A alegria e a agonia de ser sunshadower. A estação 199 mostra que a tinta respinga longe quando cai, a da fama e da polêmica mais ainda. Todos à bordo, o trem vai partir.
Stanley começa a exibir os cacoetes do pai,
divertindo os amigos com suas reações teatralescas. O ambiente comum permite
que Robert Richard o observe (...) Happy Moon chama para a aulinha de música. O aprendizado é alegre e
com alegria eles atendem ao chamado (...) Corrige com carinho,
mas sem deixar de corrigir o ponto, inclusive o filho. As canções tradicionais da
América têm lugar de destaque, mas os pequenos se esbaldam mesmo é com os
clássicos do pop e rock. Ela percebeu (...) que as crianças não vão se interessar pelo que não
gostam, simplesmente porque não têm o senso de prioridade de longo prazo de um
adulto. Concluída a parte livre da aula (...) ela pode pedir a atenção da classe para demonstrações vocais ao
piano. Relaxadas com a brincadeira de agora há pouco, as crianças se comportam
com um riso ou uma brincadeira, mas a rigor a atenção requerida lhe é dada. Vão
todos descansar, ao fim da última aula. Algumas mães são voluntárias na
fundação e têm o gosto de cuidar dos próprios rebentos, inclusive Stephanie.
Ela leva a pimpolha consigo na volta ao lar, à tarde, depois do almoço vão à
chocolateria, ajudar Audrey a lidar com as trolhas dos negócios.
O primeiro problema é uma quebra de safra,
que encareceu o cacau e atraiu a sanha dos especuladores. Audrey procura pelo mundo
inteiro quem tenha estoques antigos ou ainda esteja vendendo a tonelada por
menos do que os rins. Ela usa tática de guerrilha, com gente agindo por perfis
pessoais em redes sociais, localizando sorrateiramente sem revelar a empresa
por trás de suas buscas (...) Quando a Brook’s Hot Chocolate se revela, já
está em cima dos fornecedores e arremata o cacau bem na frente da concorrência,
que ficou presa aos protocolos e à burocracia de redes gigantescas. Mas não foi
fácil, ela chega ao fim da tarde querendo tão somente um pouco da vida de
vagabunda que pensa que um dia teve.
Melinda corre para mimar a irmã, até porque
também passou por um temporal nesta semana, mas com a vantagem de não precisar
lidar com artigos sensíveis ao clima...
- Esses caras estão doidos! Estão cobrando
pela arroba o preço da tonelada! Vai todo mundo enterrar dinheiro nisso e vai
todo mundo levar na tarraqueta, quando os preços despencarem!
- Então vamos fazer um trato? Comprar juntas
a xepa dos malandros desesperados?
- Hm... Eles merecem se ferrar... E eu mereço
a desforra! Fechado!
Comprar plantações, nem pensar! Já pagam um
pouco mais para garantir aos clientes que estão comprando chocolate cultivado
por adultos remunerados, não querem mais dores de cabeça com burocracias do
terceiro mundo (...) Os outros insumos estão
absurdamente caros na medida do razoável.
A cooperação entre as irmãs gera resultados e
um deles é a choradeira (...) Mais uma vez juram vingança e mais uma vez têm que
engolí-la com martíni seco. As marroquinas reconhecem um pouco daquilo, elas
são negociadoras astutas, como era Hassam...
- Patty, cadê a Rê? Ela tem que explicar
isso, esse cara deve ter ligação espiritual com a gente!
- E tem... Ela me disse que tem, Dee. Só não
me pergunte por detalhes, são constrangedores.
- Então a gente quer saber.
- Vai ficar na vontade, abusada. Vocês
acreditam que eu amamentei essas duas?
- Com três meses aqui, acredito em tudo – diz
Amina. Até que coelhos são uma espécie de cacaueiro ovíparo.
- Três meses... Cara, parece que vocês sempre
estiveram aqui! Me fala uma coisa, que grude é esse com a Greta e Mirtle? Elas
se matricularam só para prolongar as conversas, é isso?
- A história delas me emocionou. A Mitle foi quase
uma mãe pra irmã, mais ou menos como vocês.
As duas planejam um álbum em dueto (...) enquanto os fãs são questionados
sobre a conveniência de ela ainda estar viva, por prodígio de uma terapia caríssima
e muito sofisticada, enquanto tanta gente não tem acesso nem à saúde básica.
Ela não se furta de responder “Se eu morresse, essa criança de quem falam
ressuscitaria? Parem de desprender tempo e phosphato com retóricas de moto
perpétuo, façam alguma coisa pelo que dizem lutar, como serem voluntários do
Médicos Sem Fronteiras, por exemplo... Só mais uma coisa, essa criança morreu
em 1998”. Volta à irmã (...) enquanto os fãs compartilham e fazem memes com a
reposta, alguns abusando do sarcasmo. Laura as procura, a repercussão está
causando surtos de diarreia, incontinência urinária e espasmos abdominais pelo
mundo, a zoeira tomou conta e já tem desafeto desactivando as contas em redes
sociais, porque a carapuça serviu.
&
Cidadãos em férias na Flórida são abordados,
após um linguarudo vazar sua origem (...) O que deveria ser apenas uma
conversa sobre uma cidade famosa se torna perigoso. Não demora muito para ditos
ativistas os procurarem para tirar satisfações, mas são rapidamente socorridos
por ghost drivers...
- A concentração de recursos em Sunshadow
está causando a miséria e as guerras pelo mundo!
Mas não conseguem desligar a vitrola louca
que só toca uma faixa (...) não mudam sequer os erros de concordância. Ligam para
o escritório central, certos de que todos se conhecem em uma cidade de noventa
mil habitantes. Uma conversa com Aubrey e a secretária passa a ligação (...) liga para Sunshadow,
onde as mães do casal se descabelam e pegam o primeiro vôo para Orlando,
furiosas (...) elas
chegam distribuindo sopapos e abrindo caminho à força, querem ver seus filhos e
seus netos e querem que estejam bem. Em Sunshadow, Patrícia vê a notícia com
muito pesar, pede que um colaborador de base ajude no que puder e desaba no
sofá...
- Eu não acredito nisso... Mascote?
- Irmã, que merda é essa que me contaram?
- É a mesma em que o mundo está mergulhado
até o cocuruto. As pessoas agora acreditam que ter boas intenções as imuniza
contra erros e actos de crueldade. Desta vez eu não vou fazer comunicados,
vamos conversar com as pessoas, para só nós sabermos, pedir que mantenham a
discrição de origem.
- É foda... O problema maior é que muita
gente daqui é famosa, mesmo sem querer! Basta uma olhada em imagens e vídeos
pra reconhecer um sunshadower! Cê sabe que o nosso comportamento é bem diferente
da média.
- Assim uma virtude se torna um delito...
Vamos desligar e começar a falar com o povo.
Começam em casa, mandam espalhar pela
família, pela vizinhança e logo a cidade inteira recebe as instruções (...) sem que estranhos à cidade
saibam do que se trata. A rede social de Sunshadow oficializa as recomendações
de Patrícia. A imprensa oficial da banda publica o que seus cidadãos (...) têm a dizer sobre o incidente. A polêmica
rende muito patrocínio, que rende muitas entrevistas bobas com alta audiência,
que rendem mais patrocínios.
Quando a banda volta à estrada, na primeira
coletiva, ninguém deixa passar o episódio. Só Enzo responde, ainda assim de
forma sucinta com “O século XXI é uma ilusão” (...) não querem alimentar mais polêmicas, especialmente porque os amigos
tiveram arruinadas as férias que precisaram adiar por cinco anos... E nem viram
o Mickey!
Voltam ao andar reservado, para conversarem a
respeito. Naomi percebe o que acontece, apesar de parecer brincar com as
bonecas de papel que desenhou e pintou (...) As bonecas
que fez estão todas olhando para cima, com expressão de súplica e postura
retesada. Eddie cutuca a irmã e mostra...
- Ela percebeu tudo... Acho que vou chorar...
Não é bom uma criança nesta idade se ligar tanto ao mundo dos adultos!
- Mas já se ligou, não tem volta. A gente até
pode e deve dar um jeito nessa tensão, mas não dá pra desligar ela da
realidade. Nah, vem cá...
Vale-se de sua extensa experiência com as
crianças da fundação, entre as quais está a sobrinha. Matthew gosta de saber do
resultado, mas não gostou de saber o que o tornou necessário (...) Fica taciturno até ver as bonecas que ela fez...
- Que coisa linda, Rê!
- Triste, mas é lindo mesmo... Olha o nível
dos detalhes!
- É isso que meus óculos estão mostrando aos
meus olhos!
Ela pega uma lupa e vê que até as íris foram
detalhadas em cores (...) O casal coruja faz questão de mostrar aos outros,
trazendo a lembrança das bonecas de papel da banda (...) Vão ao almoço comentando sobre as bonequinhas de
papel e a possibilidade, quase certeza, de autorizarem releituras das suas, que
alguns artistas já fizeram. Encontram na mesa um bilhete manuscrito, pedindo
mil desculpas, mas alegando que precisa fazer aquela pergunta desconfortável.
Entregam para Patrícia, ela sorri...
- “Vocês têm opiniões muito conflitantes, do
ponto de vista ideológico, defendem pontos específicos de direita e outros de
esquerda, rejeitando na mesma linha outros tantos, vocês parecem não fechar os
olhos para nada. O que de facto lhes convém ideologicamente, se posso dizer
assim?” Klauss, depois você publica este bilhetinho e a minha resposta, que
ouvi do Elias uma vez: Eu não compro pacotes fechados nem de doutrina, nem de
ideologia, nem de nenhum conceito humano. Fechar os olhos para o lado B da
fonte de onde bebo é um direito que não me convém. Desde que isso se tornou um
hábito, só o que me convém é a minha própria depuração.
À tarde, enquanto ensaiam, a curta publicação
agita a imprensa. A autora do bilhete anônimo gostou da resposta, mas o autor citado
nem tanto de vê-la publicada, especialmente com parte da imprensa lhe pedindo
para explicar o que quis dizer com aquilo. Ele (...) não entendeu a dúvida. Um paparazzo (...) pergunta se ao escolher um caminho, não seria mais ético
abraçar todas as nuances dele...
- Você me disse uma vez, mui educadamente,
que é vegetariano, mas só não come a carne.
- Certo, eu não consumo cadáveres.
- Você tem suas marcas preferidas de
alimentos, presumo.
- Inclusive a Canard Noir, por questões
também de ética.
- Por sua observação, você não deveria
consumir também a galinha que cedeu os ovos para fazer aquela variedade toda de
doces?
- Não, eu passaria mal se... Eu entendi...
Agora entendi.
Ele está conseguindo lentamente sua própria
cota de respeito por parte da imprensa. Assim que os xeretas se dão por
satisfeitos, pode voltar ao trabalho, uma reunião por teleconferência com
aquele pessoal que se interessou em franquiar a Vintage Way of Life (...) Tem uma grata surpresa ao ver entre eles executivos que
conhece bem e com quem tem boas relações. Ao fim da tarde, marca uma reunião
presencial com os outros principais sócios para fecharem negócio. É uma atitude
meio mafiosa, meio japonesa, que inclui uma manhã de conversa fiada, lanche,
provavelmente uma troca de presentes simbólicos, olho no olho e só então o
negócio em si.
Pouco antes do show, os amigos recebem a boa
notícia (...) só ficaram os que realmente têm compromisso com a philosophia da loja. Sandra
fica muito feliz, particularmente inspirada para o show (...) sendo mais activa do que se esperaria
de sua adiantada situação gestacional. Quando voltam para casa, após um dia e
meio de descanso merecido da farra que é cantar para centenas de milhares de
fãs, vão ter com o brasileiro o resultado de sua conversa séria e objectiva com
homens que metem medo na maioria dos executivos...
- “Medo” por quê?
- Porque são ricos, poderosos, influentes,
admirados e todas essas coisas que não deveriam dar medo a ninguém, deveriam
inspirar, mas o senso comum acaba estragando – responde Renata.
- Essa gente não sabe o que é medo... Bem,
vamos ao que ficou acertado.
Seis novas lojas são o que esperam para o
próximo ano, mas para isso terão que assinar logo os contractos (...) Ficam a tarde inteira
cuidando do assunto, da forma mais leve que conseguem, até Renata tocar no
assunto das bonecas de papel da caçula. Aproveita o ensejo para sugerir o que
ficou conversado informalmente na Philadelphia. Acatam, mandam para o
escritório central e vão ao happy hour. Patrícia comenta que as filhas e netas
estão se preparando para o hamadã, por isso fará um cardápio especial (...) Conseguiu
uma dieta apropriada com os nutricionistas da fundação, e elas já experimentam.
Já acostumadas a começar o dia bem antes da alvorada, começam a se dar conta da
grande vantagem que têm, e fazem montinho na responsável por tudo isso.
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