain CLXXXIV

    As raízes de Sandra. A estação 184 mostra como um galho que cresce para longe dos outros pode dar frutos melhores. Embarquem, o trem vai partir.


Manifestações começam (...) O pretexto são vinte centavos de real a mais nas passagens do ônibus, mas tem muito mais coisa embutida. Quando perguntam se eles realmente vão ao Brasil, com essa muvuca e uma integrante grávida...

- É claro que vamos. Ninguém vai lá a passeio, iremos a trabalho, não teremos contacto com os transtornos... E não é só pelos vinte centavos, meu amigo.

Patrícia entra em casa ciente como ninguém do que está falando. Estão se preparando para a viagem, mas também para o encontro de que os pais biológicos ainda não sabem (...) No dia seguinte (...) para o deleite das bandas que dividirão palcos com as lendas vivas e a histeria geral dos fãs, o Airtrain decola (...) Combinaram com Matthew de acostumar Klauss a todas as agruras pelas quais passou, então ele vai repetir o mesmo rito que fazia, antes de se considerar velho demais para o serviço... e ter levado uns tapas de Renata por dizer isso. Ele vai, mas aquela corridinha escada abaixo, é passado.

Sandra conta aos outros o que esperar do país, como não pagar micos demais e como não cair em armadilhas. Ela (...) sabe do que está falando...

- Por último, tudo no Brasil é sexualizado. A Lucy recebeu um “elogio” desse tipo e não gostou, mas para eles é absolutamente normal. Phee, estar grávida não vai te poupar.

- Eu sei, pequena padawan. Com cultura sexualizada brasileira, acostumada estou eu. Neta e bisneta de brasileiros sou eu. Enquanto milho você colhia, com fubá já voltava eu.

O piloto brinca, avisa que vai começar os procedimentos para “brasilissar”. Gente que esteve na turnê brasileira está lá, com cópias dos ingressos nas mãos; não são loucos de exibir em público algo tão cobiçado, em um país onde se mata rotineiramente por a vitima não ter o que ser levado. Tatiane, Frederico, filhos e netos são convidados de honra (...) Deixaram o arriscado negócio de táxis e hoje têm uma locadora de veículos, ele sentia que a qualquer momento seria o próximo assassinado a cuja família, o governo e os “movimentos sociais” virariam as costas...

- Caros ouvintes da Endless Rock FM, as lendas vivas do pop rock mundial voltam ao Brasil em grande estilo! Todo o mimimi de bandas que nunca conseguiram decolar foi pro esgoto, eles estão de volta! E se abre a porta do Airtrain! E... Quem é aquele? Ele está fazendo o mesmo ritual do velho Tamasauskas! Cara, que louco! Alguém descubra quem é ele, por obséquio!

Jovem  (...) Klauss corre pela primeira vez para solo brasileiro, ajusta a câmera e começa a disparar assim que Patrícia aparece, e o Galeão é quase demolido pelos fãs. As rádios convidam os “penso que sou roqueiro” a tentar ingressos com os cambistas, para aprenderem como se faz. Desafiando o senso comum, pediram ônibus com janelas corrediças (...) A organização, a guarda imperial, a CIA e a ABIN estão de prontidão. Há quatro agentes naquele Marcopolo Paradiso, uma delas é a mulher mais poderosa e perigosa do mundo.

E que mulher! Os cariocas vêem o frescor daquele rosto de sessenta e cinco anos. Os seis estão muito bem conservados, para quem se recusa a fazer tratamentos e intervenções que já escravizaram muitos artistas bem mais jovens. À porta do Copacabana Palace (...) a tradição de acolher e tratar bem os fãs é mantida, o fascínio que Phoebe exerce é hipnótico, muita gente não consegue não olhar para ela. Renata para subitamente, focando um rapaz vestido muito frugalmente...

- Matt, você me traiu?

- Quê???

Ela aponta para o brasileiro e todos se viram para ele. É a cara do nova-iorquino (...) Matthew chega perto, acena, cutuca...

- Rê, depois você contacta com o meu pai, ele deve explicações! Qual o seu nome, rapaz?

- Renato! Renato Rodrigues! Eu sou fã da Dead Train, também admiro muito o seu trabalho...

- Vamos conversar lá dentro!

- Eita! Ele é um Rodrigues também!

- Sou marido da Eddie, a sua sobrinha conhece da internet...

A conversa está ficando muito boa e a imprensa grava! O arrastam para dentro (...) Eddie quer saber quem é essa outra Eddie e o que ela sabe de sua filha. O carioca (...) só foi tirar umas photos para o blog e o programa no canal de vídeos. Ele os faz rir muito! Têm uma coletiva à noite, depois de vistoriarem o Maracanã, lhe dão uma credencial e pedem que mantenha contacto. Em casa, antes de contar, ele é cercado pela esposa e os comparsas, para detalhar o que viram pela televisão...

- Cara, eu estava lá, coletando imagens e impressões, e a Renata Rodrigues olhou pra mim, cutucou o Matthew e ele olhou pra mim, e todo mundo olhou pra mim, menos eu mesmo...

- Mostra as photos... Caraca, a Patrícia é enorme!

- E não parece ter mais do que quarenta anos, ao vivo.

Eles recebem a banda retrô, enquanto afagam seus convidados. A conversa dura toda a manhã, se estende ao almoço e só é interrompida pela sesta sagrada de toda turnê. Vão ao estádio (...) A banda carioca vê os métodos, os parâmetros e o padrão de qualidade Dead Train em ação, não perde a chance de aprender e tentar adaptar à sua realidade. A orquestra municipal também foi convidada e sofre com o perfeccionismo dos sunshadowers...

- Todo mundo pronto? Último teste... We no have love for the music! We no have love for the art...

Aqueles acordes! Ah, aqueles acordes! A vocalista da banda retrô fica arrepiada com o que Enzo extrai da Stratocaster. Agora entendem quando dizem que um ensaio deles, é um pequeno show (...) Não se dão conta de que estão cantando e tocando junto com eles, em sintonia finíssima...

- Woohooo! Cara, vocês acertaram o tom! Nem precisaram ensaiar pra sincronizar com a gente!

Para quem tem um dia inteiro de ensaios pesados pela frente, é um elogio (...) verdade todos os oitenta mil ingressos foram vendidos em uma hora. Voltam ao hotel para um descanso, antes da entrevista. O que o carioca colocou no blog está repercutindo, o “Eu sou executiva internacional, sei o quão pouco vale o que vocês pagam para andar nessas carroças motorizadas. Pois eu não pagaria um real para ser humilhada nesse transporte monopolizado” de Patrícia está repercutindo e alimentando os ânimos dos manifestantes.

Por agora, porém, o problema é outro. Sandra e Giovanni saem no fim da tarde em um Fiat Dobló de um buffet até o ERJ 190 que os aguarda. Decolam sem demoras para Goiânia. Ela está calma, mas não está confortável...

- Preocupada?

- Estou. Não sou de dramas, mas eles são e é capaz de chorarem quando voltarmos.

- Mesmo prometendo mais visitas?

- O trauma deles com os filhos se mescla com a culpa por tê-los acostumado mal... Vivem de aluguel porque tiveram que desistir do apartamento que estavam financiando, por conta de dívidas do... Merda ter que dizer isso... Do meu irmão biológico caçula. Vou dar um pau nele, se o encontrar!

- Ainda não me contou por que te deixaram pra adoção. Hey, vamos ser cônjuges, confia em mim.

- Só queria te poupar de baixarias. Eles tinham sido acusados de um crime que não cometeram, estavam gastando tudo o que tinham com um advogado criminalista, que neste país ganha mais do que deveria. Eu nasci prematura, era um ponto vulnerável na disputa e decidiram me colocar para adoção, na esperança de que me pegariam de volta, mas a primeira família já tinha me levado, quando eles conseguiram dar cabo do processo... A primeira de seis.

- Vamos levar eles pra Sunshadow, pro nosso casamento.

- Pretendo fazer isso. Antes precisamos cuidar de problemas culturais, mas faremos isso.

O precário, obsoleto e mal cuidado aeroporto Santa Genoveva aparece. A aterrissagem ágil poupa preciosos segundos (...) Um Fusion Hybrid preto, ainda sem placa, os aguarda. Giovanni abre a porta para ela entrar e fica exposto o bastante para alguns comissários de bordo o reconhecerem (...) O Ford sai rapidamente, pega o caminho do Jaó, para despistar e de lá para o Novo Mundo. O carro, tido como grande no Brasil, chama a atenção dos moradores (...) Os tios saem primeiro, se certificam de que eles estão mesmo em casa, chamam e eles saem. As roupas são verdadeiros atestados de pobreza; calções descorados e camisetas já gastas de eventos promocionais. Sandra fica triste (...) Giovanni aperta sua mão, reitera que estão juntos agora e sempre, e a acompanha...

- Mãe! Pai!

Eles choram, ficam quase histéricos e correm para a filha (...) É estranho ela demonstrar tanto carinho, com a fama que tem, quando os irmãos se mostraram tão frios com seu sofrimento e nunca tiveram problemas com relacionamentos. Deixa-os se lamentarem e pedirem desculpas por a terem deixado no orfanato, para si a questão está resolvida há anos. Assim que terminam, ela apresenta o noivo grandalhão e debochado (...) Ele consegue fazê-los rir, nisso as falhas ortodônticas ficam evidentes...

- Vocês vão se mudar daqui e vão cuidar da saúde. Sem “mas”, eu vou bancar tudo, mas não contem pra mais ninguém.

- A gente tem que trabalhar, filha...

- Só se quiserem. Tomem e não me façam a desfeita de recusar este dinheiro, ganho mais do que isso em uma hora de trabalho. Amanhã eles vêm buscar vocês, para procurarem um lugar melhor. Esses móveis, as roupas, tudo o que não for de estimação pra vocês, fica. Vida nova, mãe.

É mais choradeira. A visita não dura muito, eles precisam voltar, mas promete que aqueles seis mil reais são só o começo (...) o jato decola e ela se deixa desmanchar nos braços do noivo. Chegam ao (...) hotel quando a coletiva está quase no fim, decidem dar as caras. “Cuidando de assuntos pessoais” é a resposta, quando perguntam o que estavam fazendo até agora. Renato se reveste da suprema arte da cara de pau e pede a palavra...

- Não querendo abusar, mas já abusando, trouxe algumas obras para o seu deleite, em horas vagas...

Livros, muitos livros, todos em português. Todos da editora que ele, esposa e amigos têm em casa, alguns para maiores, um deles um terror policial bem pesado (...) acertou em tudo.

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