Dead Train in the rain XXXIV

   O fanatismo manda recado. A estação 34 mostra por que as embalagens de xampu têm instruções de uso. Raciocinem por conta própria e embarquem, o trem vai partir.

Silvia e Enzo se despedem (...) Ela (...) trouxe uma pequena pharmacia, curativos e soube o que pôde sobre o que ele vai enfrentar durante a jornada. Os outros cinco fazem todas as gracinhas que podem (...) No caminho, Matthew já alerta os seis que o novo romance já está na boca do povo, que todo mundo vai perguntar a respeito e toda especulação possível será feita. O sucesso ainda está alguns passos à frente da banda, mas bem mais perto do que no início.

Desta vez serão preparados para administrar uma ascensão abrupta (...) No aeroporto os fãs cercam os seis e despejam sua tietagem, enquanto Richard é abordado por uma moça negra, que limpa o chão...

- Tem um chocolate, moço de cima?

- Sim, tenho, estátua de ébano. Tome logo dois.

- Prazer em conhecer, Richard. Daytona foi confirmada na data combinada (...) E obrigada pelos chocolates, estava mesmo com fome.

- Eu que agradeço, agente. Bom trabalho.

Ele consegue fazer um trabalho estressante, como o de agente secreto, ser bem mais agradável. Não precisava ser literal, mas achou de bom tom ser cavalheiro (...) Sabe-se lá o que espera por aquela mulher, nas próximas horas? É bom que tenha uma reserva de energia disponível. Ele volta para os garotos e é alvo dos olhares da filha. Ele olha ao redor, volta a olhar para ela...

- Vamos conversar, quando chegarmos a Detroit?

- Sim, vamos.

Ela não pode ter ouvido cousa alguma, até porque não falaram cousa alguma. Mas ela perceber que há segredos, o preocupa muito. A voz feminina avisa para embarcarem.

Detroit os espera com mais ânimo e menos frio do que no primeiro show, os fãs se espremem para tentar ver a banda descer do avião, uma cena que se tornará comum. Quando Richard aparece à porta da aeronave, a gritaria toma conta do aeroporto, se intensificando quando Patrícia se mostra em seu tailleur azul. Matthew está lá em baixo, photographando (...) Aproveita e clica também as faixas carinhosas dos fãs, agradecendo com gestos (...) Entram no ônibus e Matthew continua clicando a banda e seus fãs, gastando rolos de filme. Conseguiu uma flange para agilizar a troca, em que o filme fica pronto, no ponto (...) é só tirar uma e colocar a outra.

No hotel, Patrícia pede para ter alguns minutos de privacidade com o pai. O olhar daquela menina intimida, mas ele mantém a altivez. Eles entram na suíte e ela o encara, ele se adianta...

- Eu não vou mentir, mas algumas coisas eu simplesmente não posso dizer; não hoje.

- Jura então, pela minha vida, dizer somente a verdade?

Ele põe a mão esquerda no peito e a direita em posição de sentido...

- I do.

- Você está envolvido com algo errado?

- Não.

- Há outra mulher? Dívida? Se meteu em alguma encrenca séria?

- Não exactamente uma encrenca, mas sim.

- Aquela mulher da limpeza do aeroporto sabe de algo?

- Sim, sabe.

- Você ou algum de nós corre risco de morte?

- Enzo corre.

Ela fica gélida, com o coração disparado. Olha para a porta, como se pudesse enxergá-lo através dela, volta a olhar para o pai e continua...

- Há algo que possamos fazer?

- Não, infel... Na verdade há sim. Não deixem ele sozinho sob hipótese alguma. Se tiverem que sair, me avisem a cada meia hora ou a qualquer evento estranho, o que ocorrer primeiro.

- Pode me contar mais alguma coisa?

- Não, por enquanto não.

Ela fica sóbria e meditativa por alguns instantes, como uma mulher madura em uma situação grave. Se pergunta em pensamento, se a verdade sobre a mudança de Laura e Silvia para Summerfields, teria algo a ver com esse risco de morte. Olha severamente para o pai e começa a se desmanchar (...) e ela desaba nos braços dele...

- Não vai acontecer nada a ele, eu não vou deixar. Nem a ele, nem a nenhum de vocês.

Acolhe a filha chorosa até o choro cessar (...) Pede sigilo, não só por conta da natureza do evento, mas também porque seria um sofrimento inútil para os demais. Permanecem em silêncio por quase meia hora, até ela estabilizar e o rubor passar. Passa em frente à suíte dos garotos, a porta está aberta, lança um sorriso e eles acenam. Vai ver onde as meninas estão (...) Passa a ignorar os paparazzi mal disfarçados, os olhares de desconfiança, até tolera mais o assédio dos fãs; tudo isso perdeu importância (...) Não sabe exactamente no que o pai está metido, confia nele, mas teme que seja grande demais para suas forças. Encontra Rebeca e Renata olhando algumas batas curtas, frescas e confortáveis, a convidam a experimentar.

Uma ligação para Grant, para avisar do ocorrido...

- Não se preocupe, você não contou absolutamente nada de nossa operação.

- Mesmo assim. Ela me observou esse tempo todo e deduziu muita coisa. Ela tem consciência de que algo grave está acontecendo.

- Talvez tenha sido melhor. Embora Jose a tenha aconselhado deixar a sisudez, é útil que ao menos um deles fique alerta... Mas ela vai precisar mais do tratamento psicológico que estamos providenciando.

- Eu sou adulto e calejado, absorvi bem essa vida dupla, mas Patrícia ainda é uma garota, ela pode ficar neurótica.

- Nós sabemos, Ritchie, nós sabemos. Todos nós gostamos muito dela, todos nós vamos ajudar.

Consegue tranqüilizar o mecânico. É muito mais do que instinto paterno, a filha foi sua tábua de salvação, a retomada de sua vontade de viver. Não está fazendo absolutamente nada de errado, pelo contrário, mas tudo o que está fazendo é muito arriscado (...) a vê subindo com as outras, com peças de roupas nas mãos, que pretendem utilizar no show de amanhã. Vão à suíte e colocam as peças nas camas, são muito coloridas, com estampas indianas e florais nas margens. Escolhem as que usarão na coletiva e guardam as outras. Usarão camisas finas com elas por cima.

&

O primeiro protesto. Grupos ligados ao pastor que levou uma bifa de Richard, cercam o hotel, exigindo a expulsão dos “satanistas que infectam Detroit”. Chegam a afirmar que o nome da banda é uma confissão de que servem ao demônio (...) Não se trata apenas de protestar, eles constrangem hóspedes e funcionários, que são a todo momento convocados “Em nome de Deus” a enxotarem os pecadores de uma cidade de famílias decentes. A banda podre da mídia se aproveita, um paparazzo disfarçado berra que uma deles é oriunda da “Sodoma e Gomorra” moderna chamada “Brazil”, que veio à América para seduzir os jovens à perdição, com suas curvas generosas e sensuais. Dá resultado, os fanáticos começam a jogar pedras no hotel e a polícia é chamada a intervir. Trinta são presos (...) os garotos são mantidos longe das janelas até o tumulto passar, só ficando Matthew responsável por vigiar.

Em uma escola próxima dali, um grupo de alunos aproveita o intervalo para combinar a ida ao show, todos juntos, quando uma professora chega para jogar água fria no entusiasmo...

- Eu acho que eles estão bem, mas o bando de... De fanáticos depredou a fachada do hotel. Eu não sei o que está acontecendo com a América, garotos, mas eu acho que não vou gostar de viver para ver os resultados de tudo isso.

Após as aulas vão (...) para o hotel (...) Matthew desce para falar com eles, seleciona um casal para ver (...) que estão bem. Assustados, mas bem. Patrícia só tem em mente proteger Enzo. Ela vai à sacada, finalmente liberada, e vê os estudantes lá em baixo. Olha para o pai, ele consente e ela chama os outros, Rebeca assobia alto, eles olham para cima e a histeria começa. Olham para trás e vêem os estudantes que puderam subir. Eles ficam trêmulos...

- My God...

- You’re real!

Ronald faz um sinal para que fiquem à vontade e eles choram, depois correm para os ídolos (...) a polícia fica atenta para evitar qualquer acto indesejado. Patrícia já parecia alta pela televisão, ao vivo e de perto é enorme. É um alívio e uma grande ajuda para a coletiva de logo mais, que o grupo é convidado a presenciar.

A coletiva corre com tranqüilidade, mas os jornalistas não podem deixar de tocar em dois assuntos delicados (...) Patrícia conta a história de quando apresentaram o projecto de ciências, afirmando com surpreendente serenidade suspeitar quem seja o mandante de tudo aquilo.

Os jornais não perdoam (...) o Dead Train foi hostilizado de um modo que o país jamais tinha visto, levando os pais dos garotos quase ao desespero, e precipitando uma viagem sigilosa de Josephine a Detroit (...) Atenuam os efeitos do ocorrido, o comportamento dos garotos na coletiva e os estudantes que foram apoiá-los, mas os seis sabem que foi grave. A diva chega bem tarde da noite, em trajes típicos da mais alta sociedade, para não ser reconhecida. Richard os espera e os leva para as suítes. Vê os seis dormindo pesadamente, após o dia tumultuado...

- Vocês conhecem mesmo o suspeito?

- Conhecemos. Eu mesmo dei uma taca no infeliz, quando ele tentou agredir minha filha.

Ela olha para Enzo e lamenta profundamente o preço que esse romance pode lhe cobrar. Volta à suíte ao lado e vê Patrícia entre Renata e Rebeca. Já não pode simplesmente pedir que ela relaxe e deixe acontecer. Saber do risco já neutralizaria o conselho, saber e não poder contar ao rapaz é como segurar a urina por horas. David se aproxima com a chave da suíte que dividirão (...) Pergunta sobre como estavam antes de irem dormir, se estarão mesmo aptos ao show de amanhã, como os pais reagiram em Sunshadow e leva a bagagem aos aposentos. Conversarão mais amanhã cedo.