domingo, 9 de setembro de 2018

Dead Train in the rain XXV

   O que adoça também pode amargar. Ter o respeito dos temidos não assegura o respeito dos temerosos. A estação 25 traz um balde de água fria para quem pensa que o estrelato é um chão aveludado. Mantenham seus pés no chão, porque nossa viagem está só no começo.


Vão a uma avenida movimentada, experimentar ao vivo a reação do público. Um dia terão que enfrentar isso, então o fazem em uma cidade acostumada a encontrar estrelas. Nos primeiros cinco minutos, tudo normal; autógraphos, photographias, tietagem e promessas de que logo gravam o disco. Ouvem algumas de suas canções pelo rádio, as emissoras conseguiram permissão para reproduzir o que eles cantaram no talk show.

Ouvem um estrondo de motores se aproximando, as pessoas ficam apreensivas e os garotos se viram para trás, quando Ronald reconhece alguém...

- Eu não acredito...

- E aí, conde! Lembra da gente?

- Chuck, seu safado! Quanto tempo!

- Ele lembra, galera!!!

Se abraçam e os outros motoqueiros fazem um montinho (...) São os mesmos que ele encontrou em uma das viagens de preparação da banda. Ronald chama os populares e os amigos, e apresenta a turma liderada por veteranos de guerra. Os paparazzi adoram, mas mantém distâncias seguras (...) Patrícia usa um telephone público, o que também rende photos, e avisa o pai a respeito. Quando os adultos chegam, os seis já ganharam blusões dos Street Warriors e um deles grita...

- Meu Deus, eu não acredito! Jose De Lane!

Era só para eles treinarem o contacto com o público, mas as amizades que fizeram ainda na incubação, estão rendendo frutos muito doces. A diva já fez o papel de uma motoqueira solitária errante. Foi aceitando papéis que as veteranas recusavam que ela fez sua fama, dando carisma a personagens que tinham tudo para ser uma bomba. Ronald em especial (...) ganhou o respeito de um tipo de gente que as pessoas normalmente temem e evitam, ao ser receptivo ao reencontro. Os motoqueiros avisaram, por tabela também aos cidadãos, que há muitos bandidos se aproveitando da agilidade de um grupo sobre motocicletas, para praticar crimes dignos das atrocidades da guerra, que não acreditem em tudo o que lerem e ouvirem, muito menos dos advogados. Os rebeldes são convidados para uma visita à casa de Josephine. Dezesseis motocicletas saem em comboio, atrás de dois Cadillacs e um Rolls Royce. Pelo rádio eles ouvem a notícia do evento. Quando chegam à mansão, há uma horda de repórteres especializados para cobrir a visita (...) e o fim de semana ganha um brilho especial; brilho de Harley Davidson e jaquetas de couro. Rebeca já avisa que vai querer uma motocicleta preta enorme, toda customizada, quando tiver idade para dirigir.

O retorno a Sunshadow é festivo, mas todos querem descanso. Nunca pensaram que a fama daria tanto trabalho. Com eles vão Matthew e um representante dos estúdios, com documentação pronta para os outros pais assinarem. Rebeca e Robert mal podem esperar para contar a surpresa aos pais.

Esperam deixar a vida de celebridade para trás por alguns dias, embora Josephine tenha alertado que agora é que a experimentarão de verdade, para o bem e para o mal, na escola. Terão que se esforçar mais do que os outros, que se comportar melhor do que os outros, que fazer por merecer mais do que os outros, para que seu desempenho escolar não seja posto sob suspeita.

É uma choradeira desatada (...) Norma e Robert choram abraçados aos filhos. Nunca imaginariam que dois garotos dariam a seus pais uma casa, com o primeiro cachê. Sabem aquela sensação de pais que percebem que foram bem sucedidos na criação dos rebentos? É o alívio que os dois sentem ainda longe da velhice (...) Se mudam no mesmo dia, com mobília também nova.

&

De volta à rotina, ou quase. Os seis chegam ao colégio como se fossem agentes uniformizados do governo, todo mundo olha, aponta, comenta, mas ninguém chega perto. O rádio de um La Sale coupé verde toca “Bla-bla-band”, uma das (...) que mais lhes rendem desafetos, porque muita gente famosa vestiu a carapuça, não só cantores. Vão para a sala de aula, dar seguimento à vida civil.

A sala de aula fica repleta de burburinhos, Helen Ross precisa intervir a todo momento, mas sabe quem são o motivo. A solução que encontra é fazer grupos (...) cada integrante da banda em um, para evitar que acreditem em favorecimentos. Dá resultados, mas não todos os que ela esperava. Renata e Ronald experimentaram uma pequena e cruel hostilidade subliminar, como se ela ser estrangeira e ele ser negro fossem deméritos para a fama que conquistaram. Só Rebeca ficou mais ou menos tranqüila, porque rosnou na primeira tentativa de hostilidade...

- Sem ofensas, mas vocês já são famosos, o que estão faz...

- Grrrrrrr!!!!

E o colega se calou instantaneamente, engolindo seco.

Não houve prejuízos para o resultado acadêmico, pelo contrário, as notas ficaram um pouco acima da média, mas a reação da turma a preocupou. Helen chama, no intervalo, as professoras mães de duas deles...

- Eu não acredito no que estou ouvindo...

- Ter inveja é aceitável, mas hostilizar a Renata por causa disso?!!

- Ouçam, eu fiz esse teste justamente porque conheço a biographia de Jose De Lane, sei como ela sofreu na escola até a conclusão do doutorado. Decidi fazer um teste para observar os efeitos em situação controlada (...) a maioria foi hostil. Eu temo que eles não possam continuar estudando aqui, pelo menos não do jeito que as coisas estão.

Eduarda e Nancy se olham. A americana vai avisar Josephine do ocorrido, mas de resto não sabe o que fazer, além de endurecer em sala de aula (...) Lá fora, os seis recebem a solidariedade dos poucos colegas que não se deixaram dominar pelo despeito, mas estes acabam sendo taxados de aduladores. Ninguém está engolindo que a turma de Vai Quem Quer tenha conseguido tanto prestígio e sucesso, que seja amadrinhada pela diva de milhões e musa de gerações, que já seja amiga da elite do cinema americano, que já tenha mais para contar aos netos do que seus avôs têm para lhes contar; que tenha levado a termo o sonho que acalenta, em vez de ser o que os outros esperavam que fosse e se contentasse com a vida medíocre da sala de jantar com televisão.

O director Lawson chama as mães (...) Se desculpa, em primeiro lugar, pedindo que não saiam do colégio e não tirem dele seus filhos, por causa do mau comportamento dos colegas. Elas sabem que há um certo interesse, que o colégio tem a ganhar com seis celebridades em seu corpo discente, mas Nancy o tranqüiliza...

- A culpa não é do colégio, Mr. Lawson. É dos pais de delegam à escola o trabalho que é deles, o de educar seus filhos. O que eles fizeram na aula da Helen, foi o que aprenderam em casa.

Nem desconfiando disso, Richard testa as máquinas-ferramenta que encomendou (...) Fischer já tem contactos com corredores profissionais de arrancada. De quebra, poderá fabricar muitas peças que hoje já são raras, dando sobrevida aos muitos carros das décadas de dez e vinte, que ainda circulam pela região graças aos seus préstimos; inclusive, recentemente, o Ford A Phaeton 1929 dos Tamasauskas.

Reunião de emergência na casa de Patrícia. Josephine já foi avisada e Richard está furioso, mas não mais indignado do que os nobres e os brasileiros. Matthew só saberá quando voltar de New York, onde está ajudando na próxima edição da revista (...) Tratam de acariciar seus rebentos (...) Por agora, apenas orientam os seis a permanecerem juntos e só darem conversa aos colegas que os respeitaram, qualquer coisa mais que façam agora, sem motivação prévia, será carniça para os abutres da imprensa.

Richard chama a filha para ajudá-lo na peça-piloto do maquinário novo. Eles vestem os aventais, luvas e óculos, ela prende o cabelo, ele pega um pesado bloco de liga de alumínio extrusado e a prende em uma plataforma móvel do torno, que tem na placa uma enorme serra-copo (...) A tarde inteira é dedicada à usinagem grossa do equipamento. Patrícia pega seu paquímetro e ajuda a conferir as medidas. Atuar como mecânica ajuda a esquecer, ao menos um pouco, o desgosto que ser artista lhe deu. Vão à fresadora, para adiantar o serviço de amanhã (...) À tarde fará os testes dinâmicos.

Funcionou, a moçoila dormiu bem após o trabalho pesado. Claro que a trilha sonora do trenzinho ajuda muito. A mesma sorte não tem Renata, que ainda tem na cabeça a insinuação de que ela transou para conseguir a fama. Foi tudo muito sutil, tanto quanto cruel. Ronald está decidido a virar a página, selecionar naquele ambiente quem merece ser seu amigo. Enzo nunca sentiu seu sangue calabrês ferver, até aquele momento. Robert está dengando a irmã, a flagrou treinando com facas ao alvo (...) Entre os seis impera a decisão de usar o trabalho artístico para ajudar a virar esta página.

Krumb liga para Richard. O agente duplo tinha sido cercado em Praga e fez um refém, que para seu azar era um terrorista suicida (...) poupando os agentes da CIA e KGB de sujarem suas mãos (...) Irônico como após assassinar quase cem reféns, foi morto justo pelo último deles. Aproveita para perguntar como vão os garotos, e ele conta do incidente no colégio...

- Eu lamento muito, Richard! Muito mesmo, mas os garotos vão ter que aprender a lidar com isso, terão que amadurecer depressa.

- Eu sei. O mais chato foi com Ronald e Renata, a menina mais doce que eu já conheci na vida!

- Começo a te dar razão nos seus prognósticos. Uma época negra espera pela América.

- Quem mais pensa assim?

- Fora aqueles idiotas alienados do congresso? Todo mundo.

- Idiotas eleitos por outros, sejamos sinceros.

- É, por nós. Eles não saem do nada (...) saem do nosso meio mesmo.

- Mas quando vejo as alternativas... Se eu fosse teísta daria graças a Deus pelo que temos.

- Rá, rá, rá, rá, rá, rá, rá, rá... Eu também!
A conversa consegue descontrair o mecânico.

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