quarta-feira, 27 de março de 2019

Dead Train in the rain CXCIX

    A alegria e a agonia de ser sunshadower. A estação 199 mostra que a tinta respinga longe quando cai, a da fama e da polêmica mais ainda. Todos à bordo, o trem vai partir.


Stanley começa a exibir os cacoetes do pai, divertindo os amigos com suas reações teatralescas. O ambiente comum permite que Robert Richard o observe (...) Happy Moon chama para a aulinha de música. O aprendizado é alegre e com alegria eles atendem ao chamado (...) Corrige com carinho, mas sem deixar de corrigir o ponto, inclusive o filho. As canções tradicionais da América têm lugar de destaque, mas os pequenos se esbaldam mesmo é com os clássicos do pop e rock. Ela percebeu (...) que as crianças não vão se interessar pelo que não gostam, simplesmente porque não têm o senso de prioridade de longo prazo de um adulto. Concluída a parte livre da aula (...) ela pode pedir a atenção da classe para demonstrações vocais ao piano. Relaxadas com a brincadeira de agora há pouco, as crianças se comportam com um riso ou uma brincadeira, mas a rigor a atenção requerida lhe é dada. Vão todos descansar, ao fim da última aula. Algumas mães são voluntárias na fundação e têm o gosto de cuidar dos próprios rebentos, inclusive Stephanie. Ela leva a pimpolha consigo na volta ao lar, à tarde, depois do almoço vão à chocolateria, ajudar Audrey a lidar com as trolhas dos negócios.

O primeiro problema é uma quebra de safra, que encareceu o cacau e atraiu a sanha dos especuladores. Audrey procura pelo mundo inteiro quem tenha estoques antigos ou ainda esteja vendendo a tonelada por menos do que os rins. Ela usa tática de guerrilha, com gente agindo por perfis pessoais em redes sociais, localizando sorrateiramente sem revelar a empresa por trás de suas buscas (...) Quando a Brook’s Hot Chocolate se revela, já está em cima dos fornecedores e arremata o cacau bem na frente da concorrência, que ficou presa aos protocolos e à burocracia de redes gigantescas. Mas não foi fácil, ela chega ao fim da tarde querendo tão somente um pouco da vida de vagabunda que pensa que um dia teve.

Melinda corre para mimar a irmã, até porque também passou por um temporal nesta semana, mas com a vantagem de não precisar lidar com artigos sensíveis ao clima...

- Esses caras estão doidos! Estão cobrando pela arroba o preço da tonelada! Vai todo mundo enterrar dinheiro nisso e vai todo mundo levar na tarraqueta, quando os preços despencarem!

- Então vamos fazer um trato? Comprar juntas a xepa dos malandros desesperados?

- Hm... Eles merecem se ferrar... E eu mereço a desforra! Fechado!

Comprar plantações, nem pensar! Já pagam um pouco mais para garantir aos clientes que estão comprando chocolate cultivado por adultos remunerados, não querem mais dores de cabeça com burocracias do terceiro mundo (...) Os outros insumos estão absurdamente caros na medida do razoável.

A cooperação entre as irmãs gera resultados e um deles é a choradeira (...) Mais uma vez juram vingança e mais uma vez têm que engolí-la com martíni seco. As marroquinas reconhecem um pouco daquilo, elas são negociadoras astutas, como era Hassam...

- Patty, cadê a Rê? Ela tem que explicar isso, esse cara deve ter ligação espiritual com a gente!

- E tem... Ela me disse que tem, Dee. Só não me pergunte por detalhes, são constrangedores.

- Então a gente quer saber.

- Vai ficar na vontade, abusada. Vocês acreditam que eu amamentei essas duas?

- Com três meses aqui, acredito em tudo – diz Amina. Até que coelhos são uma espécie de cacaueiro ovíparo.

- Três meses... Cara, parece que vocês sempre estiveram aqui! Me fala uma coisa, que grude é esse com a Greta e Mirtle? Elas se matricularam só para prolongar as conversas, é isso?

- A história delas me emocionou. A Mitle foi quase uma mãe pra irmã, mais ou menos como vocês.

As duas planejam um álbum em dueto (...) enquanto os fãs são questionados sobre a conveniência de ela ainda estar viva, por prodígio de uma terapia caríssima e muito sofisticada, enquanto tanta gente não tem acesso nem à saúde básica. Ela não se furta de responder “Se eu morresse, essa criança de quem falam ressuscitaria? Parem de desprender tempo e phosphato com retóricas de moto perpétuo, façam alguma coisa pelo que dizem lutar, como serem voluntários do Médicos Sem Fronteiras, por exemplo... Só mais uma coisa, essa criança morreu em 1998”. Volta à irmã (...) enquanto os fãs compartilham e fazem memes com a reposta, alguns abusando do sarcasmo. Laura as procura, a repercussão está causando surtos de diarreia, incontinência urinária e espasmos abdominais pelo mundo, a zoeira tomou conta e já tem desafeto desactivando as contas em redes sociais, porque a carapuça serviu.

&

Cidadãos em férias na Flórida são abordados, após um linguarudo vazar sua origem (...) O que deveria ser apenas uma conversa sobre uma cidade famosa se torna perigoso. Não demora muito para ditos ativistas os procurarem para tirar satisfações, mas são rapidamente socorridos por ghost drivers...

- A concentração de recursos em Sunshadow está causando a miséria e as guerras pelo mundo!

Mas não conseguem desligar a vitrola louca que só toca uma faixa (...) não mudam sequer os erros de concordância. Ligam para o escritório central, certos de que todos se conhecem em uma cidade de noventa mil habitantes. Uma conversa com Aubrey e a secretária passa a ligação (...) liga para Sunshadow, onde as mães do casal se descabelam e pegam o primeiro vôo para Orlando, furiosas (...) elas chegam distribuindo sopapos e abrindo caminho à força, querem ver seus filhos e seus netos e querem que estejam bem. Em Sunshadow, Patrícia vê a notícia com muito pesar, pede que um colaborador de base ajude no que puder e desaba no sofá...

- Eu não acredito nisso... Mascote?

- Irmã, que merda é essa que me contaram?

- É a mesma em que o mundo está mergulhado até o cocuruto. As pessoas agora acreditam que ter boas intenções as imuniza contra erros e actos de crueldade. Desta vez eu não vou fazer comunicados, vamos conversar com as pessoas, para só nós sabermos, pedir que mantenham a discrição de origem.

- É foda... O problema maior é que muita gente daqui é famosa, mesmo sem querer! Basta uma olhada em imagens e vídeos pra reconhecer um sunshadower! Cê sabe que o nosso comportamento é bem diferente da média.

- Assim uma virtude se torna um delito... Vamos desligar e começar a falar com o povo.

Começam em casa, mandam espalhar pela família, pela vizinhança e logo a cidade inteira recebe as instruções (...) sem que estranhos à cidade saibam do que se trata. A rede social de Sunshadow oficializa as recomendações de Patrícia. A imprensa oficial da banda publica o que seus cidadãos (...) têm a dizer sobre o incidente. A polêmica rende muito patrocínio, que rende muitas entrevistas bobas com alta audiência, que rendem mais patrocínios.

Quando a banda volta à estrada, na primeira coletiva, ninguém deixa passar o episódio. Só Enzo responde, ainda assim de forma sucinta com “O século XXI é uma ilusão” (...) não querem alimentar mais polêmicas, especialmente porque os amigos tiveram arruinadas as férias que precisaram adiar por cinco anos... E nem viram o Mickey!

Voltam ao andar reservado, para conversarem a respeito. Naomi percebe o que acontece, apesar de parecer brincar com as bonecas de papel que desenhou e pintou (...) As bonecas que fez estão todas olhando para cima, com expressão de súplica e postura retesada. Eddie cutuca a irmã e mostra...

- Ela percebeu tudo... Acho que vou chorar... Não é bom uma criança nesta idade se ligar tanto ao mundo dos adultos!

- Mas já se ligou, não tem volta. A gente até pode e deve dar um jeito nessa tensão, mas não dá pra desligar ela da realidade. Nah, vem cá...

Vale-se de sua extensa experiência com as crianças da fundação, entre as quais está a sobrinha. Matthew gosta de saber do resultado, mas não gostou de saber o que o tornou necessário (...) Fica taciturno até ver as bonecas que ela fez...

- Que coisa linda, Rê!

- Triste, mas é lindo mesmo... Olha o nível dos detalhes!

- É isso que meus óculos estão mostrando aos meus olhos!

Ela pega uma lupa e vê que até as íris foram detalhadas em cores (...) O casal coruja faz questão de mostrar aos outros, trazendo a lembrança das bonecas de papel da banda (...) Vão ao almoço comentando sobre as bonequinhas de papel e a possibilidade, quase certeza, de autorizarem releituras das suas, que alguns artistas já fizeram. Encontram na mesa um bilhete manuscrito, pedindo mil desculpas, mas alegando que precisa fazer aquela pergunta desconfortável. Entregam para Patrícia, ela sorri...

- “Vocês têm opiniões muito conflitantes, do ponto de vista ideológico, defendem pontos específicos de direita e outros de esquerda, rejeitando na mesma linha outros tantos, vocês parecem não fechar os olhos para nada. O que de facto lhes convém ideologicamente, se posso dizer assim?” Klauss, depois você publica este bilhetinho e a minha resposta, que ouvi do Elias uma vez: Eu não compro pacotes fechados nem de doutrina, nem de ideologia, nem de nenhum conceito humano. Fechar os olhos para o lado B da fonte de onde bebo é um direito que não me convém. Desde que isso se tornou um hábito, só o que me convém é a minha própria depuração.

À tarde, enquanto ensaiam, a curta publicação agita a imprensa. A autora do bilhete anônimo gostou da resposta, mas o autor citado nem tanto de vê-la publicada, especialmente com parte da imprensa lhe pedindo para explicar o que quis dizer com aquilo. Ele (...) não entendeu a dúvida. Um paparazzo (...) pergunta se ao escolher um caminho, não seria mais ético abraçar todas as nuances dele...

- Você me disse uma vez, mui educadamente, que é vegetariano, mas só não come a carne.

- Certo, eu não consumo cadáveres.

- Você tem suas marcas preferidas de alimentos, presumo.

- Inclusive a Canard Noir, por questões também de ética.

- Por sua observação, você não deveria consumir também a galinha que cedeu os ovos para fazer aquela variedade toda de doces?

- Não, eu passaria mal se... Eu entendi... Agora entendi.

Ele está conseguindo lentamente sua própria cota de respeito por parte da imprensa. Assim que os xeretas se dão por satisfeitos, pode voltar ao trabalho, uma reunião por teleconferência com aquele pessoal que se interessou em franquiar a Vintage Way of Life (...) Tem uma grata surpresa ao ver entre eles executivos que conhece bem e com quem tem boas relações. Ao fim da tarde, marca uma reunião presencial com os outros principais sócios para fecharem negócio. É uma atitude meio mafiosa, meio japonesa, que inclui uma manhã de conversa fiada, lanche, provavelmente uma troca de presentes simbólicos, olho no olho e só então o negócio em si.

Pouco antes do show, os amigos recebem a boa notícia (...) só ficaram os que realmente têm compromisso com a philosophia da loja. Sandra fica muito feliz, particularmente inspirada para o show (...) sendo mais activa do que se esperaria de sua adiantada situação gestacional. Quando voltam para casa, após um dia e meio de descanso merecido da farra que é cantar para centenas de milhares de fãs, vão ter com o brasileiro o resultado de sua conversa séria e objectiva com homens que metem medo na maioria dos executivos...

- “Medo” por quê?

- Porque são ricos, poderosos, influentes, admirados e todas essas coisas que não deveriam dar medo a ninguém, deveriam inspirar, mas o senso comum acaba estragando – responde Renata.

- Essa gente não sabe o que é medo... Bem, vamos ao que ficou acertado.

Seis novas lojas são o que esperam para o próximo ano, mas para isso terão que assinar logo os contractos (...) Ficam a tarde inteira cuidando do assunto, da forma mais leve que conseguem, até Renata tocar no assunto das bonecas de papel da caçula. Aproveita o ensejo para sugerir o que ficou conversado informalmente na Philadelphia. Acatam, mandam para o escritório central e vão ao happy hour. Patrícia comenta que as filhas e netas estão se preparando para o hamadã, por isso fará um cardápio especial (...) Conseguiu uma dieta apropriada com os nutricionistas da fundação, e elas já experimentam. Já acostumadas a começar o dia bem antes da alvorada, começam a se dar conta da grande vantagem que têm, e fazem montinho na responsável por tudo isso.

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