sábado, 22 de setembro de 2018

Dead Train in the rain XXXVII

    A sueca e as mil faces da princesa. A estação 37 desenha com cuidado os perigos de não se conhecer alguém com quem se lida. Mantenham o respeito e embarquem, o trem vai partir.


É dia de viajar. A comitiva desta vez é bem maior, inclui alguns colegas, caminhoneiros que chegaram na hora certa e as famílias dos viajantes. Por alguns instantes, todos esquecem os problemas que enfrentam. Desta vez levam pão de queijo e pamonha (...) Chega a hora e (...) o ônibus sai. Sem mais prantos.

No aeroporto, além da tietagem de sempre, Patrícia redobra as atenções. Com tanto paparazzo mal disfarçado, fica difícil perceber alguém com intenções realmente nocivas. Chega a hora de embarcar e ela se tranqüiliza. Aproveita para uma breve soneca, encostada no pai. Ele acolhe sua herdeira alheio aos olhares dos outros passageiros (...) Além do mais, tem problemas graves para tratar, inclusive ajudar a evitar uma terceira guerra mundial.

Uma rádio de Los Angeles arregimenta críticos de música e alguns empresários do ramo, para tentar explicar ao público o “Fenômeno Dead Train” (...) Os incidentes e fofocas recentes são exaustivamente explorados, o que não se atrevem a dizer é que os garotos são apenas um producto da mídia. Terem uma madrinha da envergadura de Jose De Lane conta muito, mas o sucesso deles começou antes de o mundo saber quem eram. Um deles cita até mesmo o caso que viu na Alemanha, de onde voltou de uma filmagem...

- A canção “Forgotten” está no topo das paradas de sucesso por lá. É uma coisa incrível! Uma rádio traduziu a letra e a banda virou febre!

- Então eles já invadiram a Europa?

- Talvez nem eles saibam (...) eles já invadiram o Velho Mundo.

Inocentes do caso (...) Descem vendo uma multidão a recepcioná-los, com faixas e cartazes. Um deles incomoda Renata e Matthew, que photographa para qualquer eventualidade o que diz “Patty, marry with me”. Apesar de ser um jovem que o segura, não sabem se ele foi como fã ou como mensageiro. Vão ao ônibus que os levará à casa de Josephine. Ela, de uma sacada, vê a horda armada com câmeras (...) algumas tão estranhas que não imagina para que sirvam. Ainda mantém Gregory naquela suíte, mas não pode proibi-lo de trabalhar, ao menos não com moderação, como Bartholomew tem garantido.

Vê o ônibus se aproximar (...) Os portões automáticos se abrem assim que o motorista aciona a buzina, que é combinada com um controle remoto codificado. Matthew é o primeiro a sair, clicando a saída dos demais e os colegas de profissão lá fora. A bela do sexteto já desce correndo para o abraço. Entram com as bagagens e com o presente dos brasileiros, ainda quentinho, pronto para ser acrescido ao lanche de boas vindas. Anita insiste para que Renata dê as receitas.

Após a refeição, vão para frente do Jose’s Hotel, dão uma canja para os photógraphos e voltam para se ajeitar nos aposentos. É quando chamam Richard à sala de reuniões. Os cinco elementos e suas caras severas começam a preocupar o mecânico. Renata, Matthew, Josephine, Bartholomew e Gregory se entreolham, (...) Renata se adianta...

- Seu Richard, o senhor não sabe o quanto amamos a Patty, certamente nem um décimo do que o senhor e sua esposa a amam, ainda assim é o suficiente para darmos a vida por ela. Por isso, antes de ler isto, saiba que já tomamos providências para a segurança dela.

O semblante do homenzarrão se fecha, tornando-o assustador. Ele lê (...) se mostrando mais irritado a cada parágrafo, a ponto de sua musculatura ficar explícita sob a camisa (...) A carta tem várias insinuações conjugais íntimas e menções de o autor estar disposto a matar a ambos para que terminem juntos. A camisa não agüenta e descostura em várias partes, fora os rasgos nas mangas e costas. Ele termina de ler e levanta, se agigantando ameaçadoramente diante dos outros (...) controlando uma ira que os olhos deixam clara...

- Ela sabe disso?

- Não, só nós.

- Mas terá que saber. Não agora, vamos deixar para depois desta fase da turnê, mas ela terá que saber. Até lá, evitarei sair de perto dela.

- Mon ami, acha mesmo que ela está preparada para isso?

- Sim, ela está. Só não está para se ver nas garras de um pedófilo pervertido. O único cara mais velho a quem eu confiaria minha filha é o Matt, mas ele já tem dona.

Ele sai com cuidado, para a filha não o ver e vai trocar a camisa. Da janela da suíte, ele olha para os jornalistas às grades (...) as multidões agora ganham um tom mais ameaçador do que o costumeiro. Agora pensa em como contar à Patrícia a perda de uma das camisas de que ele mais gostava.

Patrícia encontra o pai (...) malhando pesado. Ele quer é descarregar a raiva nos trezentos quilos que levanta nos alteres, mas não faz parecer. A garota olha para a camisa e lamenta...

- Pai! A sua camisa!

- Heim? Porra! Cara, eu perdi a camisa!

Ela liga para a mãe e fala a respeito. Nancy promete falar com o alfaiate e encomendar outras, pelo menos um número maior...

- Mas, me fala como ele está.

- Uma montanha de músculos. Se der um murro em alguém, será homicídio doloso.

- Wow...

- Hey, Mr. America! C’mon! Talk whit your fangirl.

Mais suado do que tampa de panela, ele faz aquela tradicional cara de sem-vergonha para atender a esposa, como se fosse um galão à sua fã...

- Hello, babe. Do you wanna my kiss?

A paquera descaradamente (...) Patrícia cai na risada, o que chega a ser um alívio para quem sabe dos riscos que ela corre. Decide malhar também, mas com um décimo do que o pai levanta.

Os seis sabem do que Gregory passou e vão prestar solidariedade. Foi um susto grande, mas talvez seja uma fase nova da vida dura que o rapaz tenha ganhado. Ele (...) não é forte, nem ousado, tampouco atlético. Costuma ficar horas sem soltar uma palavra sequer, o recorde foi de quase setenta e duas horas (...) A líder da banda, instintivamente, verifica se ele está tão bem quanto diz...

- Você ainda não está bem. Não deveria estar trabalhando tanto. Jose!

A francesa ouve o apelo da pupila e vai de pronto (...) Quando já estava pronta uma batalha, dispara a rir, vendo que é apenas uma preocupação altruísta da garota...

- Oh, ma pettit chérie! Concordo com você, tanto que estou vigiando de perto este rapaz. Ele tem o mau hábito de não respeitar seus limites e trabalhar além da conta, sabe?

- Ok, Gregory Winston, agora eu falo como a líder do Dead Train. Você está proibido de levantar um grama que seja nos assuntos da banda. Entendeu? Enquanto não se recuperar totalmente, e vejo que isso ainda vai levar um mês ou mais, limite-se ao controle e fiscalização de nossos compromissos, mas nem um milímetro além do que lhe for designado. Fui clara, mocinho? E vamos tratar logo de arranjar um lugar decente para ele morar.

- Woohoo! Bota ordem nessa bagunça, Patty – atiça Rebeca!!!

Em nítida desvantagem de autoridade e estatura, ele consente. O rostinho de anjo dá lugar ao de professora austera, mas não por muito tempo, logo ela se ocupa em saber de todo o histórico do rapaz, que é caidinho por ela e não se declara por acreditar que não tem a mínima chance. Bem, ele e mais cento e setenta e oito mil fãs (...) Sem querer, e rejeitando com veemência a idéia, está se tornando um sex simbol americano. Há até ilustradores criando pin-ups à sua semelhança, por encomenda de editores especializados.

Chega a psicóloga que Josephine prometeu. Uma jovem humanista que precisou abrir caminho à força, porque os psicólogos não queriam dar passagem a uma vagina com neurônios em pleno funcionamento, e ainda hoje buscam na psicoterapia freudiana uma explicação para ela conseguir um nível tão alto de bons resultados (...) os jornalistas a reconhecem, afinal não é todo mundo que anda de Messerschmit vermelho e preto por Los Angeles. O minúsculo carrinho entra na propriedade, a mulher levanta a carlinga e é recebida por Anita, que já foi sua paciente (...) Zigfrida Fälkstaden entra no Jose’s Hotel sendo chamada de “Frida” pela diva...

- Há quanto tempo!

- Há quanto tempo digo eu, madame sumiço! O que houve, pegou alergia a ruivas?

- Non, eu peguei a doença do trem morto, e estou adorando, apesar de tudo. Venha, eles estão na piscina.

Lá fora, sungas e biquínis exibem a excelente forma física que a vida saudável dá aos seus usuários (...) Richard é uma visão tentadora para ela. Se parece com aqueles super-heróis dos quadrinhos que seu irmão lê até hoje...

- Meu Deus! Devo estar na zona erótica do inferno! Tudo isso é para uma mulher só??? Maldita ética profissional a que eu me indexei!

Josephine dispara a rir e denuncia sua presença. Assim que controla os risos, anuncia sua amiga e psicoterapeuta de confiança. Patrícia, o pivô da convocação, se aproxima primeiro, em um biquíni vermelho cereja, que mostra o quão pouco sai ao sol e o quanto a imprensa especializada está perdendo (...) A sueca trata de permeabilizar aqueles garotos e pegar intimidade, para saber (...) o que pode fazer por eles. As personalidades são tão distintas quanto complementares, mas a líder da banda é claramente uma autoridade natural entre eles. Anita chega com alguns biquínis e maiôs para ela escolher, ela escolhe o biquíni vermelho sangue, para combinar com os cabelos.

Apesar de se divertir muito, a psicóloga estuda minuciosamente os oito, já que Richard é o pai da peça chave e Matthew o pretenso consorte de uma peça delicadíssima da banda. Após uma hora, ainda de biquíni, ela vai falar com a diva e com Richard, reservadamente...

- Pode me chamar de Ritchie.

- Que bom! Ritchie, eu notei em Patrícia uma tristeza muito bem disfarçada.

- What??!

- É uma análise preliminar (...) mas ela parece se servir da alegria do ambiente para se alegrar. Pela interação que vi entre ela e os outros, notei tem um certo receio de usar sua autoridade...

Ele a ouve como cientista, analisando cientificamente cada sentença e comparando com o que sabe da filha (...) Com tristeza, mas tem que concordar. A certa altura da conversa, Zigfrida passa a enumerar as qualidades que viu na garota, e é uma lista extensa...

- Eu não posso chamar uma pessoa tão amadurecida de menina. Ritchie, que mulher fantástica é sua filha! Me fale um pouco da infância dela, o que puder lembrar agora.

- Bem, eu ensinei minha profissão a ela. Patrícia é mecânica de automóveis, de mão cheia, como dizem os brasileiros...

- Como?!!!

O gigante explica como usou o ofício que ensinou à filha, para ajudá-la a superar os traumas que teve, especialmente a perda estúpida da avó, que lhe deu suas bases maciças de educação e escolaridade (...) Percebe que ela amadureceu na marra, do melhor jeito que conseguiu. Assumiu responsabilidades grandes muito cedo, se viu líder de uma banda de sucesso internacional antes do que pudesse se prevenir, e autorizada pela agente Star, vulga Jose De Lane, a agente Firehair avisa ao agente Brain que está a par dos recentes riscos que ela assumiu e do que ainda desconhece...

- É um alívio poder contar isso a alguém competente.

- Você não achou que eu fosse confiar nossa jóia mais preciosa a qualquer um, achou, monsieur?

- Ritchie, eu quero falar com vocês três (...) quando voltarem a Sunshadow, eu vou junto, para falar com você, Nancy e sua filha; nós quatro, pelo tempo que for necessário.

- Certo, mas de antemão você pode dar algum parecer?

- Posso dizer que o que quer que ela esteja enfrentando, naquela cabecinha precoce, ainda não está cristalizado e nós podemos ajudar a ter uma cristalização saudável. Ela já tem tensão pré-menstrual?

- Tem, mas controla muito bem.

- Controla muito bem a um custo muito alto, eu acredito. Por hora, vamos dar uma olhada nos seis, porque todos eles estão inseridos nos trabalhos.

Saem até um pouco optimistas (...) mas se deparam, na sala de estar, com uma Patrícia taciturna e compenetrada. Assim que os percebe, ela vira sutilmente a cabeça e os encara com os cantos dos olhos, fazendo aquele olhar que (...) agora estremece também Zigfrida...

- Acabei de descobrir que não gosto de não saber o que falam de mim, se souber que estão falando de mim.

Não diz mais, mas mantém o olhar de reprovação que herdou da mãe. O que têm à sua frente não é uma garota ainda adolescendo, não a face da personalidade que sustenta aquela expressão austera. Ela se levanta da poltrona colonial de estofado escarlate e pede desculpas, mas gosta de sinceridade e pede para não saber das próximas reuniões reservadas, das quais for o tema. Volta à piscina com a mesma expressão de mártir que motivou a escolha da profissional. Esta olha para os dois, que confirmam o que parece estar pensando. Richard até cita um episódio que acabou de lembrar, no dia seguinte à apresentação inesperada...

- “Aprenda uma coisa a meu respeito, eu nunca digo tudo o que sei”.

- Pode deixar, Ritchie, eu vou descobrir quem é a anciã dentro desse corpinho juvenil. Vamos à piscina.

Lá fora, encontram-na mimando Rebeca (...) uma forma de ela se mimar também, atenuando suas tensões internas. Ela não esconde que ama aqueles cinco e que seria capaz do que fosse necessário, para protegê-los. Afagar os curtos e volumosos cabelinhos castanhos da mascote da banda, é um prazer para ela. A sueca vê um instinto maternal (...) como quase nunca encontra em quem diz tê-lo. A cena é tão meiga e carregada de ternura, que ficam todos nas espreguiçadeiras, admirando a integrante mais nervosa se acalmar até cochilar (...) Renata os observa, eles se entreolham e contam o que é prudente contar.

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