segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Dead Train in the rain XIX

    E o sucesso veio, serelepe e sem pedir licença. A estação dezenove traz à bordo uma breve lição que muitos artistas em início de carreira negligenciam. Todos à bordo, o trem já vai partir!


Os seis acordam tarde. É algo a que terão que se acostumar. Irritantemente linda até despenteada, com cara amassada e de pijama florido, Patrícia chega à copa (...) Richard faz questão de mostrar à filha a página inteira no caderno de cultura...

- Wellcome to the success, honey!

A garota olha, vai à capa e vê a manchete, volta ao caderno e lê minuciosamente. Não quer acordar os outros agora, sabe que estão cansados, mas não se furta o direito de dar gritinhos e correr pelo pequeno cômodo. Richard e Matthew notam (...) a perfeição de proporções e a estatura. Se olham...

- Não tem como eu dar uma de Renato e tentar disfarçar. Minha filha é uma mulher feita, mesmo tão nova!

- Quinze?

- Quinze. Dois dos quais sob educação rígida e treinamento severo, para poder encarar a carreira.

- E não me arrependo de um segundo sequer! Cara! A turma vai ficar maluquinha, quando ler isto!

- Ler o quê?

Chega Rebeca, com cara de ressaca e lhe é apresentada a matéria. A ressaca passa. Ela desce de pijama (..) e acorda todo mundo no ônibus. Antes que tenham ganas de torcer seu pescoço, a alegria pelo sucesso faz esquecer a dor de cabeça pelo despertar rude. Foram providenciados números para Sunshadow, alguns distribuídos nos endereços pertinentes, mais um calhamaço deixado na única banca da cidade, na praça do trem morto. Não dá para quem quer. Ficam imensamente surpresos de um jornal de fora falar de Sunshadow (...) e falando bem. Os pais dos astros se encontram na casa de Patrícia, para uma comemoração improvisada. Não foi só seu talento que eles expuseram, foi a cidade inteira. O prefeito também dá as caras, sem a pompa a que a maioria deles está acostumada, afinal, todo mundo lá se conhece há décadas...

- Nancy, você leu o... É, você e todos os outros leram!

- Vem pra festa, Daniel!

- Eu mal posso acreditar (...) Nós saímos do esquecimento!

- Só não sei se foi tão bom eles terem começado tão cedo.

- Foi necessário – responde Eduarda. Nenhum teatro do mundo daria uma estréia melhor.

Em Los Angeles, alguns colegas de estúdio abordam Josephine (...) para mostrar o jornal...

- Não são os garotos de que nos falou?

- Oui! Oh la la... Eles começaram muito cedo! Bart! Bart, consiga o telephone deste (...) repórter.

Josephine causa muitos ciúmes no mundo artístico. Ela nunca se conformou em ser um rosto bonito com uma voz sedosa e potente, é um cérebro activo e crítico dentro da classe artística, ela vai atrás do que quer e impõe respeito, não é uma estrela, é Sua Majestade A Estrela. Não depende mais do cinema para sobreviver, gerencia muitos negócios com competência, incluindo os dos estúdios, ajuda colegas e até tem parcelas de patrocínio nas produções (...) Boa parte dos ciúmes vêm da direção, muitos acreditam que a francesa tem mais prestígio do que o presidente dos estúdios. Ela sabe muito bem quanto ciúme, inveja e inimizades gratuitas ganhou, por ser competente em tudo o que faz. Quando era criança, sua mãe dizia para fazer sempre bem feito, que seria recompensada, mas que não fosse bem feito demais, porque seria punida. A galeria de prêmios em sua casa fala por si (...) Consegue a ligação...

- Bom dia, desejo falar com Matthew Tamasauskas (...) Da parte de Josephine Delacroix.

Mandam alguém ligar para o apartamento dele. Em meio à comemoração, Patrícia ouve o repórter duvidar que a diva de milhões queira falar consigo. Agradece novamente à avó pelo treinamento musical pesado que recebeu. Decide interferir...

- Boa! Eu não posso falar agora, mas se ela quiser falar com a Patty Solar...

A redação se desmancha em risadas. A secretária dá o recado e tem uma resposta que pensa ser uma contra ironia...

- Ela disse que a dama do Alfa Romeo quer falar com ela também.

- “Dama do Alfa Romeo”???

- É ela. Manda darem seu número.

- Como assim? Você conhece... Não! Você conhece Jose De Lane?!!!

- Tem muitas coisas que você precisa aprender a meu respeito. Uma delas é que eu jamais digo tudo o que sei. Foi ela quem me deu este colar – diz aos outros.

Em menos de um minuto, a musa de gerações liga para o humilde apartamento de um repórter que, há até dez horas, só era conhecido pelos leitores habituais de New York. Ele sua quando o telephone toca novamente, desafoga a gola e atende...

- Alô?

- Bonsoir, monsieur. Suponho que esteja falando com Matthew Tamasauskas... Prazer em conhecer, sou Jose De Lane. Desejo conversar com o senhor sobre Patrícia Petty Gardner, minha protegida.

Ele sua bicas! Passa a olhar para Patrícia como se ela também fosse uma deusa de Hollywood. Os demais já estavam pasmos com o desenrolar da conversa, agora estão pasmos com a líder da banda também. Richard observa a filha de longe, cientificamente, aguardando o momento de tocar no assunto. Assim que o anfitrião desliga o aparelho...

- Ela quer que eu vá com vocês à visita combinada.

- Ok (...) para a alegria de nossa pianista. Ah... Well (...) Nós tínhamos planos para o ano que vem, mas nossa estréia precoce acabou forçando mudanças...

- Nós quem?

- Mommy, Josephine and me, daddy. Vou explicar. Lembra quando comecei a esticar rápido e todas as minhas roupas ficaram apertadas, de uma só vez? Quando mamãe e eu fomos comprar novas (...) ...

Conta (...) o facto de ter lhes pedido discrição, a não ser que ela mesma se revelasse, como aconteceu agora. Enquanto ouve, ele tenta imaginar que motivos a actriz pode ter tido para fazer isso. Ela dissera, ao longo das correspondências, que não os deixaria desperdiçar seus talentos, nem caírem em mãos inescrupulosas. Talvez tenha sido isso, talvez tenha percebido que aquela pequena publicidade acabaria atiçando a sanha da banda podre do show business. Sim, é exactamente por isso. Josephine não perde tempo e avisa aos executivos sobre seus planos, explicando como conheceu Patrícia. Avisa que não quer que estourem de uma vez, que são seus pupilos e tudo mais...

- Na sexta-feira eles chegarão (...) e gostaria que um de vocês também fosse, para estudar os garotos.

- Eu vou – se oferece um septuagenário com cavanhaque. Talvez sejam os últimos grandes talentos que eu conheça, antes de morrer, quero conhecê-los bem.

- Ficarei honrada com sua companhia, monsieur Grant. Vamos tratar dos detalhes?

A actriz dá momentaneamente lugar à executiva. Josephine, de posse do que a garota lhe disse sobre seu pai, tem um esboço de contracto praticamente pronto. Eficiente, ela conclui sua parte, pede os pareceres de cada um e um protocolo é assinado por todos. Agora ela precisa ir, tem (...) mais três ou quatro meses de filmagens pela frente, emagreceu sete quilos para fazer o papel.

No Brooklin, em um edifício que já foi comercial, Matthew tenta digerir a avalanche pela qual acaba de passar. Está assustado. Feliz, mas assustado. Vê agora a chance de fazer o filho do chefe engolir as palavras rudes e arrogantes (...) Acorda quando Patrícia termina de explicar sua relação de amizade estreita com Jose de Lane...

- Só mamãe e eu. E só ela sabia dessa visita, Jose não me contou nada até esta manhã.

- Compreendo, mas gostaria de saber por que ela está fazendo isso por vocês.

- Ela é altruísta, papai. Ela ajuda muita gente no meio artístico (...) nos contou das pessoas talentosas que viu se perderem na vida, por terem sido acolhidas por pilantras. É possível vencer sem um padrinho forte, sim, mas os riscos de um artista, principalmente uma mulher precisar transar para abrir as portas, é muito grande. Nós tivemos a sorte de encontrar uma pessoa íntegra e poderosa, poderemos trabalhar tranqüilos (...) enfim... Dos canalhas mais perigosos, ela vai nos ajudar a nos livrarmos.

- Minha filha – se aproxima abraçando e afagando o rebento – você me faz acreditar cada vez mais em teorias conspiratórias. Como conseguiu esconder isso de mim?
- São os genes. Também me tornei um gênio.

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