O mundo conhece Sunshadow! A estação 32 tem um acervo rico de memórias, hipocrisia e lições de vida. Façam as pazes com seu passado e embarquem, o trem vai partir.
Josephine liga para Patrícia, avisa que
entrarão no avião dentro de alguns minutos, pede que avise aos outros (...) pois farão um sobrevôo para filmagem panorâmica (...) Decidiram desengavetar algumas idéias de filmes sobre
cidades e gente esquecidas, usarão a filmagem da visita como uma degustação. A
cidade é avisada e todos se esforçam para deixá-la um brinco, depois darão um
brilho nos carros e vestirão suas melhores roupas. Ficam os seis em seus
respectivos quintais, à espera do avião.
A aeronave filma primeiro a propriedade de
Fischer, enfatizando o museu. Acabam filmando Richard entregando seis grandes
compressores (...) Seguindo o mapa
que a protegida lhe deu, procura a casa de cada um, para depois filmar a vista
aérea da cidade toda. Rebeca e Robert, gaiatos, são filmados ensaiando no
quintal, com o tempo ainda frio. Em frente, Renata lê O Livro dos Espíritos. Um
pouco mais e flagram Ronald entretendo a irmã, mais um pouco e Enzo é visto com
uma bóia, “nadando” na grama ainda gelada, o que não significa que Patrícia (...) finge que regula um velho e imenso motor
Cadillac V16 ao ar livre, e acaba regulando mesmo. O carro foi abandonado e
repousa sobre cavaletes; ela pensa seriamente em ficar com o sedan verde e
preto.
Partem para o resto da cidade, conferindo
haver mesmo muitos imóveis vazios, pouca gente nas ruas e um ar meio
melancólico. Melancolia, aliás, mesclada ao fascínio que a gigantesca
locomotiva empresta à praça central. Algumas casas e lojinhas ficam quase apagadas
diante daquela 4-4-4-4 reluzente. Mesmo a pomposa prefeitura fica acanhada
diante dela.
Dão uma olhada em outras partes e seguem ao
aeroporto. Josephine olha para sua equipe, especialmente David e Bart...
- E então?
- Típica cidade fadada ao desaparecimento.
Pelo que você disse, a população só tem diminuído com o tempo.
- É o que os garotos temem, David. Eles
esperam que seu prestígio atraia os que foram embora. É uma tentativa válida.
- Apesar disso, a cidade é muito bem
conservada – observa Bart. Estive aqui de noite e parti de manhã cedo, mas não
vi absolutamente nada quebrado ou em mau estado.
- Faz parte do pacto de proteção mútua deles.
Os vizinhos cuidam das casas desocupadas, para evitar o cenário de cidade
fantasma que temos em várias partes do país.
O piloto avisa dos procedimentos de aterrissagem
em Summerfields. Há uma verdadeira horda de jornalistas à espera. Claro que
alguns com permissão para chegar mais perto, como Matthew, que simplesmente vai
com eles a Sunshadow (...) Ele está
fazendo a sua parte, se comportando direito e sendo odiado por uma categoria
inteira, por conta do favoritismo. O avião desce e, em meio à histeria dos fãs,
a imprensa começa seu trabalho. A diva de milhões, musa de gerações, desce do
avião e a gritaria se intensifica. Ela faz algumas poses, aponta para uma fã e
avisa que já respondeu a carta com photographia que mandou, positivamente (...) Sunshadow precisou requisitar
ajuda policial às cidades vizinhas.
Uma caravana segue o ônibus, imprensa e
moradores da região querem ver Josephine de perto, quem sabe até aparecer nas
filmagens. Richard dá uma olhada pelo retrovisor, em uma curva, e perde o fim
da fila de vista. A escolta garante que nenhum imprudente faça a besteira de
brincar ao redor do ônibus, para tentar uma boa tomada. Ela, lá dentro, está
tranqüila, está acostumada a tudo isso. Matthew faz seu trabalho, photographa a
equipe inteira, inclusive Bartholomew, que filma trechos interessantes da
estrada. Passam por uma placa que diz “Entroncamento à direita a 5 milhas”, mas
absolutamente nenhuma menção de que aquele desvio leva a Sunshadow. O Chevrolet
490 Touring 1919 do carteiro (...) aguarda o comboio pouco
depois do desvio, Richard faz um sinal e os policiais o admitem na escolta. O
velho Chevrolet preto segue a calmas 35 MPH (...) Está rodando graças aos préstimos de quem o admitiu na caravana.
Chegam rapidamente à praça central, onde a
Dead Train os espera no dead train. O Chevrolet (...) dá passagem,
indo para o escritório. O Coach chega e estaciona, liberando primeiro Matthew,
que desce photographando, depois Bart, que desce filmando. Gregory fez questão
de vir também, sob a condição de não pegar no pesado (...) Richard desce com a câmera profissional e abre o tripé onde Bart
indica, ele a aciona e só então o povo vai ao delírio quando Jose De Lane desce
glamourosa do veículo, seguida de David Grant.
Apesar de todo o encantamento, alguns
cidadãos começam a se assustar com a quantidade de veículos (...) bem como com a quantidade de estranhos que chegam neles. Sunshadow
nunca viu uma quantidade tão grande de carros e motocicletas, inclusive
veículos grandes, de equipes de televisão(...) são mais de três mil visitantes barulhentos e curiosos com seus mais
de quinhentos veículos. A rua central está lotada.
Josephine pediu e David fica atento a tudo,
inclusive ao mal estar causado pela invasão. Enquanto isso, ela vai para o
abraço, tratando de desfazer a cara de tutora da humanidade que Patrícia tem
feito nos últimos meses. Vão tomar um chocolate quente com o prefeito, no
pequeno empório de Mr. Brook. Ele recebeu o negócio do pai, hoje tem os dois
filhos e os netinhos de companhia. Que criança não gosta de ficar em um
ambiente que cheira a chocolate quente? Os repórteres (...) também
pedem (...) a tutora dos seis dá o recado à líder da
banda...
- Amadurecer é bom, Patrícia. Amadurecer
depressa é péssimo. É como temperar o aço, se esfriar rápido demais, em vez de
temperar ele empena ou até se parte. Não assuma todas as responsabilidades,
deixe um pouco para o prefeito! O coitado deve estar perdido, esperando suas
opiniões para tudo!
- Mas a notícia nos pegou desprevenidos! Você
está vendo a reação do nosso povo (...) Quando
turistas começarem a aparecer, vai ser muito pior!
- Eu sei, mas isso não justifica você pegar a
carga sozinha. Aliás, não deveria nem ter levantado, não é sua função... Ou não
era. Agora as pessoas vão confiar que podem te pedir ajuda em tudo. Terá que
aprender a dar limites!
Eles gravam tudo e Stewart fica atento a cada
palavra, tem intimidade com o assunto. A bronca dada a Patrícia serve para todos
os que tiverem o mesmo número de carapuça. O que ela passa ao público é
verdadeiro, mas também lucrativo, a imagem de mulher sábia e preocupada com
seus protegidos. O carismático Brook está feliz da vida, nunca vendeu tanto
chocolate quente na vida (...) terá
que repor o estoque.
Agora vão ao quartel general da Dead Train, a
casa de patrícia. Não sem antes um pequeno tour pela cidade. Alguns carros dos
anos dez e vinte ainda são vistos passeando pelas ruas, até mesmo um raro Willys
1908 (...) casas do século XIX ainda estão de pé, com
carros dos anos dez ao trinta na garagem, como se tivessem sido congeladas no
tempo. Viram à esquerda e entram em uma rua sem saída, onde mora a líder da banda.
Atrás, registrando tudo e expondo os cidadãos como se fossem seres extraterrestres,
está a imprensa, quase dizendo “Huston, entramos na órbita de Marte”.
Chegam, descem e entram na casa (...) Lá dentro a conversa realmente séria acontece, a
francesa relata os casos desastrosos de crianças que acabaram amadurecendo
rápido demais, em função da carreira. Mostra seu temor em perder uma banda tão
talentosa para o excesso de zelo próprio, inclusive uma moça tão preciosa para
o excesso de responsabilidade...
- Eu sou a agente de vocês, deixem a parte
pesada comigo até vocês terem idade e maturidade combinadas (...) Se bem que eu gosto muito de pedir que vocês moderem, em vez
de ter que puxar as rédeas (...) Quero saber como vocês
estão no colégio.
- Professora Petty Gardner se apresentando (...) Eduarda e eu estamos cuidando desses seis como
não podemos cuidar dos demais. Somos mães, temos algumas prerrogativas com eles.
Infelizmente, talvez tenhamos alguma culpa nesse excesso de dedicação. Eles
foram exigidos como em um colégio interno, principalmente Patrícia.
- Agora eu entendi tudo. Vocês superestimaram
o perigo e subestimaram os garotos. É o inverso do que costuma acontecer, vocês
não fazem idéia do quanto eu tenho que aturar palermas que saíram da escola
achando que teriam tudo na mão (...) Já
sei como tirar a síndrome de mártir de nossa garota, teremos mais conversas com
Audrey, Greta, Hedy e Marlene... Quem sabe encontramos Grace em uma turnê.
Lá fora, cada vizinho que aparece é cercado
por câmeras e microphones (...) Grant aproveita a distração para entregar um recado a Richard...
- Haverá uma corrida em Daytona, neste dia.
Você vai, sob o pretexto de apresentar seus compressores, lá haverá agentes que
reconhecerá por estes sinais; memorize e destrua.
- Alguma emergência?
- Os “outros” estão prestes a deflagrar a
terceira guerra mundial, precisamos de todos os cérebros disponíveis.
- Providenciem um show nos arredores, ficará
mais simples de argumentar.
- Boa idéia. Memorizou?
- Sim, memorizei. De antemão aviso que estão
blefando.
- Também acho, mas o blefe também serve para
se ganhar tempo e terreno.
Encerram antes que a imprensa termine de
atormentar os vizinhos. Josephine e os garotos saem, com Matthew na escolta (...) onde o prefeito os aguarda. Aonde ela for,
as câmeras vão também. Desta vez vão em carros pequenos, com as famílias dos
garotos em seus respectivos. Josephine quer ter uma palavrinha com as meninas
excessivamente orgulhosas de seus irmãos, durante a visita.
A propriedade é ampla, há muito não produzia
mais do que lembranças de uma era áurea. O que era lavoura, hoje voltou a ser
floresta. O comboio chega e preenche quase toda a parte da frente, liberando
câmeras apressadas, que disputam os melhores ângulos e esperam por poses comprometedoras,
mas elas só vêm dos próprios jornalistas... Serve, micos de colegas dão boas
páginas de humor.
Adentram no museu, com Fischer ciceroneando e
Daniel explicando cada fase da história da cidade. A primeira parte é apenas
documental (...) quase nada sobrou de então. Alguns
photógraphos têm a dignidade de registrar um pouco do acervo, a maioria
absoluta se contenta em paparazziar (...) Patrícia mostra sua
avó, ainda menina, em um dos quadros, a semelhança é gritante. Alguns
repórteres chegam a perguntar se não é ela mesma em uma montagem, ela ri...
- Não... Eu sou bem mais alta do que ela era.
- A sua relação com ela...
- Ela era mãe de minha mãe e mãe da neta
também. Foi ela quem me deu minha formação escolar básica. Aliás, a quase todos
os adolescentes de Sunshadow de hoje (...) Severa!
A voz começa a embargar, mas ela sorri. Fica
esclarecido, nas cabeças deles, o grau de erudição dos integrantes da banda;
uma educação rígida, sem qualquer facilitação, pelas mãos de quem viveu as
épocas mais duras do país. Nem fazem idéia de o quanto Naomi era carinhosa com
seus alunos. Para os fãs é uma informação preciosa (...) Seguem
para os depressivos anos trinta, que viram a população da cidade despencar como
nunca mais (...) de 1934 a 1939 não
houve um nascimento sequer, mas a taxa de mortalidade foi alta. A população
decresceu um terço de uma só vez.
Seguem entre imagens, manequins e objectos de
época, até chegarem a um ponto onde Josephine para repentinamente, absorta e
maravilhada. Ela reconhece Nancy e Richard com um bebê em uma photographia,
então deduz que...
- Patrícia! C’est vous?
- Oui, cet enfant c’est moi – responde meiga
e encabulada.
Todo mundo se aglomera para ver a líder do
Dead Train em seus primeiros dias de vida. Não conseguem acreditar que aquela
criança, que mal tinha o tamanho do antebraço da mãe, hoje seja aquela moça
enorme. A diva fica absolutamente encantada com a imagem. A própria Patrícia
lhes mostra mais photos de família (...) Mas fica taciturna
quando mostra a última que tirou com a avó. Não chora, apenas fica com o
semblante pesado. Não faz questão de esconder o que aconteceu (...) para dar recados sutis. Alguns dos repórteres são profundamente racistas,
ficam em saias justas, sem ter mais como fazer algumas perguntas (...) Josephine começa a compreender coisas que não lhe tinham sido
contadas.
Não há um evento extraordinário a ser
contado, além de terem perdido todos os homens que foram à guerra. A história
da cidade é contada por gente comum, sem status, sem prestígio e sem projeção;
pelo menos até os seis decidirem formar uma banda. Nancy trata de desfranzir o
cenho da filha, segurando-lhe o rosto e olhando bem nos olhos. A faz lembrar da
promessa que fez à avó, em voz bem baixa, para só as duas ouvirem.
Há uma pequena seção dedicada à época em que
a ferrovia ajudava a manter a cidade (...) Fischer pretende incluir ao menos um trem,
em breve, está procurando algum que valha os custos do restauro. Ainda assim o
museu feito às pressas superou as baixas expectativas dos visitantes. Voltam
para a cidade para uma despedida, mas também para resolver um problema ainda em
estágio embrionário. Josephine pede para falar em particular com Lucille,
Marina e Victória. A biblioteca de Patrícia é propícia e oferecida...
- Vocês três não negam o parentesco com seus
irmãos, também se empolgam com muita facilidade. O que acharam desse evento de
hoje?
A empolgação salta aos olhos (...) A diva deixa
esvaírem o entusiasmo, sem o quê seria inútil explicar o que tem a dizer. A
tagarelice não dura muito, ainda mais para quem teve que ajudar a cuidar dos
sobrinhos e filhos de colegas. Quando o repertório termina, ela começa...
- Todas essas pessoas que estavam aqui,
filmando e photographando, não vieram porque gostam de seus irmãos (...) Eles vieram porque é lucrativo
expor as vidas deles e de suas famílias, incluindo as suas, para gente que está
menos preocupada com o talento do que com o quanto as gravações podem lhes
render. Se eles tiverem a chance de arruinar a carreira de seus irmãos, o
farão, porque teriam muito a ganhar com isso. Não se iludam com a conversa
macia e agradável que porventura lhes dirigirem, é fácil fingir simpatia quando
se tem um objectivo firme em mente. Se não conseguirem nada com vocês, eles vão
procurar seus amigos e colegas (...) são capazes de pegar uma simples discussão e alardear que eles estão
se separando da banda. Têm idéia de o quanto isso seria prejudicial? Imaginem
tudo o que seus irmãos estão suando para conseguir e dar a vocês, pois agora
imaginem se tudo isso acaba de uma vez, de repente, sem que eles tenham feito
nada de errado. Há muita gente no meio daqueles jornalistas que não tem uma onça
de escrúpulos, que não hesitaria em destruir a Dead Train apenas para ter a
manchete do ano (...) estão todos aqui
por interesse profissional, é por isso que precisamos tanto do Matthew, ele
conhece todos os truques e todos os lobos em pele de cordeiro desse meio. Se
prezam por seus irmãos, evitem dar conversa para estranhos. Não dêem
informações pessoais, não aceitem companhia, não aceitem presentes de espécie
alguma. Estou pensando em levar vocês para verem um dia de trabalho deles (...) O que vocês vêem pelas mídias é dez por cento do
trabalho, todos os noventa por cento restantes são chatos, cansativos, dão sono
e até irritam. Seus irmãos não são meros cantores, pettit fleurs, eles são empresários,
tem muita gente que depende do trabalho deles para sobreviver, cada show não
emprega menos de trezentas pessoas; e já temos vinte agendados para este ano.
Seus irmãos chegarão em casa cada vez mais cansados, mais desejosos de sossego
e uma noite bem dormida. Por isso eu peço que sejam discretas, evitem contar
para amigas tudo o que se passa em casa e tudo o que sabem que eles fazem, até
porque o que eles fazem não é exactamente o que vocês pensam. A música é só uma
das muitas atribuições de seus irmãos. Esta semana será a última de folga que
eles terão por meses (...) e mesmo assim
eles terão que dar conta do currículo escolar, porque o contracto observa o
desempenho acadêmico, que conta pontos na carreira.
Não é dura com as meninas, mas é crua (...) para convencê-las a (...) não saírem
falando tudo o que os seis tiverem feito. Elas não imaginavam que fosse tão
duro, já que as revistas fazem parecer que eles encontram tudo pronto (...) Lá fora, Enzo e Ronald andam de um lado para o outro,
imaginando se Josephine estará sendo dura demais com suas irmãs. Não conseguem
ouvir cousa alguma (...) pelo barulho dos
visitantes. Elas saem. As três não estão cabisbaixas, emburradas e nem
lacrimejando, há até uma discreta festividade. Vão para os irmãos e Josephine
dá a missão por cumprida. É hora de voltar para Los Angeles e estudar o que
conseguiram.
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