terça-feira, 18 de setembro de 2018

Dead train in the rain XXXIII

    Amar é perigoso. A estação 33 mostra que não é preciso intencionar para cruzar o caminho de alguém. Embarquem e cuidado com quem se senta ao seu lado, o trem vai partir.


Um pouco de sujeira, alguns trechos do jardim da praça para recuperar, mas nenhum dano real (...) Sunshadow está inteira, mas seus cidadãos ficaram receosos, alguns até aterrorizados (...) Daniel Stewart terá mais trabalho do que imaginou, até a ferrovia voltar a funcionar, para isso conta com a ajuda providencial de Matthew, que inclui em sua matéria algumas reclamações e recomendações (...) Alguns cogitam fazer cursos para receber os visitantes, outros simplesmente se trancar em casa, quando aparecer algum forasteiro.

The Dead Train começa a montar instrumentos e aparelhagem na praça do trem morto. Ninguém foi avisado (...) Eles decidiram dar uma ajuda à cidade, discutiram por algumas horas e decidiram o que fazer. Compuseram uma canção simples e vão cantá-la para seus concidadãos em primeira mão. Rebeca fará o vocal principal. Testam tudo, olham a praça se enchendo e Patrícia anuncia...

- Fizemos uma musiquinha para vocês, esperamos que gostem; Just knock on a door.

Enzo começa com um solo animado de violão, estilo mais ou menos country, logo seguido dos outros instrumentos, então Rebeca entra...

- Only need knock on a door and you can entry in my home. Do not mess with my polished floor there is anentrance matting. Do not play the Wolf scaring the three pigs...

O povo se anima e começa a dançar. A canção é alusiva ao temor que a população demonstrou (...) a letra é uma parábola que dá bem o recado. Decidem incluir a faixa no próximo álbum.

Nancy é avisada e deixa Richard vigiando o bolo de chocolate com nozes, vai ver o que os seis estão aprontando. Na praça, vê o povo pedindo bis, e então ouve a obra inteira. Pede o telephone emprestado ao Mr. Brook e liga primeiro para Josephine, depois para Matthew. A diva cai na risada e o assessor de imprensa pede que ela dê detalhes, para colocar na coluna antes de mandar rodar. Renata tem uma inspiração relâmpago e pede que os amigos simplesmente acompanhem, antes que se esqueça, já que não trouxe um bloquinho para anotações...

- Good evening, good life. It’s time for up and prepare for the night...

Uma canção romântica, que os outros tratam de acompanhar de improviso. O que seria apenas uma boa lição para o sunshadower, se torna uma festa só para a cidade. Assim que terminam, tratam de anotar e cifrar imediatamente a canção. O efeito terapêutico foi conseguido, o sunshadower (...) vai se preparar para os turistas vindouros. Só o que se perguntam agora é “Onde vamos hospedar essa gente?”. No começo, algumas casas podem se transformar em pensões, mas a preciosa privacidade da população não toleraria isso por muito tempo (...) Nancy se lembra do antigo patrão e seu enorme espaço vazio, (...) Propõe que ele construa um pequeno hotel no lugar, que é bem arborizado, bem arejado e próximo da praça, a menos de uma milha da prefeitura...

- Você acha que compensa?

- Eu tenho certeza. Já conversei com o Daniel, ele vai providenciar placas informativas para a rodovia, inclusive informando que aqui tem um posto de gasolina. Não fosse a gente, Jose De Lane ficaria horas na estrada, sem saber que há um posto perto de onde a encontramos.

- Ah, isso é verdade... Pelo menos os caminhoneiros ocupariam alguns quartos... Vou consultar gente que trabalha no ramo. Thanks, Nancy.

Novamente a falta de burocracias agiliza tudo. Sete placas são colocadas nas proximidades do desvio para a cidade em dois dias, para o alívio de caminhoneiros cansados. Enquanto não houver uma pousada, estacionam na relativa segurança do posto e dormem na boleia mesmo. Seis param na primeira noite, e a lojinha de conveniência logo precisa se transformar em restaurante. O faturamento quase dobra por causa de sete singelas placas de trânsito, que informam que a cidade existe (...) de manhã, com o cansaço debelado pela primeira refeição, é que os caminhoneiros se dão conta...

- Peraí... “Sunshadow”???

- Nós estamos em Sunshadow???

Sim, eles estão em Sunshadow e decidem dar uma esticada até a cidade, enquanto os brutos recebem serviço completo. É realmente muito pequena, e a locomotiva é realmente muito grande. Não vêem os garotos, eles estão no colégio, mas ficam sabendo das músicas novas. Se abastecem com mantimentos e voltam ao posto, têm prazo para chegar a Vancouver.

No colégio, a novidade é a sinalização na estrada. Já tinham se acostumado a adivinhar a distância até o desvio para Sunshadow.  Silvia vai de encontro aos seis, para saber de novidades...

- Mas já?

- Já, Silvia. Na sexta-feira viajaremos para Detroit, de lá para Saint Paul, San Francisco, Los Angeles, Phoenix e Santa Fe. Voltamos e descansamos por uns dias, depois pegamos a estrada de novo – explica Patrícia.

- E o colégio? Vocês vão perder muita matéria!

- No – retifica Rebeca. Levaremos uma lista de exercícios que deverão estar prontos, quando voltarmos. Look this.

Ela mostra um calhamaço que cada um deverá estudar e resolver, nas horas vagas. A moçoila (...) começa a sentir pena deles...

- Oh, guy... Por que esse massacre? O que vocês fizeram de tão grave? O semestre inteiro?

- O semestre inteiro, gatinha.

Todos olham para Enzo (...) e começam com a algazarra. Silvia fica quase da cor do vestido, esperando que os alunos que observam a farra não tenham ouvido. Ela se atreve a fazer uma pergunta, apesar do risco e dos sorrisos escancarados...

- Vocês têm algo marcado para Dallas?

- Yes, pretty Silvia – responde Rebeca, em tom malicioso. O que quer de lá?

- Se não for incômodo, poderiam levar um pacote para a minha avó?

- You’re from Texas, girl?

- Sou, mas vim para Summerfields antes dos dois anos.

- E então, Romeu, vai levar a encomenda da Julieta?

Rebeca, folgada, não perde a chance de cutucar e atiçar. Soa o sinal e eles vão para a sala de aula, mas os dois não escaparão a mais gozações por causa disso. Aliás, contam à Mamãe Urso esperando pelas lições de moral, que vêm sem dó...

- Enzo – diz Nancy – você conhece a vida de Silvia?

- Só dentro do colégio, Mrs. Petty Gardner, mas acredito que ela seja uma boa moça.

- Ela é um doce, mas não se trata disso. Você sabe dos problemas que ela enfrenta com a mãe? Sabe que o pai dela se recusou a reconhecê-la e por isso a mãe foi expulsa de casa?

Ele fica perplexo, depois furioso (...) e faz uma cara de quem vai esquartejar alguém...

- A avó dela expulsou a filha de casa, mesmo sob protestos do marido, hoje falecido. Só que sua colega não sabe disso, pensa que a mãe é viúva e se mudou para esquecer a tragédia. Ela manda cartas para a avó todos os anos, mas é a própria Laura quem responde, não a mãe dela.

- Isso não vai ficar assim – responde em tom grave o rapaz. Não vai mesmo! The telephone, please... thank you, Mrs.

Não entra em detalhes, mas avisa à família que está interessado em uma garota e quer apresentá-la (...) Quando chega, o clima de indignação contamina a casa inteira. Maria avisa ao filho que os levará amanhã ao colégio, quer conhecer a garota. Liga para Richard e avisa que assumirá a Suburban no dia seguinte...

- Claro, Maria. Algum motivo especial?

- Vou conhecer minha nora.

- Ohooooo!

No dia seguinte, chegam mais cedo e a calabresa fica até as duas chegarem. Chegam a pé, pois não têm carro (...) Laura trata de cuidar muito bem da filha, que jamais foi vista suja, amarrotada ou com uma roupa desgastada...

- Ma che bambina piú bela, Enzo!

- E non c’e, mamma? E hai un buon cuore. Ciao, signora...

Esqueceu de falar em inglês, mas logo se retifica e cumprimenta a mulher atônida, de traços finos e longas madeixas louras. Conversam descompromissadamente até Maria dar um ultimato ao filho...

- Enzo, esta é uma ragazza fina. Respeite-a, se quer namorá-la!

- Cosi sará, mamma. Senhora Carter, me permite namorar sua filha Silvia?

Lágrimas. Ela fica sem palavras, como a filha. Uma das maldições que a mãe lhe mandou se quebra, disse que “Nenhum homem decente vai querer essa bastarda”, pois eis que um ídolo da música a quer. Ela abre um sorriso do tamanho do Texas e consente, e a garota pula para abraçar o namorado. Nancy chama os sete para dentro e deixa a amiga cuidar da texana. Maria lhe oferece carona até o trabalho, quer conversar com ela sobre o que soube...

- Onde???

- Trabalho em um posto de gasolina, poucas milhas antes de Lansing.

- A distância é enorme! Dá quase uma hora de viagem!

A conversa se dá de forma austera (...) Laura acaba desabafando tudo o que tinha preso na garganta, nestes quatorze anos em que cuida sozinha da filha. No colégio, Enzo faz questão de confirmar e dar fé, está namorando Silvia e exige respeito para com ela. Os olhos dela até somem no sorriso. Nos intervalos ela assiste de dentro às conversas da banda (...) em Sunshadow, a neta de mafiosos trata de tópicos correlatos. Conversa com o dono do posto, busca Laura e a apresenta ao seu novo patrão. Serão quarenta minutos a menos de viagem, todas as manhãs. Agora vai falar com Richard sobre o assunto...

- E por que você acha que alguns combatentes se revoltaram e viraram motoqueiros? Tudo o que eles combateram lá, encontraram aqui.

- Estou pensando em, mais tarde é claro, conseguir que as duas morem na cidade, o que acha?

- É bom dar um tempo (...) mas a idéia é boa! Afinal, não foi justo gente proscrita que formou a população original de Sunshadow? Uma mãe solteira será bem vinda!

Ele mostra na esquina uma casa que desde a guerra está vazia (...) os parentes do último habitante só fazem questão de que seja bem cuidada (...) E a garota tem um abraço tão gostoso, tão macio, que logo a banda toda a adopta.

Enzo liga para a tutora, quer pedir que levante o máximo que puder de dados sobre a família de Laura, explicando em detalhes virginianos o problema...

- Oh, Enzo! Que lindo! Mon ami, eu vou pessoalmente cuidar disso para você. Agora desfranze esse cenho, que pelo telephone eu o estou vendo enrugado. Vá namorar, vá, que no sábado você começará a ter saudades dela.

Ele o faz. Tira a tarde para visitar a namorada, a encontra de short e camisa amarrada, limpando a casa. Nada glamouroso, mas encantadora...

- Trouxe-lhe bombons.

Ela ajeita a cabeleira despenteada e o põe para dentro, antes que a vizinhança se dê conta de quem é e comece uma romaria à porta de sua casa. Fica sem jeito, até ele arregaçar as mangas e colocar as cadeiras em cima da mesa...

- Eu não acredito, Enzo!

- Namorar no meio da bagunça não dá! Vamos limpar esta casa!

A força bruta masculina mostra seu valor, quando bem aplicada. O trabalho de uma tarde inteira é feito em menos de uma hora, sem dor nas costas. Ele é uma das raras aparições masculinas em sua casa (...) Ela vai tomar uma ducha, se arrumar direito e tirar a impressão de gata borralheira que pensa ter deixado. Ele aproveita para estudar a casa. Para os padrões americanos é pequena, mas não parece faltar o necessário. Dá uma olhada no quintal e vê (...) as três paredes do muro como enfeite. O bom desenvolvimento mostra que não passa fome, menos mal, mas a fruteira da mesa está vazia. As entressafras devem ser freqüentes naquela casa. Ele ouve o chuveiro e pensa no que ela tanto capricha, então se lembra do pai lhe perguntando o mesmo sobre sua mãe (...) ele se vira para o corredor, a vê saindo rapidamente enrolada em toalhas (...) ainda esperará um bom pedaço. Dá uma olhada nas revistas que elas lêem. Vê a si com os outros e Josephine, na capa de uma delas, mas a maioria é de revistas em quadrinhos do Archie e sua turma.

Silvia termina de se secar e fica nua diante do espelho. Pressiona um pouco o abdômen (...) Nunca tinha se preocupado com isso, mas agora tem quem se interesse por sua estética. Ainda nem sabe se ele gosta de garotas cheinhas e peitudas, ainda mais ele vivendo cercado de artistas esculturais, produzidas e com mais laquê do que fios de cabelo na cabeça. E os cabelos, por falar nisso? Deve alisá-los? Vai ao pequeno armário e (...) Pega uma blusa preta de alças bem finas e uma saia vermelha mais curta, não muito, pouco acima dos joelhos. Põe uma camisa branca em cima e só amarra em baixo. E a maquiagem? (...) Com aquela roupa, ir de cara limpa é uma contradição. Um batom cereja e um pó de arroz bastam. Busto evidenciado e pernas grossas valorizadas, ajeita os cachos e vai ter com ele...

- WOW!

Aquela exclamação lhe soa como uma declaração inteira. Abre o sorrisão e vai lépida para seu amado, se boletar em seus braços e respirar seu perfume (...) Ela é muito eléctrica para ser melosa, então consegue ser naturalmente divertida. Enzo imagina que tipo de gente rejeitaria uma garota assim. Josephine já tem indícios de quem seja essa gente. Estuda um modo de contar a Enzo, mas antes quer falar com Laura (...) Liga para Grant, que atende do telephone do Meredes-Benz...

- Sim, eu posso lhe arranjar isso... Sim, eu sei de quem se trata e aconselho a manter distância dessa mulher. Ela é filha e irmã de membros mortos da ku klux klan, e ainda hoje sonha com as histórias da avó, sobre quando podiam comprar negros no mercado.

- Você parece saber muito a respeito deles. Pode vir aqui, para conversarmos?

- Com prazer (...) estou a poucas quadras da sua casa. Até mais... Me desculpem, era Josephine, ela pediu informações justamente sobre o nosso assunto.

- Ela não está envolvida com essa gente, está?

- Não, mas Enzo se envolveu com a neta bastarda da Cascavel Branca.

Os dois homens ficam apreensivos (...) temendo pela integridade do garoto. Liga rapidamente para Washington e pede que avisem Richard imediatamente. O mecânico ouve com cuidado, se enfurecendo a cada palavra e dá um só recado...

- É um ultimato o que eu vou dar agora; se vocês não pegarem essa gente antes de darem as caras por aqui, perderão seus meses de investigação, porque eles vão tentar machucar Enzo e eu vou matá-los. Entenderam?

Eles entenderam (...) David vai ver Josephine e Richard vai dar uma olhada no rapazote. Liga para Enzo e avisa que vai ele mesmo buscá-lo nesta tarde. Só por precaução, leva a pistola. Vai tranqüilo no pequenino Henney Kilowatt, que estava com as placas das baterias coladas e precisou substituir (...) entrar não foi fácil, para o porte dele, mas conseguiu sem bater a cabeça no portal. Está pegando gosto pelos eléctricos, por isso mesmo lamenta ainda mais que a Studebaker ou a Kaiser não tenha sido a marca escolhida por Henney para a empreitada.

Ele chega, sai com alguma dificuldade daquela latinha de sardinha e toca a campainha. Aguarda (...) Enzo atende e a cara fica ainda mais sem-vergonha...

- Oh, interrompi os pombinhos?

Riem encabulados. Richard nota o capricho da menina, em sua produção. Fica com eles até a mãe dela voltar do novo emprego. Gostou dela, mas agora teme por ela também, ser filha de um mexicano poderá render muitos dissabores, se a avó a encontrar pela frente. E a essa altura (...) meio mundo já deve saber do namoro deles. Só o que pode fazer é ficar alerta e avisar os demais a cada evento suspeito.

0 comentários: